O escritor que imitaria sem
hesitar, e que de alguma forma constituiria, em meu museu pessoal de mitos, um
ideal, uma fonte inesgotável de inspiração, poderia ser Honoré de Balzac.
Embora não o Balzac perseverante, obstinado, incansável e disciplinado que
escreveu (sob a pressão de dívidas, credores e editores) uma obra literária
profusa, e que, em muitas de suas páginas, conseguiu alcançar, com gênio
indiscutível, enorme versatilidade literária e uma grandiloquência mais realista
do que metafórica. Não. Minha inclinação é para outro Balzac, aquele que,
devido a um ansioso apetite, adquiriu uma adiposa constituição, aquele Balzac preocupado
em ser um dândi, e que, por causa disso, gastou fortunas em ternos chamativos
ou luxos extravagantes e desnecessários; aquele Balzac que ansiava acima de
tudo por sucesso financeiro, por ser um burguês menos imbecil e insuportável do
que o burguês retratado em seus romances ou na vida real, com quem sempre
conviveu à distância devido às suas origens plebeias.
O desejo de riqueza e sucesso de
Balzac era uma obsessão; como tal, ele se tornou uma força motriz da criação
literária, um empreendedor vital e perdulário que buscava acesso ao círculo
abastado dos salões parisienses. Era claramente um arrivista dividido entre o romantismo
e sua profissão de escritor. Seus casos amorosos com mulheres distintas,
bonitas, espirituosas e um pouco mais velhas eram trampolins na corrida
paranoica do escritor rumo ao topo da sociedade. A vida amorosa e intelectual
de Balzac, intensa e sempre à beira do sonho, era agitada e caótica. Sua obra,
escrita com altos e baixos e nas primeiras horas da manhã sob a influência de
muitas xícaras de café, constitui uma metáfora estética, um acerto de contas,
da sociedade de sua época.
As primeiras tentativas de
escrever foram extremamente complicadas. Ao saber das intenções do jovem Balzac
de se dedicar à escrita, sua família desaprovou essa desmedida insensatez. No
entanto, diante da impetuosidade do jovem, deram-lhe um prazo para demonstrar
suas aptidões para a literatura.
O jovem Balzac mudou-se para um
sótão em Paris e, apesar das privações habituais, dirigiu sua energia juvenil e
sonhadora para a escrita de peças. Pensava que o teatro era um meio fácil de fazer
um nome e, consequentemente, ganhar algum dinheiro. Estava equivocado; sua
primeira peça,
Cronwell (uma obra gigantesca com 500 páginas e em cinco
atos), acabou sendo um revés espetacular. Algumas resenhas da imprensa na época
afirmavam que o autor deveria dedicar seus esforços a outras atividades, menos
à literatura. Felizmente, Balzac ignorou as críticas negativas, tanto públicas
quanto pessoais, e, para não aborrecer ainda mais sua família, voltou para casa
e não estava desiludido nem se sentia um fracasso.
Numa segunda investida, ele
retomou a escrita, só que desta vez se inclinou para o romance. Naquela época,
o romance popular era aquele que contava histórias macabras e de horror, com
insinuações sexuais veladas que oscilavam entre o patológico e o esotérico.
Balzac, com aquele talento arrogante que sempre o caracterizou, escreveu várias
novelinhas nesse estilo. É claro que esses textos, publicados sob o pseudônimo
de Horace de Saint-Aubin, eram um tanto infames e estilisticamente desprovidos
de inspiração.
Além de escrever novelas medíocres
e ansiar apaixonadamente pelo sucesso, ele faz sua primeira conquista
romântica: Madame de Berny, a quem nosso escritor apaixonado chamará de “A dileta”,
uma mulher casada um tanto avançada em anos, que dará ao escritor iniciante a
confiança necessária para continuar sua busca por “entrar” em círculos sociais
prestigiosos.
Cansado de escrever romances
populares que não geravam a liquidez monetária esperada, Balzac (agora com 27
anos) adquire uma gráfica e inicia um negócio caótico de publicação de livros.
Seu desejo de enriquecer parece aumentar com a idade. Ele acredita firmemente
no que faz e, por isso, luta com tremenda determinação para se tornar um editor
de prestígio. Trabalha duro, mas fracassa, de novo: os livros vendem mal e,
como editor, não consegue cobrir as despesas da gráfica. A dívida com os
credores chega a aproximadamente sessenta mil francos.
Imperturbável, apesar das
restrições financeiras, Balzac continua a se concentrar na escrita. Trabalha
com uma dedicação incomum e conclui o que se torna seu primeiro romance,
Les
Chouans, que assinou com seu próprio nome. Esta primeira obra, que já
continha alguns elementos característicos do estilo intransigente de Balzac,
era uma crônica bélica com nuances românticas. A história se desenrola em torno
das revoltas na Bretanha e na Normandia durante os anos da Revolução Francesa.
