Boletim Letras 360º #384
DO EDITOR
1. Inicio
este Boletim com uma nota, voltando a pensar sobre a atitude insensata de
algumas pessoas no tratamento com o trabalho alheio. Peço desculpas ao leitor
por me repetir, mas o assunto será sempre retomado toda vez que passarmos pelo
constrangimento do ataque. É uma maneira de reeducação dos sentidos o apelo que
se lê a seguir e divulgado esta semana na página do Letras no Facebook, onde
uma de nossas colunistas foi exposta por um hater.
2. O blog
Letras in.verso e re.verso está online desde o final de 2017. Chegou às redes
sociais nos últimos anos do Orkut e está no Facebook desde 2010. Nesta rede,
dois anos mais tarde, passamos a ocupar o espaço para, além de divulgar os
conteúdos do blog, com notícias variadas relativas ao universo de nosso
interesse, ou como se diz, de acordo com nossa linha editorial. Todo o trabalho
executado por quem mantém esta página e pelos colaboradores que escrevem e
publicam no blog é desempenhado sem quaisquer outros incentivos se não o afeto
e o interesse pelo trabalho de ler, discutir, informar, entreter etc. no e pelo
literário. Em nenhum momento, em todos esses anos, deixamos de respeitar a
opinião de todos que por esses espaços transitam. Mas, não é a primeira vez
(sabemos que não será última) que comentários ofensivos findam por escapar ao
crivo do nosso controle. Reiteramos que estamos atentos a malfeitores. E,
pedimos, muito encarecidamente, a troca do respeito que dedicamos para com
todos. O debate, a proposição, é sempre bem-vinda, publicamente ou pelos demais
canais. Mas, pense muito em como sua posição pode atingir negativamente quem só
tem o defeito de levar esse barco adiante em terra de cegos. Se isso é
impossível para você, então, não faz sentido sua presença neste endereço. Não é
possível que do infinito deserto das redes esteja aqui seu lugar de
desfazimento dos afetos. No mais, fica nosso obrigado aos que conosco convivem.
É de convivências que se faz um mundo melhor.
3. A seguir,
as notícias divulgadas durante a semana na página no Facebook (ou não) e a
atualização das demais seções deste Boletim com as recomendações de leitura,
assuntos de arredores do campo de interesse do blog e a sugestão de visita a
algumas das publicações apresentadas aqui.
Sylvia Plat. Livro que reúne extensa parte da prosa dispersa da escritora ganha edição no Brasil. |
LANÇAMENTOS
Como um
retorno desperta imagens da memória para se pensar a história.
Neste grande
livro que entrelaça reflexão sociológica e memória autobiográfica, Didier
Eribon relata seu retorno, depois da morte de seu pai, a Reims, sua cidade
natal, e seu defrontamento com seu ambiente de origem, com o qual havia
praticamente rompido trinta anos antes. Desse reencontro, vem o ímpeto de
mergulhar no passado e retraçar a história de sua família, à medida que se dá
conta de que a ruptura não se deveu exclusivamente a sua homossexualidade
ou à homofobia que pairava no ambiente doméstico, mas também à vergonha que ele
sentia de sua origem social. Ao evocar o mundo operário de sua infância,
reconstituindo sua ascensão social e sua vida intelectual a partir dos anos
1950, o filósofo e sociólogo francês combina a cada parte desse relato íntimo e
comovente elementos de uma reflexão sobre classes, sistema escolar, formação
das identidades, sexualidade, política, democracia e a mudança do padrão de
votos da classe operária — que é ilustrada por sua própria família que troca
sua lealdade pelo Partido Comunista por partidos de direita e até de
extrema-direita. Ao reinscrever assim as trajetórias individuais nos
determinismos coletivos, Didier Eribon se questiona sobre a multiplicidade de
formas da dominação e portanto da resistência. A tradução de Cecilia Schuback
de Retorno a Reims é publicado pela editora Âyinè.
Os
começos de Syvlia Plath.
