O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald


por Roberta Fabbri Viscardi e sinopse de Marcos Soares




A história pessoal de F. Scott Fitzgerald refletiu a história de seu tempo. O autor obteve sucesso e fama incomparáveis na década de 1920, viu-se na obscuridade durante a Depressão dos anos 1930 – quando obteve o famoso colapso nervoso que relatou nos ensaios batizados de Crack Up – e faleceu em 1940, aos 44 anos. Quando sua morte foi divulgada, Fitzgerald estava totalmente fora de catálogo e praticamente esquecido. Ele não havia publicado um livro em 5 anos, e apenas 72 cópias de suas 9 obras foram vendidas durante seu último ano de vida. Seus contemporâneos foram pegos de surpresa ao verem seu obituário estampado nos jornais, mas não devido à morte prematura. Muitas pessoas acreditavam, na verdade, que o autor estava morto há muito tempo.

A década de 1920, descrita por Fitzgerald em seu texto retrospectivo “Ecos da Era do Jazz”, publicado em 1931, “foi uma era de milagres, foi uma era de arte, foi uma era de excessos e foi uma era de sátira.” (SCOTT, 2007, p.14) O autor, que assistiu a tudo de muito perto e vivenciou intensamente o  período que traria mudanças importantes para o mundo e o contexto norte-americano, utilizou-se de seu tempo e de experiências pessoais na composição da sua obra, frequentemente confundida por muitos leitores e alguns críticos literários com sua autobiografia. Apesar desse equívoco – que permitiu que especialistas classificasse os trabalhos de Fitzgerald na categoria dos romans à clef –, o autor defendia a presença de elementos biográficos em seus escritos e afirmava que eles não se consistiam em informações pessoais ou privadas, mas refletiam, além de sua própria experiência, as transformações históricas que moldaram o caráter de sua geração, que amadureceu nas duas primeiras décadas do século XX.

Mais do que apenas registrar os acontecimentos de sua época, Fitzgerald tinha como intenção investigar os efeitos resultantes das experiências e desenvolvê-los em sua obra, especialmente em seus romances. Entre os assuntos recorrentes em seus escritos estão o conflituoso relacionamento entre membros de classes sociais distintas, expresso pelo tema poor boy meets rich girl, prsente tanto em This Side of Paradise quanto em The Great Gatsby e Tender is the Night, o mito do sel-made man, figurado em Jay Gastby e Monroe Stahr, protagonista de The Love of the Last Tycoon, e o contraste entre a realidade do pré e do pós-guerra, especialmente nos Estados Unidos em The Great Gatsby e na Europa em Tender is the Night. Como o autor expressou no ensaio “One Hundred False Starts”, de 1933:
Mostly, we authors must repeat ourselves – that’s the truth. We have two or trhree great and moving experiences in our lives – experiences so great and moving that it doesn’t  seem at the time that anyone else has been so caught up and pounded and dazzled and astonished and beaten and broken and rescued and illuminated and rewarded and humbled in just that way ever before. Then we learn our trade, well or less well, and we tell our two or three stories each time in a new disguise – maybe a hundred, as long as people will listen.¹
Além de privilegiar o impacto do processo histórico no indivíduo em detrimento da simples compilação de fatos, Fitzgerald não cedeu às críticas e resistiu em abrir mão de seu ponto de vista original, como declarou na introdução à edição de The Great Gatsby da Modern Library, publicada em 1934: “I had recently been kidded half haywire by critics who felt that material was such as to preclude all dealing with mature persons in a mature world. But, my God! It was my material, and it was all I had deal with.”

Sua visão dos anos 1920 pode ser considerada complexa, pois o autor conhecida tanto o glamour e os excessos da classe alta quanto a privação e as ilusões das classes menos abastadas, e não relutava em empregar esses contrastes em seus ensaios, romances e contos.

Durante a escrita de The Great Gatsby, Fitzgerald expressou nas cartas que trocou com seu editor, Maxwell Perkins, o desejo de experimentar e criar algo novo. Seu propósito e sua dedicação à obra eram evidentes: o autor almejava escrever um romance intricado e aprofundado, cuja técnica diferenciaria sua prosa de outros escritos populares da época. O exercício linguístico de Fitzgerald ao compor o romance – que foi editado inúmeras vezes – está registrada em seus manuscritos, e sua obra final é resultado do desejo de escrever sobre o que mais lhe interessava, “the loss of those illusions that give such color to the world so that you don’t care whether things are true or false as long the partake of the magical glory”, como expressou em uma carta a um amigo.

The Great Gatsby foi um fracasso comercial durante o período em que Fitzgerald esteve vivo. Após o longo e detalhado trabalho de preparação do romance, em abril de 1925, foi publicada a primeira edição, que totalizava cerca de 20 mil volumes e esgotou rapidamente. Uma segunda edição, dessa vez com apenas 3 mil volumes, foi encomendada no mesmo ano, mas a popularidade da obra já estava em declínio. Em menos de um ano o romance havia sido alçado à fama e relegado ao completo esquecimento nas prateleiras das livrarias. Não é de espantar, portanto, que na época da morte de Fitzgerald algumas das copias da segunda edição ainda se encontravam no galpão da editora.

