Por Pedro Belo Clara (seleção e notas adicionais) Zeca Afonso. Foto: Arquivo do jornal Público . MENINA DOS OLHOS TRISTES 1 Menina dos olhos tristes O que tanto a faz chorar? O soldadinho não volta Do outro lado do mar. Vamos senhor pensativo Olhe o cachimbo a apagar O soldadinho não volta Do outro lado do mar. Senhora de olhos cansados Porque a fatiga o tear? O soldadinho não volta Do outro lado do mar. Anda bem triste um amigo Uma carta o fez chorar O soldadinho não volta Do outro lado do mar. A lua que é viajante É que nos pode informar O soldadinho já volta Do outro lado do mar. O soldadinho já volta Está mesmo quase a chegar Vem numa caixa de pinho Desta vez o soldadinho Nunca mais se faz ao mar. CANTAR ALENTEJANO 2 Chamava-se Catarina O Alentejo a viu nascer Serranas viram-na em vida Baleizão a viu morrer Ceifeiras na manhã fria Flores na campa lhe vão pôr Ficou vermelha a campina Do sangue que ent...
Rubem Fonseca. Foto: Arquivo do escritor. LANÇAMENTOS O experimental teatro de Dylan Thomas chega em língua portuguesa — uma amostra . Ao pé do bosque torto (Under Milk Wood) é a mais radical das obras de Dylan Thomas. Escrita por encomenda do departamento de drama da BBC, a peça estreou na rádio em 1953, sendo depois remontada em 1964. Nas duas ocasiões, quem orquestrou a coisa toda foi o grande Richard Burton, o que transformava tudo numa reunião de talentos galeses. O País de Gales, sua realidade e sua língua, está também por trás de boa parte da tal radicalidade do texto: a liberdade que ele toma com o vocabulário, a morfologia e a sintaxe do inglês (claramente seguindo os passos do James Joyce do Finnegans Wake ) pode ser diretamente ligada a essa situação de “biculturalismo”. Elementos da língua, da onomástica, da realidade e do cotidiano da terra natal do escritor são parte central do que acaba por gerar na peça uma paisagem sonora absolutamente singular. Na peça o...
Por Pedro Fernandes É preciso ler A Sibila para estabelecer contato com toda força do universo ficcional construído por Agustina Bessa-Luís, a escritora que, sozinha, construiu toda uma literatura à parte no interior da ficção portuguesa. A aparição desse romance se deu numa ocasião bastante peculiar: enquanto a literatura de Portugal debatia seus meandros, as implicações entre linguagem e conteúdo ideológico e se prendia aos estatutos mais ou menos determinados da estética neorrealista, responsáveis por obras que ressuscitaram a criação ficcional posterior ao marasmo deixado pelo vazio de Eça de Queirós; é desse período, entretanto, a criação de obras de baixo valor criativo devido ao mero apelo quase panfletário decorrente do que poderíamos designar como o primeiro boom literário neste país. Nada se produziu de igual na literatura portuguesa antes ao que Agustina produziu e os herdeiros da escritora ainda estão por nascer. Esse isolamento, entretanto, não é apenas ...
Por Pedro Belo Clara Afresco de uma jovem nomeada Safo. Pompeia, 55-79 d. C. Se passares por Creta 1 vem ao templo sagrado, onde mais grato é o pomar de macieiras e do altar sobe um perfume de incenso. Aqui, onde a sombra é a das rosas, no meio dos ramos escorre a água, e no rumor das folhas vem o sono. Aqui, no prado onde todas as flores da primavera abrem e os cavalos pastam, a brisa traz um aroma de mel. … Vem, Cípris 2 , a fronte cingida, e nas taças de oiro voluptuosamente entorna o claro vinho e a alegria. *** E de súbito a madrugada de sandálias de oiro. *** No ramo alto, alta no ramo mais alto, a maçã vermelha ali ficou esquecida. Esquecida? Não, em vão tentaram colhê-la. *** Vésper 3 , tu juntas tudo quanto dispersa a luminosa aurora, trazes a ovelha, trazes a cabra, só à mãe não trazes a filha. *** Desejo e ardo. *** ...
Ilustração: T. Hanuka O sexo sempre esteve presente na literatura, embora nem sempre de maneira explícita. Há escritores que mergulharam em sua própria sexualidade como se a arte pudesse ser campo para um exercício psicanalítico e findaram por revelar a partir dessa intimidade o lado mais escuro sobre. Esta lista apresenta um conjunto de livros nos quais os escritores se desnudam, livros que dispensam o pudor para narrar cenas de elevado tom. Christine Angot, até o presente uma romancista francesa quase desconhecida no Brasil embora tenha sido autora de um livro chamado Pourquoi le Brésil ?, tem sido lida como uma das principais figuras que se filiam à tradição da qual faz parte nomes como o de Anaïs Nin. Em 1999, ela publica L’Inceste , a obra pela qual sempre tem sido lembrada, por se tratar de uma narrativa que recupera a relação incestuosa entre um pai e uma filha. Les Petits , outra obra sua, já inicia com uma felação sob o chuveiro que termina numa penetração anal an...
Por Pedro Fernandes Mark Haber. Foto: Nina Subin Mark Haber se mostra com O abismo de São Sebastião um escritor fascinante devido sua capacidade inventiva de forjar todo um universo no interior daquele que já conhecemos fazendo da ficção não uma extensão da realidade, como é recorrente na literatura, mas uma realidade autônoma porque crível e sustentável pela sua própria estrutura. Essa qualidade é alcançada pela maneira sutil de se infiltrar na ordem histórica como conhecemos, sem o interesse de desarticulá-la, mas de mostrar como suas engrenagens, fruto das relações humanas, se organizam e constituem o que percebemos com o valor de verdade. O entrecho narrativo é simples, mas não as possibilidades de leitura, sempre a depender de como o leitor se inicia no texto ou dele coloca em evidência certos extratos de acontecimentos. Trata-se do convívio entre dois críticos de arte unidos, separados e talvez reunidos, em torno de um interesse obsessivo: uma tela de aproximadamente trint...
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