Conhecida
por seus poemas e pelo romance A redoma de vidro, Sylvia Plath escreveu
desde muito cedo para revistas e jornais literários. Seus textos passaram a ser
organizados em livro somente quinze anos após a sua morte. Johnny Panic e a
bíblia de sonhos e outros textos em prosa, com introdução do poeta Ted
Hughes e apresentação da escritora canadense Margaret Atwood, reúne os contos
reproduzidos na primeira publicação deste livro, em 1977, outros posteriormente
liberados pela mãe da autora, além de textos jornalísticos e trechos de seus
diários. Os textos que compõem a obra cobrem um período de 14 anos ― os mais
antigos são de quando a autora tinha 17 anos e o último, “Blitz de neve”,
detalha os últimos dias de vida de Sylvia. A tradução é de Ana Guadalupe é
publicada pelo Selo Biblioteca Azul / Globo Livros.
Um dos
clássicos de Charles Dickens em nova edição.
A sorte não
sorri ao pequeno Oliver Twist. Havendo ficado órfão assim que nasceu, foi
criado em um asilo sem receber qualquer carinho. Aos nove anos, já sabe o que é
passar fome, sofrer maus tratos e trabalhar de sol a sol em uma fábrica.
Decide, pois, fugir para Londres buscando uma vida um pouco mais fácil. A
grande cidade, no entanto, é repleta de perigos e de delinquência. Em mais uma
de suas obras inesquecíveis, Dickens, a partir da trajetória do jovem Oliver,
denuncia as dificuldade e penúrias que se abatem sobre os pobres de uma
sociedade recentemente industrializada, sem, contudo, privar o leitor de notas
de humor e esperança. A tradução de Renato Prelorentzou para Oliver Twist
é publicada pela Editora da Unesp.
Publica-se
pela primeira vez em português duas peças do teatro filosófico de Frantz Fanon.
A obra de
Frantz Fanon reconquistou o interesse de vários editores brasileiros neste ano
quando se celebra o 95º aniversário do psiquiatra e pesquisador. Agora, pelo
independente Segundo Selo, publicam-se as peças O olho se afoga / Mãos
paralelas. “O que também distingue suas peças das obras contemporâneas de
Camus ou Sartre é o traço onipresente de Aimé Césaire, seja na imaginação ou na
linguagem de Fanon. A língua de Fanon é atravessada por uma certa violência,
inclusive sexual; como em Césaire, a imagem do estupro é frequentemente
expressa ou sugerida por meio de uma linguagem metafórica”, observa Robert J.
C. Young. A tradução é de César Sobrinho.
Piano
mecânico retorna às livrarias com novo projeto gráfico e tradução após mais
de 40 anos fora do mercado brasileiro.
“Pela
primeira vez, depois do imenso banho de sangue da guerra, o mundo estava
realmente limpo de terrores não naturais: fome, encarceramento, tortura,
assassinato. Objetivamente, o know-how e a legislação global estavam recebendo
sua tão esperada chance de transformar a Terra em um lugar agradável e
conveniente para se aguardar o Juízo Final.” Nas primeiras páginas de seu livro
de estreia, Kurt Vonnegut apresenta uma trama de ficção científica que parece
uma utopia futurista, mas que aos poucos se revela uma distopia opressora: Piano
mecânico se passa em um futuro não muito distante quando, enfim, as
máquinas venceram. Após a Terceira Guerra Mundial, o mundo se reconstruiu e se
reinventou. Quase tudo foi automatizado e a sociedade se dividiu em um novo
sistema social, não mais baseado em dinheiro, mas em inteligência. Os
indivíduos são classificados e registrados de acordo com seu QI e capacidade
intelectual; a posição social ― um destino de glória ou esquecimento ―
de cada um é definida exclusivamente a partir da análise desses dados. Do lado
dos privilegiados, o dr. Paul Proteus leva uma vida confortável. Mas a visita
inesperada de Ed Finnerty, seu inquieto e inconformado ex-colega de trabalho,
abala sua rotina cômoda e previsível. Após esse encontro, Proteus começa a
questionar a hierarquia e a imaginar se uma vida mais simples e sem privilégios
não seria uma forma de voltar a se sentir humano. Mais do que uma crítica ao
progresso desenfreado das tecnologias, Piano mecânico é um livro sobre o
desconforto que toda estrutura social causa ao homem. A obra compartilha da
ansiedade do pós-guerra presente em 1984, de George Orwell, e explora o
medo de que, em tempos de paz, as nações venham a se submeter a níveis de
controle social quase paranoicos. Publicado originalmente em 1952, Piano
mecânico chegou ao Brasil em 1973 com o título Revolução no futuro.
