Quincas Borba, de Machado de Assis

Por Pedro Fernandes


 
A obra romanesca de Machado de Assis constitui um desenho muito bem elaborado, ainda que não deixe de apresentar alguns defeitos; é sobre a quantidade, especificamente, que a afirmativa se refere. Dez é uma unidade perfeita e o pequeno mundo que se ergue desde a Ressurreição ao Memorial de Aires esquadrinha de maneira insuperável as múltiplas feições da alma humana. Desse conjunto, Quincas Borba talvez seja o que melhor consegue esse feito, uma vez que, apesar de situado ainda a três romances do fim desse circuito criativo, reúne alguns dos elementos essenciais das obsessões genuinamente machadianas, quais sejam, o amor incorrespondido ou irresoluto, os jogos de interesses de variada sorte, o assoreamento das relações pela interferência do dinheiro, a ambição desmedida, as compulsões, o ciúme, a inveja, a loucura. As tantas propensões desse romance respingam negativamente na regularidade do edifício ficcional — ainda que seja perfeitamente justificável, como se fosse essa uma atitude proposital, parte no seu desenvolvimento formal, visto que, entre o início e o desfecho da narrativa vamos da lucidez à loucura, da vida cômoda e abastada à miséria e degeneração.
 
Em Quincas Borba se demonstra um autor mais à vontade no exercício da ficcionalização assumido mais como um jogo, pela sua natureza inventiva e mesmo interessado em expandir as fronteiras de um universo no qual o seu principal objeto estava em órbita ainda que tateie na construção de um ponto de vista capaz de certa miríade descarnada do mundo e de perscrutar por dentro e por fora o movimento de suas criaturas. É um Machado que tateia se libertar do que fez com as Memórias póstumas de Brás Cubas — se publica em 1881, cinco antes da aparição do primeiro folhetim de Quincas na revista A Estação — com os recursos que tomados como seu no laboratório criativo. O que é curioso e nisso talvez esteja outra justificava sobre efeito da irregularidade do movimento ficcional é o longo tempo entre essa estreia e o desfecho das entregas: foram cinco anos, o que é muito quando pensamos numa publicação do gênero. E embora seja um romance robusto, composto por cinco núcleos narrativos, os acontecimentos são breves, estão submetidos ao tempo e as circunstâncias do protagonista da narrativa principal e outra vez não é um enredo que valorize a reviravolta, algo também, se não incomum, inusual para o folhetinesco.
 
Devido a explícita retomada de uma personagem, de um tema e mesmo de algum comentário livre sobre Memórias póstumas, logo fizeram de Quincas Borba um livro continuador do romance de 1881, ao ponto de merecer, já na sua segunda edição, saída em 1896, uma nota de esclarecimento em que Machado de Assis assim desmente: “Já na primeira edição se disse (capítulo IV) que o título do livro é o nome de um personagem que aparece nas Memórias póstumas de Brás Cubas. Se lestes os dois livros, sabeis que é o único vínculo entre eles, salvo a forma, e ainda assim a forma difere no sentido de ser aqui mais compacta a narração.” Espada contra moinhos de vento. A duologia não só se afirmou como se transformou numa trilogia, acrescentando-se aos dois livros também Dom Casmurro. O motivo? Meramente escolástico. Chamam de Trilogia Realista, um designativo que pouco ou nada esclarece sobre três romances que ora se filiam a uma tradição realista mas nunca pela adesão pura e simples, uma vez que os tais procedimentos da ficção do realismo são integralmente questionados pela modificação proposital, como se o escritor buscasse uma estética fora de quaisquer determinações exteriores porque integradas a uma consciência individual. Outro problema do designativo é o de colaborar visivelmente para certo ofuscamento sobre o restante da sua obra romanesca.
 