Uma carta de Fitzgerald a Maxwell Perkins, datada de 1940, revela muito não apenas sobre a percepção do autor, mas também sobre a recepção do romance. Vítima constante do desejo de aceitação púbica e social, Fitzgerald, assim como uma grande parte de seus leitores da época, teria ignorado o potencial de sua obra e de seu narrador, apesar de reconhecer sua contribuição para a literatura norte-americana, mesmo que em menor escala:
I wish I was in print. […] Would the 25 cent press keep Gatsby in the public eye – or s the book unpopular? Has it had its chance? Would a popular reissue in that series with a preface not by me but by one of its admires – I can maybe pick one – make it a favorite with classrooms, professors, lovers of English prose – anybody? But to die, so completely an unjustly after having given so much. Even now there is little published in American fiction that doesn’t slightly bare my stamp – in a small way I was an original.
Foi somente após o início da Segunda Guerra Mundial, quando o Council on Books in Wartime estabeleceu uma organização de publicações sem fins lucrativos, a Editions for Armed Services, que o trabalho de Fitzgerald teve público leitor mais numeroso e diversificado. Edições de bolso dos que eram considerados os melhores livros do passado e do presente foram distribuídos para os soldados norte-americanos, e entre os mais de mil títulos constavam duas obras de F. Scott Fitzgerald: o conto “The Diamond as Big as the Ritz” e The Great Gastby, cuja tiragem total foi de cerca de 150 mil exemplares.

Apesar do sucesso tardio, a obra foi muito popular entre críticos literários e escritores contemporâneos de Fitzgerald, como registra o biógrafo do escritor Arthur Mizener:
Early in May 1925 the Fitzgerald’s reached Paris from the south of France and there they rented na apartment at 14 rue de Tilsitt for the rest of the yaer. SALES SITUATION DOUBTFUL, Perkins cabled about Gatsby, EXCELLENT REVIEWS. The sales continued to be, by Fitzgerald’s standards, mediocre, though the reviews were the best he had ever had.
Alguns de seus pares elogiaram o romance em cartas destinadas ao autor, entre eles T. S. Eliot – que considerou “o primeiro passo que a ficção americana tomou desde Henry James” – e Gertrude Stein, que reconheceu na prosa de Fitzgerald a criação de “um mundo moderno e uma orgia moderna que bastante estranhamente nunca tinham sido criados antes até [que ele os inventasse] em This Side of Paradise.” Um número significativo de críticas negativas também foi registrado, sendo que algumas delas caracterizavam The Great Gatsby como um romance inferior, que sequer seria considerado para a lista dos melhores da temporada, e ficaria para a posteridade apenas como um folhetim superficial. Enquanto Maxwell Perkins expressava, mais uma vez, seu contentamento com relação ao talento e dedicação de Fitzgerald, H. L. Mencken, jornalista conhecido pela crítica ácida à classe média norte-americana, chamou The Great Gatsby de “a glorified anecdot”, e considerou inferior ao primeiro romance do autor, This Side of Paradise, cuja popularidade entre os críticos está longe de ser unânime. 

***

Frequentemente descrito como “o grande romance americano”, O grande Gatsby não é apenas o melhor romance de Fitzgerald, mas um dos melhores de toda a literatura americana. O enredo conta a história de Jay Gatsby, milionário que dá enormes festas em sua mansão na esperança que Dayse acabe aparecendo numa delas. Aos poucos, Nick Carraway, o narrador, descobre os pormenores da antiga relação amorosa entre Gatsby e Daisy, a separação por motivos financeiros, o casamento de Daisy com o milionário Tom, a ascensão misteriosa de Gatsby e a tentativa de recuperação do antigo amor, nesta altura mais idealizado que real, produto de tempos mais inocentes. O que faz a grandeza do romance é sua descrição aguda de todo um modo de vida dominado pelo dinheiro, que o narrador observa com um misto de repúdio e fascinação. O desenlace trágico aponta para o fim de uma era de crença ingênua no sonho americano e a descoberta do engano sistemático a que a vida fora reduzida. (M. S.) 


Notas:
¹ Fitzgerald, F. Scott. “One Hundred False Starts”. Disponível aqui. Grifo nosso. 

* Este texto é recorte da dissertação de mestrado A posição do narrador em The Great Gatsby de F. Scott Fitzgerald apresentada em 2011 ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Em maio 2013 fizemos uma espécie de breve concurso para os que seguem o Letras in.verso e re.verso no Facebook; a proposta é que escreveriam uma resenha para o livro de F. Scott Fitzgerald. Foram submetidos quatro textos; nenhum deles foi selecionado como adequado para publicação. Critérios simples como avaliação crítica do romance analisado, coesão e coerência textuais foram dispensados pelos autores. Foi então que decidimos, reproduzir este texto de Roberta Fabbri e Marcos Soares.



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