No ano seguinte, ganhou uma reedição pela editora Círculo do Livro, mas está
fora das prateleiras desde então. Agora, mais de 40 anos depois, o livro de
estreia de Vonnegut retorna às livrarias pela Intrínseca. Com tradução de
Daniel Pellizzari e seguindo o projeto gráfico de Matadouro-Cinco e Café
da manhã dos campeões.
Disponível
os dois primeiros títulos que abrem a publicação da obra de Alexandre O’Neill
no Brasil pela Editora Moinhos: No reino da Dinamarca e Tempo de
fantasmas.
1. Como dirá
Joana Meirim, pesquisadora sobre a obra do poeta, ler “No Reino da Dinamarca
é uma oportunidade de perceber o diagnóstico e de testar a terapêutica,
utilizando os termos de António Franco Alexandre. Também há algo de podre No
Reino da Dinamarca de O’Neill, na óbvia alusão ao Hamlet, de Shakespeare, não
só do ponto de vista moral, mas também na forma como se escreve. Neste livro, o
leitor pode procurar sair do reino da Dinamarca, tentando dar saúde às palavras
doentes através da leitura de uma poesia sem concessões a falsas retóricas”.
2. Como dirá
Gustavo Rubim, pesquisador sobre a obra, “Em certo sentido, portanto, Tempo
de Fantasmas concentra-se no exorcismo dos próprios fantasmas da poesia,
monstros inconciliáveis com a vida terrestre nas dimensões lisboetas que a
única referência a André Breton veio trazer para dentro do livro. Mas O’Neill
nunca será um poeta estritamente ocupado com os fantasmas do seu ofício. Ou
seja, nunca veio a ser um bom exemplo de “metapoeta” em regime de exclusividade
e é até possível que o prefixo “meta-” seja o menos adequado para descrever o
tipo de relação vigilante que sempre foi mantendo com a própria prática de
escrever poemas”.
Uma
revisão ao tema do deslocamento na literatura e no cinema.
Exodus:
deslocamentos na literatura, no cinema e em outras artes, é organizado por
Daniela Birman e Francisco Foot Hardman é publicado pela Relicário Edições. No
texto de apresentação do livro, escrito por Milton Hatoum, assim se informa.
“‘Expatriados em sua própria pátria’: assim Euclides da Cunha referiu-se aos
seringueiros da Amazônia, migrantes nordestinos que trabalhavam para
‘escravizar-se’. Mais de um século depois, o número de deslocados internos,
emigrantes e refugiados vem aumentando de modo alarmante. O cassino global do
sistema capitalista-financeiro não tem como responder a essa ‘diáspora sem
rumo’, na expressão de Foot Hardman. Os sem-teto, sem-emprego, sem-comida,
sem-pátria — vidas subtraídas de qualquer dignidade — são vítimas também de
preconceito, xenofobia, homofobia, perseguição política e todo tipo de violência
física e moral. Este livro, tão necessário quanto urgente, reúne ensaios que
examinam obras literárias, filmes e exposições de arte. Alguns textos evocam
seres da errância, deslocados ou à margem da sociedade; ou examinam um rico
diálogo entre escritores do Brasil, da China, da Argentina e da Rússia. Outros
estudos analisam romances importantes, mas esquecidos ou ofuscados pelo cânone,
e filmes sobre mulheres de esquerda que foram torturadas na resistência às
ditaduras do Brasil e de Portugal. Não poderia faltar a esse Exodus um exame da
gravíssima crise socioambiental do planeta. Aliás, as crises, tensões,
violências e rupturas no processo histórico e na figuração artística desses
ensaios são um convite para refletir sobre este tempo tão sombrio.” O livro
traz textos de Francisco Foot Hardman, Camilo Soares, Mário Luiz Frungillo,
Bruno B. Gomide, Fan Xing, Ana Silvia Andreu da Fonseca, Daniela Birman, Vera
Maria Chalmers, Bruno Zeni, Lisa Carvalho Vasconcellos, Marcela da Silva,
Ricardo André Ferreira Martins, Marília Gabriela Malavolta Pinho e Maria Helena
Peres de Oliveira.
Nova
tradução de As ondas, de Virginia Woolf.