Ora, não se trata da ingenuidade de aceitar letra sobre papel o conteúdo do segundo prólogo. Em muitos casos sabemos que esse recurso se exerce como parte do interesse criativo em acrescentar outras camadas ao objeto literário, baldeando os limites de autoria ou o das verdades, a ficcional e a exterior a ela. Mas, até que se julgue o contrário, não é esse o caso em Quincas Borba; assinado pelo autor do livro e não o da história que nele se conta, o pré-textual nada interfere no conteúdo narrativo: é preciso e direto, é um telegráfico registro que busca desfazer um mau-atribuído, que, visivelmente, parece incomodar o escritor. Trata-se de um texto com assunto, remetente e destinatários visíveis: Machado de Assis e os leitores de Memórias póstumas e Quincas Borba que viram nos dois romances uma continuidade.
 
Na terceira edição, o escritor volta indiretamente à questão ao recuperar o interesse de um amigo que viu no Quincas Borba a possibilidade de uma trilogia — “a Sofia de Quincas Borba ocupará exclusivamente a terceira parte”, registra o escritor, que, assim responde: “A Sofia está aqui toda. Continuá-la seria repeti-la, e acaso repetir o mesmo seria pecado.” É notável que parece prevalecer no texto de 1899 certa admissão velada da ideia de duologia se lemos certa sua resposta à sugestão do amigo: nota-se que o Bruxo do Cosme Velho se desfaz da ideia de continuidade de Quincas Borba e deixa intocada o eventual tratamento em relação às Memórias. E isso estaria firme não fosse a sentença que emenda logo depois do que antes destacamos: “Creio que foi assim [um repetidor do mesmo] que me tacharam este e alguns outros dos livros que vim compondo pelo tempo fora no silêncio da minha vida.” Talvez se justifique a resistência ao continuísmo no prefácio de 1896, talvez se reitere a cisão entre os dois romances lidos como uma duologia. Isto é, se o primeiro prólogo é claro, o segundo é ensaboado. A bem-visto, pode-se ler que não voltou especificamente ao assunto porque o primeiro prólogo já dissera o necessário.
 
De toda maneira, se demonstra nesses textos um homem cioso do seu ofício e desinteressado da função de criar desafeto pessoal publicamente ou ainda de impor um ponto de vista exclusivamente seu. Ao particular, Machado responde sempre com a obra — talvez a melhor maneira de sempre para um escritor. É sempre desagradável o escritor tomado de convicções sobre sua própria obra. Mesmo no caso do texto acrescentado à segunda e à terceira edições do romance não é disso que se trata, mas, repetimos, de um indicativo para o desfazimento de uma atribuição que, de fato, apenas confirma pela recomposição de uma figura e de um tema aparecido noutra obra.
 
Essas reaparições nunca são suficientes para dizer de uma continuidade. Para isso se pressupõe um desenvolvimento independente de lugar temporal que se preocupa em esclarecer circunstâncias, situações, vidas de uma ou das personagens. O romance de 1891 parece se valer do empréstimo de uma figura e de uma ideia mas o que disso se oferece é outra coisa. A eternidade formulada por Quincas num dos seus acessos de grandeza dura nada; o alcançamos às portas da morte e o que seria a figura da narrativa principal é transmutada em cachorro ou no espírito que assombra toda a narrativa ao ponto de reaparacer na figura de Rubião em mesma condição do homem que parasitou nos últimos anos de vida tomado de interesse que estava na sua herança.



Há algumas lições de humanitismo transmitidas muito esparsamente logo à abertura do romance que recordam os princípios dessa filosofia passados a Brás Cubas e agora ouvidos pelo interesseiro professor que transforma o objetivo de se fazer proprietário universal dos bens do filósofo de Barbacena em sua obsessão particular, há a carta redigida por Cubas sobre a morte de Borba, há mesmo o retorno circular da própria condição que se implica no herdeiro, como observamos. Mas não restam continuísmos, nem repetições — para usar o termo do qual Machado de Assis parece se ressentir. A narrativa, aliás, é em curso deseducador dos tais pressupostos do humanitismo: uma espécie de narrativa de exemplo, narrativa fabular de negativa das teorias de Quincas Borba, estas que só fazem ordem e sentido na cabeça ou louca ou desviada pelos reducionismos do positivismo e do evolucionismo vigentes; internalizadas as colunas da filosofia, estas aparentam participar como sustentação do narrado, sintetizado, claro está, na singular sentença “Ao vencedor as batatas!” Quer dizer, mesmo o que poderia ser o desenvolvimento de um tema não prevalece porque se modifica em motivo. O tema é a informação dada, o motivo é o substrato da narrativa.
 
