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Mostrando postagens de outubro, 2009

Levantado do Chão, de José Saramago

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Por Pedro Fernandes Sobre Levantado do Chão , disse, certa vez, José Saramago: "Um escritor é um homem como os outros: sonha. E o meu sonho foi o de poder dizer deste livro, quando terminasse: 'Isto é o Alentejo'. Dos sonhos, porém, acordamos todos, e agora eis-me não diante do sonho realizado, mas da concreta e possível forma do sonho. Por isso me limitei a escrever: 'Isto é um livro sobre o Alentejo'. Um livro, um simples romance, gente, conflitos, alguns amores, muitos sacrifícios e grandes fomes, as vitórias e os desastres, a aprendizagem da transformação, e mortes. É portanto um livro que quis aproximar-se da vida, e essa seria a sua mais merecida explicação. Leva como título e nome, para procurar e ser procurado, estas palavras sem nenhuma glória - Levantado do Chão . Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores, levantam-se os homens e as suas esperanças. Também do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor bra

Paul Bowles

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“Quase todas as noites soam os tambores. Nunca me acordam; os ouço e os incorporo ao meu sonho como as chamadas noturnas dos almuadens. Mesmo quando no sonho esteja em Nova York, o primeiro Allah akbari borra a tela de fundo para me levar ao que seja a África do Norte, e o sonho segue...”. Viajante permanente, anfitrião em Tânger de William Bourroughs e Jack Kerouac, personagem esquiva e mítica da geração beat, o escritor e compositor Paul Bowles soube encarnar como ninguém o “sonho do Tânger”. Nascido em Nova York em 1910, Bowles viajou ao Marrocos, quando tinha só 21 anos, aconselhado pela escritora estadunidense Gertrude Stein para catalogar as diferentes expressões musicais do país. Como também acontecera a Lawrence Durrell com a cidade de Alexandria, não tardou em cair cativo do obscuro magnetismo do norte da África. “Enquanto o turista geralmente volta depressa para casa ao fim de algumas semanas ou meses, o viajante, que não pertence a um lugar mais do que a outro, se

Neocristianismo

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Por Pedro Fernandes Não faz muito tempo que têm as religiões, cito as mais conhecidas, a dos católicos e dos evangélicos, tomado certo rumo que me espanta. Enquanto eu e muitos outros acreditávamos numa falência dos credos em detrimento da expansão de outro mal, o capitalismo, o que tem acontecido é que tais religiões têm é se expandido. Refizeram seus discursos (entre aspas, porque ainda dizem o meso de sempre, só que agora numa via mais pop, entretanto, não menos ludibriante) e se alastraram feito rastilho de pólvora, infestando todas as vias, as concretas e as imaginarias. De início o Rádio e a TV, agora a Internet, a cada esquina há de ter alguém se  esgoelando , comprando almas, fazendo leiloes de salvação, pactuando com pombas divinas, encomendando-se a Deus a ao Diabo se aquele demora com a satisfação. São showmissas, showcultos, milagres, curas e curas, banzeis a torto e a direito, virtuais. Ainda mais recente, depois da grande debanda de fieis do catolicismo para

Pulp Fiction - Tempo de Violência, de Quentin Tarantino

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O liquidificar Tarantino mistura influências e humor negro para compor obra que gerou várias imitações Grande sensação da indústria norte-americana do fim do século 20, Quentin Tarantino sempre chamou mais atenção pelo que representa do que pelo que é. Afinal, não se trata de nenhum gênio, e a idéia é exatamente essa. Ele é apenas um ex-atendente de videolocadora que resolveu fazer filmes, sem qualquer preparo técnico ou passagem por universidades de cinema, mas com muita paixão e um conhecimento enciclopédico de dados e informações sobre os clássicos do passado. Pegue esse background e jogue em um liquidificador com algumas de suas fixações pessoais e processe: quadrinhos, videogames, seriados de televisão, filmes obscuros de ação e orientais de kung-fu, westerns, revistas baratas de histórias policiais e referências à cultura pop. Graças a esse espírito diletante e à variedade de influências, Tarantino conseguiu a façanha de produzir uma das obras mais cultuadas e influentes