Estruturado
em torno das reflexões interiores de seis personagens ao longo de seu ciclo de
vida, da infância à velhice, As ondas é também a mais complexa e
intrincada de suas obras. Essa complexidade abrange tanto sua estrutura formal
quanto a linguagem altamente figurada, sintética e frequentemente enigmática
atribuída aos seus personagens. Graças à existência e publicação de dois
rascunhos do romance, é possível se ter uma ideia do esforço de Virginia para
cortar todo o excesso e todas as conexões fáceis e óbvias. O que restou é uma
peça do mais puro e concentrado lirismo. É essa condensação lírica que tem
constituído um desafio para as pessoas que se arriscaram a traduzi-la ao longo
dos quase cem anos que nos separam da publicação do livro. É esse desafio que
Tomaz Tadeu, após ter traduzido outras obras de Virginia para a Autêntica,
resolveu enfrentar. Não há, nesse trabalho, nenhuma facilitação. Espera-se que
seus leitores tenham a mesma estranheza e dificuldade que os leitores de língua
inglesa têm experimentado ao longo de todos esses anos. Mas também o mesmo
prazer e o mesmo encanto, após terem transposto os mistérios e os ardis
plantados por Virginia ao longo de sua obra prima. Para isso poderão contar,
tal como nos outros livros da coleção virginiana da Autêntica, com as numerosas
e detalhadas notas redigidas pelo tradutor.
Novo
livro de Angélica de Freitas.
Oito anos
depois da publicação do já célebre Um útero é do tamanho de um punho —
lançado em 2012 pela Cosac Naify e reeditado em 2017 pela Companhia das Letras
—, Canções de atormentar traz o olhar afiado de uma poeta que, com
inteligência e ironia, observa a si e ao mundo. Os poemas rememoram a infância
no Sul, com o pé de araçá plantado pela avó, relatam o esforço inútil de tentar
compreender o Brasil de hoje e discutem a injustiça, o machismo e a
nostalgia de uma nação que não passou de projeto. Em “porto alegre, 2016”, que
trata da migração e dos protestos nas ruas, violentamente refreados pela ordem
pública, a poeta escreve: “agora a colher cai da boca/ e o barulho de bomba é
ali fora/ e a polícia vai pra cima dos teus afetos/ munida de espadas, sobre
cavalos”. Canções de atormentar reúne poemas ora ferozes, ora
desiludidos, sem nunca perder de vista a urgência, a vivacidade, o humor e o
tom incisivo que consagraram Angélica como um dos nomes mais originais da
literatura contemporânea.
Uma
investigação sobre o corpo nas artes.
Com raras
exceções, o corpo foi historicamente tratado de modo negativo pelo pensamento
filosófico: como cárcere da alma, obstáculo à moralidade ou entrave ao
conhecimento e à verdade. Na estética, contudo, o corpo e a sensibilidade
sempre foram temas centrais, desde seus momentos originários — a saber, quando
ela se constituiu como uma disciplina filosófica própria, cujas questões não se
deixavam mais reduzir àquelas de que se ocupam a epistemologia e a moral.
No século XVIII, e posteriormente no século XIX, foi com frequência a partir de
uma remissão, nem sempre desprovida de tensões, à organicidade de suas partes
que se procurou organizar um todo a partir das artes particulares. Artes do
corpo. Corpos da arte designam, assim, múltiplas maneiras de sistematizar a
produção nesse domínio de objetos, as quais tomam o corpo como modelo
estruturante. O livro é organizado por Jacinto Lageira, Pedro Hussak e Rodrigo
Duarte. A publicação é da Relicário Edições.
Uma
visita ao teor místico encontrado em algumas obras de Franz Kafka.