O sucesso começou a se abater sobre o escritor impetuoso e cativante. E então
pôde conviver livremente com a nobreza e a burguesia nos salões parisienses.
Participar dos convívios nesses
salões, exige que se endivide com os alfaiates. Tudo o que ganha, ou pensa
ganhar, já é dívida. Veste-se com grande pompa: usa luvas amarelas, bengalas
com cabos de ouro e marfim e camisas de seda. Sua conversa loquaz e inteligente
rapidamente lhe confere admiração e faz com que seus convidados esqueçam seu
passado e estirpe bizarros e sua gordura deselegante. Se para esses abastados
frequentadores dos salões, Balzac parece um tipo peculiar, para ele eles
representam espécimes ideais para seus romances. Em vez de gastar tempo com
eles, o escritor os estuda; os memoriza e depois os insere em suas histórias com
virtuosismo e verossimilhança impecáveis e implacáveis. A vida social de Balzac
é intensa, fato que de forma alguma o impede de publicar novelas e contos com
relativa frequência para vários jornais da cidade. Escreve incansavelmente à
noite e, em 1813, renova seu inegável sucesso inegável com
A pele de onagro,
um romance curto em que o fantástico se entrelaça com uma série de reflexões
filosóficas. Este livro lhe traz algum dinheiro, que, como sabemos, ele já o
tinha em dívidas, e muitos novos leitores.
Sua vida amorosa também sofre
alguns altos e baixos. A “dileta” é substituída pela Duquesa de Abrantes, outra
dama um tanto entrada em anos, mas que o apresenta, pela porta de entrada, aos
salões mais importantes de uma Paris mortalmente frívola, onde o gosto de época
era extravagante e espalhafatoso. Essa capacidade para a conversação livresca,
combinada com seus trajes ostentosos e elaboradamente luxuosos, dos quais ainda
não pagou a primeira parcela, permite que Balzac navegue bem no mundo de uma
pessoa altamente respeitada com títulos dinásticos.
É em um desses salões luxuosos que
conhece a Condessa Eveline Hanska, que, com o passar dos anos, se tornará em uma
sua protetora fervorosa. Ele também teve casos amorosos com Sarah Frances
Lowell, Hane Disby e Lady Ellenbaroug. Destacamos essas primeiras tentativas
românticas do escritor para enfatizar sua clara compreensão de interesse pela
ascensão social. Mas, por mais vital e imparcial que fosse, guardava um amor
sincero por essas mulheres mais velhas. No final da vida de Balzac, a Condessa
Hanska concordou em se casar com ele por piedade. Ela sobreviveu a ele por
trinta e dois anos. Quitou as inúmeras dívidas que o escritor não conseguiria
pagar.
O comportamento amoral de Balzac é
plenamente justificado quando se considera que o homem era uma figura mediana,
um tipo pedestre e vulgar, e sua prosa era um pouco parecida com sua
personalidade, ou seja, carente de elegância, um tanto grosseira e com mais
imperfeições sintáticas e estilísticas do que se poderia imaginar. Sua falta de
refinamento e de sintaxe polida são evidentes em sua obra literária. No
entanto, tudo isso não impediu que sua fecundidade apaixonada e prolixa
expressasse com talento um bom número de ditos e aforismos que crescem em seus
romances como ervas daninhas. Balzac proclamava: “O protagonista da minha obra
é a sociedade francesa, e eu atuo apenas como seu secretário.”
Oscar Wilde disse: “A morte de
Lucien de Rubempré é o grande drama da minha vida” Rubempré é a imagem
oposta daquele carreirista incomparável e inescrupuloso, Eugène de Rastignac. A
chave para tudo isso foi maravilhosamente escrita por William Somerset Maugham:
“Balzac tinha uma notável preferência por Rastignac. Deu-lhe uma origem nobre,
boa aparência, charme e inteligência; e também o tornou intensamente atraente
para as mulheres. Seria fantasioso sugerir que em Rastignac ele tinha o homem
que daria tudo para ser, exceto sua fama? Balzac adorava o sucesso. Rastignac
pode ter sido um canalha, mas conseguiu conquistar uma posição para si. É
verdade que sua fortuna foi produto da ruína de outros, mas eles foram tolos
por se deixarem enganar por ele, e Balzac tinha grande consideração pelos tolos.
Lucien de Rubempré, outro aventureiro de Balzac, fracassou que era fraco”.
Rastignac era um pouco como
Balzac, ou pelo menos o personagem tinha muito de sua personalidade. Ser um
alpinista social e um bom escritor são coisas que nunca andam juntas, mas em
Balzac elas se complementavam com um estilo equilibrado. Muitos arrivistas
surgiram na literatura desde então, nenhum com a capacidade criativa de Balzac.
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