Arthur Azevedo, um centenário à sombra

Por Pedro Fernandes



Passaria despercebido se não fosse meu faro a estas coisas de literatura. Revirando a rede, me deparo com um texto do professor e pesquisador de Literatura Brasileira, Mauro Rosso, publicado num portal de literatura, que no título indagava: “Por que esquecer deste centenário?”. De início achei que se tratasse de mais um dos muitos artigos que têm sido publicados a galope nesse ano do centenário de Machado de Assis. Mas quando o li, para minha surpresa, não se tratava nada de Machado, mas de um escritor chamado Arthur Azevedo. Nessa hora fiz o que faço quando me coloco diante de um escritor desconhecido. Pesquisar sobre. Seja na rede, seja nos livros. O Arthur Azevedo não só para mim, mas para muitos, ainda permanece desconhecido. Não o encontrei com muita freqüência na rede. Tampouco nos livros de literatura. Mas aí está o desafio: acho que as leituras que fiz acerca dele desde o dia que o descobri me são suficientes para traçar algumas linhas, ainda que minguadas, sobre esse escritor. Uma missão árdua, porém, sem dúvidas, gratificante. Pôr às vistas um autor que, certamente, por vários aspectos, não está para o cânone, assim como está Machado. Um escritor que morreu à sombra do gênio da literatura, mas que não deixou de ser gênio. Este ano de centenários de gênios – estamos celebrando não apenas o da morte de Machado, mas também o de nascimento de Guimarães Rosa – resta-nos lembrar de mais um: o da morte de Arthur Azevedo, que, assim como Machado também morreu em 1908.

Jornalista, contista, cronista, poeta, tradutor, parodista, comediante, teatrólogo e crítico foram estas algumas das funções que este escritor fez durante toda vida, vivida a partir de 7 de julho de 1855, quando nasce em São Luiz, no Maranhão. Por essa enumeração livre de sua produção literária, encontro a resposta e a justificativa à pergunta que é colocada como título no artigo do professor Mauro Rosso; encontro também a maior das justificativas para o termo gênio que o colei abaixo de seu nome e ao lado da curta galeria que o citei – Machado e Rosa. E não é apenas pela quantidade, mas também pela qualidade, conforme atesta Rosso, que os textos de Arthur Azevedo são importantes ao compêndio da Literatura brasileira.

Cito dois textos do autor a que tive acesso: o fragmento “O Númbaro” e o conto “Plebiscito”. Do fragmento de “O Númbaro”, ou de “Plebiscito”, contos do autor depreendem-se um narrador fogoso na ironia e dono de um humor fino, que em muito se assemelha a tom da ironia e do humor machadiano. Nesse primeiro conto, por exemplo, o leitor depara-se com um narrador em primeira pessoa que, o tempo inteiro, deixa-se confundir com o próprio autor a desfiar a narrativa, sendo um narrador que, na posição de personagem principal trata de contar o conto: “- Se tem algum dos seus contos debaixo da língua, sente-se aqui ao meu lado, acompanhe-me até Botafogo, e impinja-m`o durante a viagem. [...] - A esse propósito, dona Henriqueta, contar- lhe-ei uma pequena história... - Ah, bom! sempre tinha um conto debaixo da língua... Como se intitula? - Pode intitular-se ‘o númbaro’.” Como se vê pelo título é da própria situação da língua e sua gramática que esse conto trata: o fim de um namoro que já resistira até traição, mas não resistiu quando a moça vira-se para o rapaz e diz: “- Veja agora se esquece do númbaro da porta.” Fato semelhante no conto seguinte, “Pebliscito”, em que a personagem, o Sr Rodrigues é intimado pelo filho pela pergunta “- Papai, o que é plebiscito?”. Vira e mexe, briga vai e vem, o que se assiste é um pai acuado que não se deixa abater e, depois, de uma longa espera – é, em duas palavras, disso que trata o conto inteiro – por um truque, o pai responde-lhe: “- Plebiscito é uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em comícios. [...] – Uma lei romana, percebem? E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estrangeirismo!...”

Os textos de Arthur Azevedo, assim como os da literatura de Machado de Assis, é uma “fotografia”, na acepção do termo, sem contaminá-lo para o entendimento de retrato documentarista, da sociedade carioca da época. O Rio, seja na sua contística, seja no seu teatro, seja nas suas crônicas apresenta-se como um leque que se abre a transformações porque passava em meados do século XIX. Foi para o Rio de Janeiro que o escritor foi morar em 1873, fazendo-se logo jornalista, cronista, poeta e teatrólogo – isso depois do grande êxito que obtém com sua primeira peça teatral, “Amor por anexins”, escrita precocemente, ainda quando tinha apenas 15 anos de idade. Como jornalista colaborou ao lado de Machado de Assis para o jornal “A Estação” e ao lado de Olavo Bilac para o jornal “Novidades”, dentre muitos outros que chegou a fundar no Rio, como “A Gazetinha”, “Vida Moderna” e “O Álbum”. Segundo dados de Rosso, em seu artigo, “Por que esquecer deste centenário?”, Arthur Azevedo foi um dos grandes defensores da abolição da escravatura em seus artigos de jornal e em cenas de peças dramáticas como “O liberato” e “A família Salazar”, esta proibida pela censura imperial e publicada somente mais tarde em volume intitulado de “O escravocrata”. Escreveu ainda mais de quatro mil artigos sobre eventos artísticos, principalmente sobre teatro. No teatro cerca de uma centena de peças de vários gêneros e mais de trinta traduções e adaptações livres de peças francesas, encenadas no Brasil e em Portugal.

Pelos fragmentos dos contos acima citados haveremos de concordar que os textos ficcionais de Arthur Azevedo constituem um painel significativo da própria sociedade brasileira – que se pode dizer francamente se resumia, na época, à vida da Corte. Segundo Rosso, seus contos devem ser considerados como os introdutores das classes médias na cena da literatura nacional; e a oralidade como papel preponderante nas narrativas. Namoros, os casamentos arranjados por conveniência, os desentendimentos conjugais, as relações de família ou de amizade, as cerimônias festivas ou fúnebres, tudo o que se passava nas ruas ou nas casas aos olhos do escritor, perspicaz atento a tudo que se via ao seu redor, lhe forneceu matéria à composição de suas histórias.

Estas considerações sobre o escritor Arthur Azevedo não foram ao intuito duma apresentação sistemática ou histórica, por mais rudimentar que seja, de sua vasta biobibliografia. O que propus é uma enumeração livre, para o leitor, baseado numa série de pouco mais de seis textos, incluindo-se notas, acerca do escritor. Entretanto, mesmo à base dessa exposição rudimentar é obvio que, por mais curtas que sejam essas constatações que apresentei aqui, certamente, deve ter ficado mais que justificado a necessidade de não passar um centenário desses à sombra. Há que relembrá-lo e pô-lo à mostra.


* Este texto foi publicado no Caderno Domingo do Jornal De Fato em 16 de novembro de 2008, p.14.

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