Livros autografados por seus autores: histórias e dedicatórias

Por Cristian Vázquez


Foto: Pascal Biomez


 
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Uma dedicatória escrita pelo próprio autor torna um livro um objeto único. A assinatura confere ao exemplar uma espécie de aura que, por definição, lhe falta. Isso o distingue das centenas ou milhares de volumes semelhantes que saíram junto com ele da gráfica. Transforma-o em um item de colecionador, um objeto de desejo, um tesouro. O mercado sabe disso: livros autografados pelo autor são mais caros. Às vezes, verdadeiras fortunas são pagas por eles.
 
Mas essas fortunas são pagas, é claro, quando se trata de obras de escritores altamente reconhecidos. Em outros casos, o impacto de uma assinatura ou dedicatória de um autor no valor do livro pode ser quase imperceptível. Há alguns anos, adquiri um exemplar do romance La máquina de escribir [trad. livre, A máquina de datilografia] com dedicatória de seu autor, Juan Martini, em um sebo de Buenos Aires, pelo equivalente a cerca de US$ 4. Teria sido muito mais barato sem a assinatura? Na capa, o volume trazia — e ainda tem — um adesivo que diz: “Exemplar autografado”. O que significa que algum livreiro se deu ao trabalho de imprimir adesivos com esse slogan. Se todos foram usados ​​para vendas como essa, não pareceu ser um apelo publicitário muito relevante.
 
A caligrafia de Martini invejaria a qualquer estudante de medicina, mas parece que diz claramente seu sobrenome e abaixo acrescenta: “Bs As, X 96”. Como a impressão do livro foi concluída em agosto do mesmo ano, 1996, podemos confirmar que o exemplar foi assinado quase que imediatamente após sair do forno. Quem sabe em que contexto e para quem Martini assinou, que com o tempo se tornou um autor injustamente esquecido. Ele morreu no final de abril de 2019, aos 75 anos. Talvez em algum momento alguém o “redescubra” e sua obra seja revalorizada, e este exemplar autografado que carrego comigo também será uma joia para o mercado, e não apenas para mim.
 
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Geralmente, os leitores “comuns” valorizam muito todos os livros autografados que possuem, visto que os recebem de duas maneiras: ou os compraram já autografados (como eu fiz com o livro do Martini) e a presença da assinatura os faz valorizá-los de uma maneira especial, ou os levaram ao autor para obter a dedicatória. Mas isso muda quando alguém se torna um leitor “prestigiado”: começa a receber livros dedicados, mas indesejados, de escritores que desejam ser lidos e recomendados aqui e ali. Às vezes isso dá origem a histórias curiosas.
 
Uma das mais famosas foi contada pelo escritor argentino Juan Filloy. Pouco depois da publicação, em edição de autor, de seu romance ¡Estafen!, de 1932, ele enviou um exemplar a Borges. “Dediquei-lhe, como era costume naquela época: ‘Com carinho, Juan Filloy’”, explicou em entrevista. Algum tempo depois, em um sebo, ele encontrou um exemplar do mesmo romance. “Achei muito estranho”, explicou ele, “porque eu costumava fazer edições apenas para amigos. Quando abri, fiquei surpreso ao ver a dedicatória. Era o livro que eu tinha dado de presente para Borges!”
 
Qualquer um em tal situação poderia ficar além de embaraçado, amargurado, desapontado… O que Filloy fez? “Comprei o livro, voltei para casa e o enviei novamente como presente. Abaixo da primeira dedicatória, escrevi outra: ‘Com renovado carinho, Juan Filloy.’”
 
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Não faz muito tempo ouvi uma história parecida. O escritor A escreve ao leitor B para oferecer-lhe o envio de seu romance mais recente. Há algum tempo, o escritor A já enviara um de seus romances anteriores para o leitor B. Ele não sabe se o leitor o leu ou não, mas não se importa: quer enviar seu romance mais recente de qualquer maneira. O leitor B responde que ficaria feliz em recebê-lo e pede para que envie ao endereço na rua C.
 