Poderíamos, por fim, encontrar em Rubião a continuidade de Quincas Borba. Se este se parece com aquele pelos surtos de grandiosidade — Borba se descobre encarnação de Santo Agostinho e Rubião de Napoleão —, se este bem poderia servir de personagem de um apólogo do outro, as condições de cada um são bem singulares. Um sucumbe às diatribes da própria consciência; o outro a essas, mas ainda a uma ordem social incompatível com sua origem ou mesmo sua condição individual. No interior das ambições que os sustentam, a raiz das suas obsessões é diferente: o filósofo é consumido por uma ideia fixa, o professor por uma fixação. Isso significa que mesmo a mania de grandeza que os irmanariam resulta insuficiente para continuísmos; Borba e Rubião são feitos do mesmo lodo que nos fazem seus semelhantes — não há ninguém alheio à mania, nem destituído de uma obsessão. As duas coisas, portanto, não os diferenciam e nem os indiferenciam, os fazem universais. Uma continuidade seria o discípulo viver à maneira do seu mestre, mas Rubião é tão péssimo aluno como Quincas é seu professor e se se confirma como peça do humanitismo é puro acaso; a própria doutrina do pensador de Barbacena se organiza em torno de um princípio que simplesmente corrobora sem questionamento com certo fatalismo habitual.
 
Entre outros chavões utilizados sobre Quincas Borba está o da caracterização do protagonista como homem ingênuo e por isso um vitimado pela nova ordem social para a qual é catapultado ou mesmo um ambicioso quando decide substituir a vida produtiva pela de parasita na relação assumida com o humanitista. Talvez seja melhor duvidar dessas definições cerradas. No episódio que inaugura sua condena, o do encontro com o casal Palha no trem entre Vassouras e o Rio de Janeiro, o novo rico se confessa muito abertamente com o recém-conhecido Cristiano sobre o alargado limite das suas fronteiras financeiras e como conseguiu esse feito, mas não esqueçamos a gramatura do olhar entre o entusiasmado confessor e a bela Sofia, tornada desde esse momento na mina de ouro de Rubião. Mesmo casada, o ex-professor primário, suspeita que a extensão da sua riqueza se configure na pedra fundamental para ganhar de Sofia seu interesse. A descoberta dessa mulher acentua que a qualidade de Rubião não é a ambição e sim a inveja. De Cristiano, ele almeja o que lhe parece a sorte maior, ser casado com Sofia, da mesma maneira que invejava e pode ter a riqueza de Borba.
 
Agora, o destino dessa personagem está longe de ser qualquer coisa de uma punitiva resposta do destino — também perece da mesma condição que alguma vez terá se julgado inatingível, a loucura. Rubião será tragado, isso sim, pela mesma força que agora o julga capaz de tudo. Enquanto joga suas teias, o outro que o alerta para a desonestidade recorrente no meio social, arma uma complexa armadilha que arrastará o novo rico para uma condição pior que a de quando era um simples professor em Barbacena. Rubião não é um ingênuo, é apenas um deseducado nas novas leis de domínio nas relações sociais: não é o capitalista que o amigo por interesse é. Cristiano é, sim, o homem de ambição, treinado para o mercado de capitais; capaz de farejar oportunidade, fazer seu quinhão ao custo do manejo dos interesses e da especulação financeira. Ao novo rico, não sobra quaisquer consciências da rentabilidade — para ele o dinheiro é uma botija inesgotável, capaz de se multiplicar por conta própria, mesmo que seu dono exproprie à banca rota. Rubião, repetimos, não é um capitalista. Não tem o apego da acumulação. Eis sua incompatibilidade com o novo meio, este que sempre se percebe, por mais esforço que faça, um mau-intruso. Essa personagem é a última na extensa lista de herdeiros universais, os que ascendiam socialmente por obra do acaso ou por assumir casamentos com dotes a perder de vista, modelo dominante em toda uma tradição do romance romântico, também problematizado por Machado de Assis, como sabemos. (Problematizado porque é questionável sua chamada fase romântica). A riqueza de Quincas Borba é exatamente a de oferecer uma leitura extremamente original ainda no alvorecer de um modelo social sobre sua falibilidade, esta que, desde então, sabemos bem, se transformou no pior dos nossos monstros.
 