Paulo Mendes Campos

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Paulo Mendes Campos. Foto: Instituto Moreira Salles Paulo Mendes Campos nasceu em 28 de fevereiro de 1922, ano mítico para a cultura brasileira — acontecia aí a Semana de Arte Moderna em São Paulo que o antecedeu por exatos dez dias. Seus ecos não demorariam a chegar à Belo Horizonte do futuro autor, como sabem os leitores de O desatino da rapaziada , de Humberto Werneck e Cenas de um modernismo de província , de Ivan Marques.  Mas o ano de nascença do mineiro foi do balacobaco também em inglês (apareceram Ulysses , de Joyce, e The Waste Land , de T.S. Eliot) e francês (Proust colocou o asmático ponto final em seu Em busca do tempo perdido ) — línguas e literaturas com as quais o escritor se fez íntimo ao longo do tempo. Criado com nove irmãos em ambiente familiar de poliglotas e anglófonos, foi a mãe quem lhe despertou o gosto pela poesia. Em 1937, conheceu o adolescente de mesma idade Otto Lara Resende, em São João del-Rey, que seria seu amigo de toda a vida. No a

Gertrude Stein: o dever de se parecer a um retrato

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Por Manuel Vicent Gertrude Stein e sua irmã eram ainda crianças quando iam num trem da Pensilvânia para a Califórnia e durante o trajeto vislumbravam o que se passava pela janela. Numa dessas ocasiões aconteceu um contratempo e seu pai puxou repetidamente a sineta de alarme até conseguir que o comboio parasse. Os passageiros acreditavam que havia acontecido algo muito grave. Mas, tudo o que havia acontecido era que de uma de suas filhas havia voado o chapéu. O homem desceu e depois de caminhar meia milha o encontrou preso num campo de girassóis. A menina recuperou o chapéu, prendeu-o na cabeça e então o trem recomeçou seu trajeto. Acontecimentos como estes fizeram com que a autoestima de Gertrude Stein tivesse uma base muito sólida desde sua pequena infância. Haveria de se perguntar se alguém escreveria sobre a vida desta mulher se não tivesse ela própria sido imortalizada por Pablo Picasso num retrato que se tornou famoso onde aparece de rosto afilado, pré-cu

Literatura e utilidade

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Por Pedro Fernandes "Assim o há de fazer, e faz, quem aspira a alcançar a nomeada de prudente e sofrido, imitando Ulisses, em cuja pessoa e trabalho nos pinta Homero um retrato vivo de prudência e sofrimento, como também nos mostra Virgílio na pessoa de Enéias o valor de um filho piedoso e a sagacidade de um valente e entendido capitão, não pintando-os ou descrevendo-os como eles foram, mas sim como deviam ser, para deixar exemplos de suas vidas aos homens da posteridade". Miguel de Cervantes, O engenhoso fidalgo D. Quixote de la Mancha Poderia retomar como epígrafe a este texto a fala do poeta Paulo Leminski em "Inutensílio"; poderia escrever esse início recompondo o parágrafo de desfecho do artigo "Literatura e Necessidade"; entretanto, achei por bem nem dessa forma começar, tampouco repetir Leminski. Epigrafo com esse excerto do clássico universal de Cervantes: uma fala do D. Quixote ao seu escudeiro Sancho Pança, quando o "Cavaleiro da