A obra Os
sagrados cães dançarinos: mística e heresia em Franz Kafka é o resultado de
mais de uma década de reflexões e indagações do autor, Eduardo Oyakawa,
originando investigações sobre filosofia, teologia e história das ideias. A
intenção do livro é trazer à luz a possibilidade de uma hermenêutica de cunho
místico sobre algumas das narrativas kafkianas. Na tentativa de desvelar um
aspecto sobrenatural, o autor propõe, de forma original e generosa com o
leitor, investigar a face cruel e angélica do Deus escondido no mundo. Seu
posicionamento é ousado, pois, apesar de haver intérpretes que afirmam a
existência de um apelo ao transcendente na obra de Kafka, a maioria nega essa
ânsia pelo divino. Portanto, em Sagrados cães dançarinos, coube ao
autor, Eduardo Oyakawa, a difícil tarefa de investigar um aspecto pouco
aprofundado: o teor místico encontrado em algumas obras kafkianas. São muitos
os pontos altos deste livro de Eduardo Oyakawa: em primeiro lugar, a análise
contextual, importante porque situa o leitor no espírito do tempo,
proporcionando maior clareza nos escritos analisados; depois, a eloquente
exposição do antagonismo vivido por Kafka entre a vida prática (muito
influenciada pelo “pragmatismo mundano” do pai) e a vida espiritual (inspirada
pelos antepassados judeus); e por fim, a uma apresentação sistemática dos
intérpretes, oferecendo ao leitor uma multivisão das críticas feitas a este
autor nascido em Praga, desvelando, de maneira surpreendente, uma religiosidade
presente nos livros estudados, tendo como chave de leitura a hipótese
scholeniana de mística herética. A belíssima análise do conto “O Covil”, da Metamorfose,
e da novela O Processo, além da hermenêutica poética e sagrada de “Investigações
de um Cão”, onde efetivamente a luz brilha na infinita noite kafkiana, oferecem
ao leitor exigente textos muito bem escritos, mostrando que a linguagem não é
mero adereço acidental, mas sim, essencial. O livro é publicado pelo selo
Filocalia / É Realizações.
Dois
livros de Miguel Sanches Neto na Ateliê Editorial.
1. Museu
da infância eterna. A infância é uma energia que nunca morre. E que nos
socorre nos momentos de maiores angústias. Lembrar que já fomos jovens, que já
nos colocamos diante do mundo com os olhos de primeira vez. A infância talvez
seja o tempo que nunca termina. É em tal sentido poético que as crônicas que
reuni neste livro podem ser lidas como um eterno presente, como uma recordação
constante desta geografia infantil, ficcional porque imaginária no retorno que
fazemos a ela. O livro é publicado pela Ateliê Editorial.
2. Herdando
uma biblioteca. Segunda edição revista e ampliada. Este livro é uma
celebração do mundo dos livros. Uma celebração bastante pessoal, mas que não
deixa de ter sentido universal, de valer para tantos outros leitores. O livro
reúne crônicas que falam de leituras, das bibliotecas que herdamos e que
deixamos de herança, daquelas que existem na realidade e das outras, às vezes
melhores, que só persistem em nossa imaginação. Num certo sentido, Herdando
uma Biblioteca é uma continuação – ou desdobramento – do romance
autobiográfico de Miguel Sanches Neto, Chove sobre minha infância. Os
temas que lá estão reaparecem aqui e o diálogo entre as duas obras é notável a
cada passagem. Miguel lembra de saída que, órfão precoce de pai analfabeto, não
poderia ter herdado livros. Restava então desvelá-los no quotidiano precário da
Peabiru da infância, da banca de jornais que vendia alguns poucos volumes, na
descoberta espantosa de livrarias e sebos em outras cidades. Para além das
revelações pessoais – que nunca perdem seu teor ficcional –, os livros e as
leituras são captados por uma lente singular: a que sabe de sua consistência
pluriforme: são objetos sagrados e profanos, são cultuados, mas também
apropriados pelos leitores, que os rabiscam com o lápis que está à mão, que os
garimpam pelas prateleiras dos sebos. E esse conhecimento dos livros só o tem
quem convive com eles numa intensidade quase obcecada, quem teme sobretudo a
ausência deles – que traz a “pobreza de palavras” e a solidão. Borges uma vez
falou, lembrando sua infância, que nunca se perdera fora da biblioteca de seu
pai. Miguel Sanches Neto, você, leitor, eu e tantos outros, talvez possamos
endossar a afirmação, ampliando-a. Em nosso mundo, não é possível se perder
fora de bibliotecas. Mas é impossível não nos perdermos dentro delas. (Julio
Pimentel Pinto)
Uma
visita ao pensamento e as ideias que nos ajudam a pensar a África pós-colonial.