Outra coisa que falta a Rubião é a posse de uma coisa que sempre custou às relações sociais no Brasil e é parte do nosso vício de classe: antes do capital e mesmo de qualquer aparelho intelectual, é essencial que o fulano ocupe o lugar do bem-nascido. Em alguns casos, a fortuna é mesmo dispensável se o sujeito carrega consigo o nome que lhe abre as portas. Não esqueçamos a lição de medalhão indiretamente oferecida nas Memórias póstumas; a primeira preocupação dos antepassados de Brás é a de forjar um passado capaz de acrescentar valia ao sobrenome Cubas, que o afaste da especulação de ser esta a herança de um tanoeiro. Incapaz de compreender o funcionamento da administração financeira e desamparado da artimanha do bom-nome, o novo rico funciona apenas como uma peça fisiológica nas relações capitais, está sempre à mercê dos interesses de exploradores e expropriadores. É notável que na sociedade estabelecida com Cristiano Palha, por exemplo, seu nome resulte escondido numa simples & Cia., ainda que todo o capital posto em circulação, bem sabemos, é seu e não o do rentista. Ou ainda, como se percebe constrangido (excesso de orgulho, logo sabemos) com o largo texto dedicado pelo Camacho que se derrama em adjetivos pela atitude heroica de Rubião ao salvar uma criança das rodas de caleche.
 
Rubião talvez seja ainda o último dos românticos. E por isso também nenhum ingênuo. O romântico é naturalmente um interesseiro. Age por saber que obterá retorno esperado. O mineiro lança-se cegamente na empreitada capital com Cristiano por interesse em Sofia, circunstância que apenas confirma o estratagema da dissimulação, ainda que estejamos diante de um péssimo dissimulador; essa é uma característica reservada às mulheres machadianas e invejada pelos homens. (Só um parêntesis para justificar essa observação. Relembremos a passagem de quando Rubião se declara para Sofia; o quadro é pateticamente pintado com as cores do romantismo. Estão os dois retirados numa parte reservada do jardim dos Palha e depois de um diálogo diante da lua e da noite, ele se reclina, forçadamente, para beijar a mão da amada no mesmo instante que é interrompido pela chegada do major Siqueira — certa reencenação do episódio da moita, de Memórias póstumas de Brás Cubas, e claro, o desfazimento do quadro. Em modo de disfarce, Sofia mete pela conversa agora a três um tal padre Mendes tão naturalmente que desconcerta o amante imaginário, incapaz de se fazer acompanhar o fio do enredo desenrolado por ela).
 
Voltemos ao traço romântico de Rubião. Embora reúna as condições financeiras melhores que a de Cristiano, a princípio, ou seja, se perceba que não é dos que pertencem, na sociedade dos interesses, a uma posição de inferior em relação a amada, assim se descobre quando envolve-se seguidamente com a frieza marmórea de Sofia. Desocupado da necessidade do trabalho e sem qualquer ideologia a ultimá-lo — ainda que um certo Camacho, predador selvagem se comparado aos Palha, incite-o para a política enquanto se beneficia da mão aberta do amigo para a empreitada de um jornal sem grandes retornos — sobra ao novo burguês projetar suas especulações em torno do amor impossível. Transformada a figura de adoração em objeto, não se satisfaz que exista em Sofia algum rasto de fidelidade amorosa; percebe-se um seu proprietário e projeta que ela é adúltera com o homem indevido, mais jovem, mais bonito e fogoso. O imbróglio do amor gorado pode servir mesmo de chave de leitura para o tresloucado ciúme de Bento por Capitu, em Dom Casmurro: eis um dos temas que aponta suas feições aqui e é tornado matéria mais adiante. A consciência tomada pelas suas próprias imaginações chega ao ponto de modificar a realidade em seu favor. Dessas infiltrações, instaura-se a loucura, o destino não antevisto por Rubião mas latente desde quando se descobre capaz de qualquer negócio para segurar a herança de Quincas Borba, mesmo fazer de um animal pelo qual não desenvolve qualquer interesse em peça de seu convívio.
 