Os desenhos de John Lennon ou de como se tornar um grande editor

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Jonh Lennon com a edição de In his write , livro em que primeiro se publicou os desenhos do músico. Em 1963, o jornalista estadunidense Michael Braun recebeu a tarefa de escrever um livro sobre a cena pop daqueles anos. Poucos meses depois, o ponta dava de caras com um tesouro inesperado: uma montanha de material original de John Lennon – desenhos rabiscados em guardanapos, cartas manuscritas, ilustrações de todo tipo. O chefe de Braun, um editor chamado Tom Maschler viu no material um livro e reuniu-se com o líder dos Beatles para propor-lhe a ideia: dez mil libras pelo material. Toda essa história está na introdução do catálogo da Casa de Leilão Sotheby’s, que realiza em Nova York um leilão com todo esse material adquirido então; este é a maior venda já feita de material original de Lennon. Isto significa dizer que, na época, o músico aceitou a oferta. O editor poucos meses depois, em 23 de março de 1964, colocava nas livrarias In his own write , um livro que reprod

Asas do Desejo, de Wim Wenders

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Cena de Asas do desejo . O mundo desencantado da imortalidade foi filmado em preto-e-branco. Fábula poética sobre anjos coloca a imortalidade em xeque, em favor dos sentimentos humanos Dos três grandes diretores do chamado "novo cinema alemão" da década de 1970 - os outros são Werner Herzog e Rainer Werner Fassbinder - Wim Wenders foi o que atingiu maior popularidade, até por ter tido a chance de trabalhar em Hollywood. Depois de conquistar os cinéfilos com títulos como Alice nas Cidades (1974) e O Amigo Americano (1977), Wenders foi  para os Estados Unidos no início da década de 1980, onde enfrentou sérias dificuldades para rodar Hammett (1982). Em seguida, tornou-se mais conhecido do grande público com o memorável Paris, Texas (1984). De volta ao país nata, gestou sua segunda obra-prima, Asas do Desejo , pelo qual ganhou o prêmio de Melhor Diretor em Cannes ( Paris, Texas , levar a Palma de Ouro em 1984). O filme é protagonizado por dois anjos, Damiel (B

Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

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Por Pedro Fernandes Dom Quixote por Pablo Picasso (reprodução) Alguém já disse que o livro de Miguel de Cervantes é oferece pelo menos duas possibilidades de estudo: uma compreendê-lo como um fenômeno editorial e outra uma leitura sobre a vida da personagem principal. Mas, além dessas, é preciso sublinhar que, um texto multissecular como o é, oferece quase uma infinita quantidade de leituras possíveis. Não fosse isso e esta não era uma das obras mais importantes da humanidade; não fosse isso e esta não teria avançado pelas fronteiras cavilosas do tempo e, até então, resistido a elas, lembrando-nos sempre duas coisas: há possibilidades do eterno e toda obra que atende pelo epígono de grande obra deve ansiar ser tal como é o Dom Quixote . Mas, dentre as diversas possibilidades de leitura da obra publicada em duas partes e separada por algum tempo de diferença entre a primeira e segunda (uma de 1605 e a outra de 1615), marcaremos este texto pela demarcação assinalada entr

Hamlet, de William Shakespeare

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Por Denise Mota Wagner Moura interpreta Hamlet "Ser ou não ser, eis a questão". Com essa fala, parte do popular monólogo que conforma a primeira cena do terceiro ato de Hamlet , não só o angustiado príncipe dinamarquês como o maior escritor inglês de todos os tempos permaneceram gravados na memória de espectadores e leitores em todas as latitudes do planeta. A tragédia sobre a dúvida, a vingança e o engano, considerada por muitos a obra-prima de William Shakespeare, foi escrita pelo dramaturgo entre 1600 e 1602. A trama tem início nas muralhas do castelo real de Elsinore, quando Hamlet, visitado pelo fantasma do pai, morto recentemente, é convocado a vingar o assassinato do progenitor. O autor do crime, revela a visão, é nada menos que Cláudio, tio do rapaz, que havia subido ao trono depois de derramar veneno no ouvido do próprio irmão e contrair núpcias com Gertrude, mãe de Hamlet. Tomado pelo ódio, mas também consumido pela dúvida, o príncipe opta por