O
colonialismo não se ocupou apenas de territórios. Também se provou bastante
eficaz em povoar as mentes. E, por causa da hegemonia europeia e branca,
durante muito tempo soubemos pouco a respeito da produção intelectual nos
países africanos. Terminado o período colonialista, demorou ainda muitos anos
para passarmos a valorizar — e a articular — nomes fundamentais da filosofia e
das ciências sociais daquele continente. Temas como nação, autonomia cultural,
racismo, identidade e entendimento da questão negra perpassam o melhor
pensamento vindo da África nos últimos dois séculos. E nos ajudam,
latino-americanos e brasileiros, a ler com mais acuidade a nossa própria
posição no Ocidente. É o que propõe este livro pioneiro, escrito com clareza
exemplar pelo historiador Muryatan S. Barbosa; uma obra de síntese, abrangente
e sofisticada, para ser lida por qualquer pessoa interessada na construção de
um sistema intelectual original e inovador. O autor oferece um panorama claro e
articulado (no percurso social e na história das ideias) sobre pensadores e
conceitos que ajudaram a romper os grilhões da África. E do mundo inteiro. A
razão africana. Breve história do pensamento africano contemporâneo é
publicado pela Editora Todavia.
Sequência
da trilogia proposta por Rachel Cusk ganha tradução no Brasil.
Uma
escritora se muda para Londres com seus dois filhos pequenos depois de se
divorciar. O processo de recuperação dá início a uma série de transições —
morais, pessoais, artísticas, pragmáticas — à medida que ela luta para
construir uma nova realidade para si e para os filhos. Na cidade, ela se vê
obrigada a confrontar dimensões da vida que sempre evitou. Enquanto se depara
com assuntos prosaicos, como uma reforma ou a pintura do cabelo, ela
considera questões sobre vulnerabilidade e poder, morte e renovação, num
processo lento e doloroso para se reconectar consigo mesma e com a vida. Sob o
olhar impessoal e agudo de sua protagonista, Trânsito recupera temas de Esboço,
romance anterior de Cusk. Em ambos os livros, a narradora é a mesma, Faye, uma
escritora recém-divorciada, sobre quem sabemos menos a partir de sua própria
voz do que pelo modo como se relaciona com os outros. Em ambos os livros, a
infância e o destino, o valor do sofrimento, a responsabilidade moral e os
mistérios da mudança são examinados com vigor e profundidade. A tradução é de
Fernanda Abreu e é publicada pela Editora Todavia.
REEDIÇÃO
A Editora
34 publica edição de bolso de Paraíso perdido.
Um dos
maiores poemas épicos da literatura ocidental — de uma tradição que inclui a Ilíada
e a Odisseia de Homero, a Eneida de Virgílio e a Divina
Comédia de Dante —, o Paraíso perdido foi publicado originalmente em
1667, na Inglaterra, em um período especialmente turbulento daquela nação. Seu
autor, John Milton (1608-1674), foi um dos grandes intelectuais de seu tempo e
destemido apoiador da Revolução Puritana inglesa, que depôs e executou o rei
Carlos I e proclamou a República em 1649. Com a restauração da Monarquia em
1660, Milton caiu em desgraça e, por um problema de saúde, gradualmente acabou
perdendo a visão. Foi nessa condição que ele compôs este espantoso poema de
10.565 versos, inspirado no Gênesis, que narra a rebelião de Satã contra Deus,
a Criação do Mundo e a Queda do Homem pela desobediência de Adão e Eva no
Jardim do Éden. A edição de bolso traz o texto integral traduzido por Daniel
Jonas seguido dos materiais de apoio da “edição comum”.
MERCADO
EDITORIAL
Carolina
Maria de Jesus na Companhia das Letras.
A editora
anuncia que passará a publicar a obra da autora. O projeto incluirá diversos
títulos, como escritos memorialísticos, romances, poesia, música, teatro e
narrativas curtas, entre outros. A editora recuperará os textos de Carolina a
partir dos cadernos originais, espalhados por diversos acervos pelo Brasil.
Nascida em Sacramento (MG), em 1914, a escritora viveu a maior parte da vida em
São Paulo (na favela do Canindé, em Santana e em Parelheiros) e exerceu
diversos trabalhos informais. Em cadernos que encontrava no lixo, reaproveitava
ou adquiria com grande dificuldade, deixou uma extensa produção literária.
