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Escritoras argentinas: uma visão a partir das margens

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Por Sandra Lorenzano Ilustração: Liuna Virardi   “Por que é que um grande número de nomes, apesar do seu talento, ainda não consegue ultrapassar o limiar do regional, como vimos ao longo dos anos no projeto Hablemos, escritoras ?” Parto desta questão colocada por Adriana Pacheco Roldán no artigo “O termo boom feminino é inadequado e insuficiente” para deambular pelas margens da atual ficção narrativa argentina e parar em alguns nomes que considero especialmente interessantes e propositais.   Antes de tudo, gostaria de pensar que a notoriedade alcançada por um grupo de autoras argentinas pode iluminar também outra parte do imenso corpus da ficção narrativa escrita por mulheres neste país do sul da América. Considerando autoras como Tununa Mercado (1939), Luisa Valenzuela (1938) ou Tamara Kamenszain (1947-2021) que, sem dúvida, abriram uma fresta em tempos difíceis, parece-me hoje essencial que a curta memória do mercado editorial tende a cobrir com sua “paixão juvenil” as que vieram a

Boletim Letras 360º #575

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    DO EDITOR   Olá, leitores! Vocês continuaram a conhecer os novos autores que agora publicam no Letras a partir deste ano; saíram os textos de estreia de Henrique Ruy S. Santos e Eduardo Galeno. Estejam atentos que virão outros nomes na semana seguinte.   Os estreantes que começaram a publicar por aqui desde a semana anterior foram os selecionados na chamada divulgada no início de 2024. Mas, se você tem interesse em publicar seu texto no blog, saiba que isso pode acontecer sem que seja um colunista. Conheça os interesses editoriais desta página, como organizar e enviar o seu texto, por aqui .   Agradecemos sua companhia. Um excelente final de semana!   LANÇAMENTOS   Um Graciliano Ramos desconhecido do grande público. Os relatórios de quando foi prefeito de Palmeira dos Índios, pequena cidade do estado de Alagoas, ganham edição em livro .   “Evitei emaranhar-me em teias de aranha”, registrou Graciliano Ramos em um dos relatórios dirigidos ao governador do estado de Alagoas, datado

Festival do romance longo

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Por Alejandro Zambra Arte: Erika Lee Sears (Detalhe)   Há alguns anos, organizei o Primeiro Festival do Romance Longo, que não chegou a se realizar, mas segue me parecendo uma boa ideia. Ainda conservo os e-mails que enviei a dezenas de escritores e professores convidando-os a compartilhar suas experiências como leitores de romanções, embora jamais tenha conseguido precisar um número mínimo de páginas e me perdi um pouco em uma série de conversas graves e simultâneas sobre quais romances eram realmente longos. Tempos depois publiquei um romance muito curto e algumas pessoas me tomaram por defensor da brevidade. Nada disso. Eu prefiro os romances longos, aqueles que reservamos para a primeira gripe do ano, aqueles que nos obrigam a inventar a primeira gripe do ano para ficarmos em casa lendo.   Em algum momento da adolescência comecei a fingir doenças que me permitiam avançar à vontade nas leituras importantes. Meus pais talvez suspeitassem de alguma coisa, pois me obrigavam a ir ao méd

“Todos nós desconhecidos” acompanha o espectador ante o assédio da realidade

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Por Alonso Díaz de la Vega Duas reações imediatas a um certo tipo de cinema contemporâneo começam a se repetir. Eu gostaria de chamar esse fenômeno de síndrome Aftersun . Quando aquele longa-metragem, o primeiro de Charlotte Wells, foi lançado, os cinéfilos mais severos o odiaram, mas o público em geral o recebeu com imenso apreço. Para alguns, o filme representou uma forma de terapia; para os outros também. Ambos os lados focaram na representação, no tema do pai idealizado, e daí surgiu uma luta irreconciliável baseada na fobia ou na necessidade do cinema como cura.   Houve também uma terceira via: a de quem ficou desconcertado com uma estreia interessante mas que quis agradar a todos com base em emoções intensas, referências cultas e um estilo ambiguamente minimalista, ou seja, um pouco rígido, esparso, embora sempre dominado pelo velocidade e pela comoção. Confesso que comecei por aqui mas depois flertei com o lado radical. A cinefilia mais fanática, que muitas vezes me tenta, esper

Ca-ca-so

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Por Pedro Fernandes Cacaso. Foto: Alcyr Cavalcanti É conhecida a descrição de Cacaso oferecida por Roberto Schwarz que o designa como alguém de estampa rigorosamente 68: “cabeludo, óculos de John Lennon, sandálias, paletó vestido em cima da camisa de meia, sacola de couro. Na pessoa dele entretanto esses apetrechos da rebeldia vinham impregnados de outra conotação mais remota. Sendo um cavalheiro de masculinidade ostensiva, Cacaso usava a sandália com meia soquete branca, exatamente como era obrigatório no jardim de infância. A sua bolsa a tiracolo fazia pensar numa lancheira, o cabelo comprido lembrava a idade dos cachinhos, os óculos de vovó pareciam de brinquedo, e o paletó, que emprestava um decoro meio duvidoso ao conjunto, também.”   Esse retrato verbal é razoavelmente fácil de comprovar na era da imagem. Com ele, Roberto Schwarz quis destrinçar não apenas a figura de Cacaso mas certas linhas da sua poesia, algo entre a rebeldia comum aos jovens daquela geração reconhecida como

Satisfazer, morrer: notas sobre Baudelaire e Pasolini

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Por Eduardo Galeno Jacques-André  Boiffard, Gros orteil, sujet masculine, 30 ans, 1929. Centre Pompidou. Quando Baudelaire pregou, no século XIX, pela manutenção da ambiguidade que impera no seu enquadramento poético; quando, por outro lado, no século seguinte, Pasolini encarna em Salò o le 120 giornate di Sodoma (1975) a substância característica e insistente nos afetos pós-industriais; ambos não fazem mais do que uma única e mesma coisa: o relato da dupla (in)consciência existente entre o frenesi da festa e o cálculo da morte.   ***   É o ano de 1857. As flores do mal é publicada pela primeira vez. Aos 36 anos, Baudelaire dá o primeiro grande passo para a constituição das poéticas modernas (ou modernistas). Destituído daquele complexo romântico da Alemanha – que, por lógica e definição, era uma espécie de querela ao constructo da nova Europa –, os tópicos baudelairianos insistiram em ver e em denotar, obsessivamente, a essência do Mal. Assim, essa poesia maldita inclinada a refazer