A poesia de Agatha Christie

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A jovem Agatha Christie, quando escreveu seus poemas. O que talvez poucos leitores de Agatha Christie saibam é que o interesse pela escrita de um romance policial nunca passaria, ao menos quando passou, pela cabeça da escritora não fosse o desafio proposto pela irmã numa conversa informal de que ela [Christie] não conseguiria escrever uma obra dessa natureza. Até então, Agatha tinha lido muita novela policial (as protagonizadas por Sherlock Holmes eram suas preferidas), mas o que havia escrito, além de um ou outro conto sem grande valia, tinha sido poesia. Sim, a Rainha do Crime aventurou-se pelo ofício do verso. Na sua autobiografia, escrita já quando os livros policiais caíam de moda, mas só publicada depois da sua morte, ela comenta: “Também eu escrevia poesia – talvez todo mundo a escreva, aos dezenove anos. Alguns dos meus primeiros poemas são incrivelmente ruins”, e recorda os versos de um que fez quando tinha só onze anos: “Conheci uma pequena primavera, e que

Dez filmes que ganharam o Prêmio Nobel

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A ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura deste ano, a alemã Herta Müller, não dispõe de uma obra lida pelo cinema (ainda), mas, sabedores de que vários outros escritores ganhadores da honraria tiveram o privilégio (ou o desgosto) de ter alguma ou grande parte de sua obra levada para as grandes telas, resolvemos listar dez títulos que consideramos essenciais, isto é, aqueles que só deram privilégio aos seus autores. Não é um ranking , nem é uma lista que busque esgotar o número de adaptações, capazes de preencher outras quantas listas, mas é um indicativo de que boas obras podem render boas leituras pela sétima arte.  1. As vinhas da ira (1940). De Jonh Ford. Nunnally Johnson escreveu e produziu esta maravilhosa adaptação do clássico de John Steinbeck sobre um ex-presidiário que decide ir à Califórnia com sua família. Uma adaptação exemplar de Ford que faz com que a época da Grande Depressão seja refletida como nunca antes, nem depois, foi refletida pelo cinema. O diretor, a

Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica

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A dura realidade da Itália do pós-Segunda Guerra vista sob a ótica de um menino e de seu pai Enquanto Roberto Rossellini é o grande mestre do neo-realismo italiano que surgiu em 1845, Vittorio de Sica é o pai de Ladrões de Bicicleta , que se tornou um marco do movimento e que, mesmo após tanto tempo, comove os mais diversos públicos. Uma das razões do sucesso está na mistura de neo-realismo com melodrama, em que a força dos atores ganha relevo na história e a trilha sonora conduz as emoções. No pós-guerra, sob a crise de desemprego, Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani) busca uma ocupação para conseguir sustentar sua família. O cenário é a Itália nos anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. A falta de emprego é generalizada, e a miséria faz os desempregados aceitarem qualquer biscate. Antonio consegue um trabalho, mas logo tem sua bicicleta roubada. Começará o calvário desse homem, que, acompanhado do seu pequeno filho, Bruno (Enzo Staiola), tentará resgatar o veículo. O

Herta Müller

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A escritora alemã Herta Müller, de origem romena, foi anunciada pela Academia Sueca como a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2009, numa homenagem a sua prosa impregnada de poesia; ela foi uma das principais vozes contra a ditadura de Nicolae Ceausescu, que acabou há exatamente 20 anos. Em um comunicado, a Academia afirma que Müller foi premiada porque com a "densidade da poesia e a franqueza da prosa retrata os cenários dos abandonados". Esta é uma daquelas vezes que a maior honraria que pode receber um escritor é dada pelo reconhecimento, é claro, mas também pela apresentação do nome; o observação leva em conta que, apesar de ter obra em circulação no Brasil, por exemplo, ainda é, com toda certeza, uma autora por ser conhecida. Nascida em 17 de agosto de 1953 na cidade de língua alemã de Nitzkydorf, perto de Timisoara, na Romênia, Müller emigrou em 1987 para a Alemanha Ocidental ao lado do marido, o escritor Richard Wagner, porque na Romênia não ti