Alcançou o sucesso com o livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada
(1960), organizado pelo jornalista Audálio Dantas, mas muitos de seus escritos
permanecem inéditos ou fora de circulação há décadas. A edição da obra na nova
casa será supervisionada por um conselho editorial composto por Vera Eunice de
Jesus, filha de Carolina, pela escritora Conceição Evaristo e pelas
pesquisadoras Amanda Crispim, Fernanda Felisberto, Fernanda Miranda e Raffaella
Fernandez. O primeiro lançamento será Casa de alvenaria, parte
integrante da série Cadernos de Carolina, que publicará os diários da
escritora buscando a integridade dos manuscritos originais. O livro retoma o
título de 1961, porém ganha edição completamente refeita e ampliada. A ideia é
que o leitor tenha um registro detalhado e completo da experiência de Carolina
após se mudar para o bairro de Santana, e de sua luta pelo reconhecimento como
escritora.
LITERATURA
E MEMÓRIA
Documento
que pode ser o único manuscrito a apresentar registros da caligrafia de William
Shakespeare está agora disponível online.
São três
páginas de uma peça acerca da vida de Thomas More, advogado e polímata de
Tudor, condenado à morte por se recusar a reconhecer Henrique VIII como Chefe
Supremo da Igreja Anglicana. Sir Thomas More chegou a ser censurada sob
a preocupação de que a encenação pudesse contribuir para uma revolta nas ruas
de Londres. São os traços lexicais que levantam a suspeita de autoria da
caligrafia de Shakespeare. Escrita entre possivelmente entre 1601-04, sabe-se
que em 1603, o dramaturgo inglês chegou a revisar um roteiro para uma peça sobre
More com outros três criadores. A presença do bardo estaria, segundo
especialistas, em 147 linhas do material, incluindo uma passagem em que More é
chamado para resolver os impasses anti-imigração. Além de Shakespeare
identifica-se a presença dos dramaturgos Anthony Munday, Henry Chettle, Thomas
Dekker e de um copista anônimo. Mais detalhes, incluindo o acesso ao arquivo
disponíveis aqui.
DICAS DE
LEITURA
No dia 7 de
junho de 1970, morreu E. M. Forster. Autor de uma vasta obra, dos mais lidos e
dos mais relidos. Embora pouco lembrado, há muito, também os leitores
brasileiros viram chegar às suas mãos parte importante de sua literatura.
Agora, passam-se cinquenta anos desde sua morte. E o Letras sublinha a
data com a recomendação de quatro dos seus romances ainda disponíveis com
alguma facilidade no mercado livreiro nacional. As informações sobre os livros são
a partir do registro na quarta capa das edições brasileiras mais recentes que foram
publicadas pela Globo Livros.
1. Howards
End. Este é o quarto romance do escritor inglês. Foi escrito entre
1908 e 1910 e publicado nesse último ano, e imediatamente saudado pela crítica.
O romance encena os conflitos ideológicos e emocionais que brotam da relação
entre duas famílias da classe alta de Londres: uma inglesa, típica da alta
burguesia da época, os Wilcox, e outra de ascendência alemã, os Schlegel, com
duas irmãs e um irmão. Através de análises psicológicas muito refinadas e um
estilo límpido, Forster constrói as oposições centrais que nortearão os
desdobramentos do romance tais como a filiação da gente burguesa ao movimento imperialista
versus a vivência dos ideais do humanismo. Paralelamente à trama
principal, o autor esmiúça as relações que as irmãs Schlegel mantêm com Leonard
Bast, um rapaz simples, que sonha ser culto, e que ocupará, ao final do
romance, um papel fundamental em seu desenlace.
Com este livro, o escritor reflete de maneira crítica sobre diversos
aspectos da sociedade inglesa do início do século XX. A edição da Globo Livros foi
traduzida por Cássico de Arantes Leite e é enriquecida com um prefácio do
escritor Ricardo Lísias.
2. Uma
passagem para a Índia. Este é um dos mais famosos romances de E. M. Forster
e é a prova sobre sua capacidade de fazer conviver, em um mesmo plano, diferentes
pontos de vista. O núcleo do romance é baseado na visita de uma jovem inglesa à
Índia, que pretende se encontrar com o futuro marido, partícipe da colonização.