Antes de enviar a remessa, o escritor A procura seu romance anterior em um site de vendas de livros usados. Para sua surpresa, descobre que um exemplar está sendo vendido por um valor mais alto porque foi dedicado pelo autor — ou seja, nosso escritor A — ao leitor B. Onde fica a livraria? Na mesma rua C, não muito longe do endereço indicado pelo nosso leitor B.
 
Qualquer pessoa em tal situação poderia ficar embaraçada, amargurada, despontada... ou pelo menos voltar atrás na decisão de enviar o novo romance. O que o nosso escritor A faz? Nada. Ou melhor: eu não tinha feito nada até o momento em que me contaram a história. Mas algo precisava ser feito. Espero que ele tenha aceitado isso com a compostura e a graça do bom e velho Filloy.
 
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Para alguns autores, adicionar uma dedicatória a um de seus livros pode não ser fácil. Principalmente quando um amigo ou alguém de sua confiança pede uma mensagem “personalizada”, “não aquela que você escreve para todo mundo”. Além disso, muitas vezes ele tem que fazer isso imediatamente, sem tempo para pensar, forçado a fazer o que nunca faz: escrever em público. O pânico da página em branco também pode ocorrer nessas circunstâncias.
 
E também, qual página assinar? A primeira, a página em branco chamada cortesia? A seguinte, que geralmente inclui apenas o título do livro? Alguém me explicou que entre os ingleses há uma tradição de não assinar nenhuma dessas duas, mas sim a que vem depois, na qual costumam aparecer o título do livro, o nome do autor e da editora. Também me disseram que os autores riscam os próprios nomes com uma caneta. Não tenho, nem me lembro de ter visto, nenhum livro dedicado por um autor inglês. Talvez algum leitor deste artigo possa corroborar esta versão. O fato é que qualquer página do livro poderia ser assinada. Por que pensar que você sempre tem que assinar no começo? Talvez haja algum autor excêntrico que sempre escreve suas dedicatórias nas margens da página 39.
 
Há, ainda, dedicatórias enigmáticas. “Cristian: en la tranquera” foi tudo o que Alejandro Dolina me escreveu — além de sua assinatura — em um livro dele há mais de duas décadas. Passei anos tentando entender o que ele queria dizer, até que me resignei a pensar que era algum tipo de saudação. Agora me ocorre que poderia ser outra coisa. Por exemplo, um trecho de um texto mais longo, um texto que só faria sentido se fosse reunido com os outros fragmentos, escritos naquele mesmo dia, na mesma apresentação. É improvável, mas não impossível. Artistas são inescrutáveis.
 
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Minha biblioteca tem alguns exemplares dedicados pelos seus autores. Não muitos. A maioria delas, de amigos e conhecidos. Durante anos, estive convencido de que pedir aos autores que autografassem seus livros era um sinal de frivolidade, de bajulação. Foi um pecado: por causa dele, perdi a oportunidade de ter livros autografados por autores que admiro, a quem eu poderia ter pedido, muitos dos quais não poderei mais pedir porque já faleceram. Eu sei que é um detalhe menor, uma trivialidade, uma questão de fetichismo. Mas nós, leitores que amamos livros de papel e consideramos nossa biblioteca uma parte fundamental de nossas vidas, não somos fetichistas?
 
É por isso que, já há algum tempo, adotei uma atitude que também recomendo aos outros: na dúvida, corra o risco de ser visto como um bajulador do que perder uma boa dedicatória. Uma pequena nota escrita à mão que transforma o livro em um item de colecionador, um objeto de desejo, um tesouro que não tem nada a ver com dinheiro. Como a que um amigo escritor me escreveu há alguns dias: “Para Cristian, com quem vivi inesquecíveis aventuras românticas intelectuais (Sarlo e Altamirano em Las Violetas!).” Aliás, tínhamos acabado de ver Beatriz Sarlo e Carlos Altamirano tomando café na tradicional confeitaria Las Violetas, em Buenos Aires. Uma nota manuscrita que é quase uma página de um diário compartilhado e, ao mesmo tempo, uma prova de afeto que nunca precisará ser renovada. * Este texto é a tradução livre de “Libros autografados por sus autores: historias y dedicatorias”, publicado aqui, em Letras Libres.

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