Diário pedagógico: a equipe

Por Pedro Fernandes





Na sala que estive do 9º ano, estava na parede: 

A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, W, Y, Z.


Fui introduzido na reunião em 18 de fevereiro de 2009, quando do último dia do que a Secretaria de Educação do Município chamou de Semana Pedagógica. Não revelarei nesta série, pelo menos a princípio, os nomes dos locais e das pessoas envolvidas nos fatos. Se estou tornando uma realidade à vista alheia, acho que me resta um pouco de ética em preservar esses nomes, ainda que isso se trate de um esboço de relato-denúncia. Basta que o leitor saiba que as ações as quais me refiro neste e noutros textos desta série decorrem na única escola da zona urbana de um município que está a 45 Km, aproximadamente, da capital do Rio Grande do Norte.

Apresentados os lugares, voltemos à reunião de 18 de fevereiro de 2009. Não sei quais os objetivos a que se prestavam os que ali estavam reunidos, mas pelo correr das discussões não demorei muito para perceber que a peleja escrita no bate-boca era para o desenvolvimento de um projeto - que já havia sido discutido nos encontros anteriores - com intuito de reduzir o elevado nível de analfabetismo e de evasão escolar que marca o cenário da educação no município. Três dias, portanto, que os professores da rede municipal se encontravam reunidos para a escrita do tal projeto, mas nada estava realizado até então. Apenas rabiscos desencontrados, já que os professores se dividiram em dois grandes grupos a título de ambos produzirem um mesmo projeto e da fusão dos dois textos sairia o almejado. 

O que me deixou sem norte, além dos dados desastrosos apresentados por alto pela direção, foi a incapacidade de uma equipe de pouco mais de 20 professores de redigir, acredite, a própria justificativa do projeto. Ora, parece que não faltava boa vontade. As ideias iam e vinham, mas a prática... E pensar que estavam ainda a discutir o como fazer para incorporar à carga horária disciplinas de alfabetização; e pensar que no correr da discussão ganhava fôlego a proposta de "separação" dos alunos alfabetizados dos analfabetos a título de por em prática a ação de ensinar. 

Como novo no ambiente, acanhado e perdido, em nada, a princípio, dei pitaco; apenas quando vi que a tal proposta de separação ganhava fôlego não pude permanecer inerte. A essa altura não fazia sentido, disse, separar os alunos uns dos outros, isso era uma medida excludente que só faria fortalecer o preconceito entre aqueles ditos alfabetizados e aqueles ditos analfabetos; além de que, se o problema era também o da evasão, a criação de um horário extra não teria solução - os alunos, justifiquei, não seriam atraídos a permanecerem mais tempo na escola com as condições ali oferecidas. A dívida da alfabetização era culpa dos professores, emendei, e do modelo de educação adotado pela escola e não cabia novamente punir os alunos por erros alheios. 

É claro que isso só fez por lenha mais lenha na fogueira. E eu ouvia. Apenas ouvia. E dentro de mim se processava uma série de críticas e indagações, principalmente, como um grupo de professores que discutia alfabetização não conseguia avançar com a escrita de uma proposta de solução para o problema. 

Nessa incapacidade estava perceptível que uma das justificativas para os altos índices de evasão e de analfabetismo se dava, antes de qualquer outro problema que venha se diagnosticar mais tarde, pela equipe responsável pelo ensino. Desestimulados, jogavam palavras ocas ao vento; sabedores do problema, não conseguiam realizar um diagnóstico da situação que os levassem a adotar um modelo e uma prática pedagógica capaz de atacar o problema. Que grupo de alunos, como são os de hoje, se interessaria por uma aula em que seus condutores apresentassem tal característica, a falta de planejamento, de estudo?

É grave o problema, pensei e conclui desde então. 

Não há texto de autoajuda, como os que circularam durante a reunião pedagógica, que dê jeito, se, no correr das conversas que tive com os professores durante o intervalo, constatei que a prefeitura desse município não respeita sequer seus direitos salariais e não promove incentivos como cursos de capacitação para esses professores. 

Sou dos acreditam que o professor é quem deve correr à procura do seu aperfeiçoamento, entretanto, entendo que esse modo de pensar é fruto de cabeças como a minha que passou quatro anos de molho num banco de faculdade em contato constante com discussões outras acerca do ensino e não do modo de pensar de professores que sequer passaram por faculdade, de professores outros que vêm da antiga formação chamada magistério, cujos valores acerca do ensino/aprendizagem eram outros. 

Dessa conversa rápida que tive com alguns professores pude entender o porquê que os ali reunidos já há três dias não conseguiam redigir sequer a justificativa do projeto. É uma roda: o município esquece seus educadores e os educadores esquecem seus alunos. Um jogo de empurra por falta de competências. 

Além da formação antiga de alguns professores, há ainda um seleto grupo que mantém fortes laços políticos e que tomam as vagas sem nenhuma capacidade de assumi-la. Esse é um problema que se dá não só nesse município, mas em todo o cenário brasileiro. 

Tenho essa impressão. E se um município e um estado não oferece subsídios ou aperfeiçoamento aos seus profissionais, o que dizer da ausência de concurso público para a contratação de professores, nesse caso, capacitados para o preenchimento das vagas políticas? Nesse município até houve concurso público recente, mas não são oferecidas garantias para a permanência de profissionais que se formam com o perfil atual, por que, pergunto eu, qual o profissional recém-formado, que passou quatro anos numa licenciatura, sonha se isolar de deus e do diabo e levar uma vidinha medíocre desvalorizado numa escola pública no interior? 

Quer dizer, é mal estrutural e estruturado.


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