Espírito mais aberto que os colonos, ela tenta interagir com a população local
até que um crime contra si coloca o problema do preconceito racial e social,
levantando a questão da barreira aparentemente intransponível entre as diferentes
culturas. Aberto o conflito, o romancista não cai no erro de reduzir tudo à
sorte do exotismo ou da sobreposição colonialista de ideologias em oposição. O conflito
nunca fica escamoteado, mas o que prevalece é a tentativa de Forster em
estabelecer numa mesma base os pontos de vista. Este livro é resultado de duas
viagens que o escritor realizou à Índia. A tradução da Globo Livros é de
Cristina Cupertino e o livro foi prefaciado por Sandra Guardini T. Vasconcelos.
3. Um
quarto com vista. Escrito em 1903 e publicado cinco anos depois, este é o
terceiro romance de E. M. Forster. Parte da ação se passa na Itália, onde o autor
esteve dois anos antes da concepção de um livro que se aproxima um pouco com o
romance citado anteriormente, isto é, tendo em consideração a relação entre o
escritor o lugar representado na ficção. A história aqui narrada é simples, mas
as consequências, imprevisíveis. Lucy Honeychurch, moça ingênua e recatada, representante
de uma aristocracia rural impura, pois filha de um advogado que construiu uma
casa no campo, irá realizar um casamento de interesse com Cecil Vyse, integrante
da aristocracia urbana londrina, que conheceu na Itália, numa viagem que mudará
radicalmente a concepção de mundo da jovem e de si mesma. A tradução brasileira
é de Marcelo Pen e conta com prefácio esclarecedor do escritor Luiz Ruffato.
4. Maurice.
Escrito entre 1912 e 1913, o livro só foi publicado um ano depois da morte de E.
M. Forster. Mas, em parte por isso e em parte pelo tema suscitado, ficou sendo
talvez o seu romance mais conhecido. Bom, mas o que chama atenção aqui não
especificamente sobre o tema, uma vez a homossexualidade já havia sido retratada
em tantos outros escritores, mas a perspectiva adotada pelo autor, essa, é sim
inesperada: ao invés de condenar suas personagens, que lidam ―
em parte ―
de maneira natural com a pulsão dos corpos, a narrativa prefere aposta na
possibilidade de uma eterna felicidade dos amantes. Trata-se de um romance que enfrenta
uma variedade de outras questões sociais e culturais na Inglaterra, desde religião,
a moral e a educação, sem esquecer de um tema recorrente na sua prosa romanesca
que é a diferença e os impasses das relações de classes. O romance foi também traduzido
por Marcelo Pen e conta com prefácio Ronald Polito.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Na seção
de vídeos em nossa página no Facebook acrescentamos um raro registro sobre E. M. Forster; são imagens realizadas em dezembro de 1958 pela BBC Londres nos seus
aposentos no King’s College. O escritor havia regressado a Cambridge, onde foi
estudante, cinco antes e aí viveu até os seus últimos dias de vida.
BAÚ DE
LETRAS
1. Por falar
em efemérides como o cinquentenário da morte de E. M. Forster, esta semana passaram-se,
dentre outros, os dezessete anos da morte do escritor chileno Roberto Bolaño. No blog, há uma variedade de textos, traduções
e resenhas sobre sua obra. Para esta ocasião recordamos dois dos mais recentes: aqui, uma leitura de Pedro Fernandes sobre O espírito da ficção científica; e,
do mesmo autor, sua leitura sobre A literatura nazista na América. Estes
dois romances de Bolaño foram publicados postumamente.
2. No mesmo
dia dos dezessete anos da morte de Roberto Bolaño é aniversário de Walter Benjamim:
aquele morreu a 15 de julho de 2003 e este nasceu a 15 de julho de 1892. E, uma das publicações mais lidas neste blog é uma que conta sobre a produção
literária do filósofo germânico. Na post o leitor ainda encontra acesso a um catálogo
com a tradução para o português de alguns dos seus sonetos.
3. Voltando a
E. M. Forster, recordamos três publicações no Letras: a tradução deste texto
que inscreve seu nome na galeria dos autores perfilados no blog; e a leitura de Pedro Fernandes sobre Maurice. Este romance foi, como muitos livros do
escritor inglês, adaptado para o cinema pelas mãos de James Ivory ― o
filme revelou o ator Hugh Grant, quem recebeu o prêmio de Melhor Ator no
Festival de Veneza de 1988; aqui, também podem encontrar texto sobre.
.........................
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
Comentários