A loucura de Rubião alcança uma variedade de sentidos no interior do romance e o mais marcante deriva da sátira sobre os valores do amor romântico. A assim confirmação das bases do humanitismo é feita de nenhum acaso se lembrarmos que o fim do herói sentimental nasce com seu desmesurado interesse não correspondido. Se admitirmos Quincas Borba como um romance sobre a incipiente sociedade calcada no capital especulativo, que o humanitas é uma sátira do positivismo, não deixaremos de expandir o fatalismo romântico para os limites de uma crítica sobre as obsessões do novo modelo social em formação. A estruturação da consciência perturbada de Rubião, seu ataque de grandeza, tem algo da nossa tentativa de reproduzir nos trópicos os afrancesamentos que deram o tom dessa segunda modernidade, chamemos assim, que se abria na corte entre sua crise e a instauração da primeira república.
 
Bom, isso é notável noutra situação desse romance que reafirma o percurso do seu protagonista mas por uma perspectiva do vencedor: nascida e criada no interior, Maria Benedita, uma moça que se envergonha do nome de velha, é convencida por Sofia juntamente com a mãe a tocar piano, valsar e falar francês. Esses são valores exclusivamente da Corte, o mínimo de uma educação de sala para repetir o próprio romance. Essas qualidades contribuirão para o casamento bem-arranjado com o jovem Carlos Maria e apesar de femininas não aparecem restritas a elas; capitalista à maneira de Cristiano, o marido de Benedita é versado nessas artes de salão. Para nenhuma delas, Rubião se vê educado, ainda que conserve por insistência do Palha uma cozinha francesa e nada da mineira, criados estrangeiros e não negros de mando. Mais tarde, todos os seus arroubos parecem se fazer da impossibilidade beneditina e da lenta expansividade do molde começado pela cozinha: leitor assíduo dos jornais franceses, serve-se do que apanha na elucubração de um imperador importado da França, nada menos que Napoleão III. É claro que isso nada tem de certo nacionalismo barato que aparecerá, por exemplo, num Lima Barreto; Machado apenas vê as pequenas manias, como essas se inflamam individualmente e logo começam carcomer o funcionamento da coletividade. Sua crítica não visa impor uma mazela por outra.
 
O romance, portanto, mesmo tomando de empréstimo as ideias do humanitismo de Quincas Borba não se faz sua tese — reiteramos. O romancista configura-as em procedimento criativo, mas não as retém como ponto de chegada; este se faz ora pela demonstração de sua contradição, afinal a vida de Cristiano, para citar um paradigma com a de Rubião, galga novo patamar (Sofia abre seu próprio salão) enquanto degringola a do ex-professor herdeiro (regressado ao ponto de origem pior que quando era um simples professor primário). Noutro caso, é o indivíduo aferrado aos seus próprios princípios, como D. Tonica, moça velha que desiludida de casamento usufrui apenas de algumas lufadas do seu sonho para imediatamente depois perdê-lo às portas da igreja. Todas as existências de Quincas Borba transitam entre a realização e a má-sorte, mas, como as nossas, suas determinações não estão aos cuidados de um invisível acaso, mesmo porque, muitas vezes este é um produto de escolhas individuais. Isso não nos salva, tampouco nos consola. Entretanto, é o que temos. E entre um limite e outro, entre a natureza e nossas decisões, pululam as contradições que fazem a vida ser uma mesma situação com um número infinito de possibilidades. E são estas que constituem a matéria do romancista. Os determinismos são ocos e só funcionam pela estupidez: Brás Cubas Quincas Borba, Rubião. As leis de funcionamentos dos estamentos social e humano são quantas forem os possíveis da vida.
 

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