Poeta en Nueva York tal qual García Lorca o concebeu
Há dois dias
noticiamos na página do Letras no Facebook: "Poeta en Nueva York será editado tal qual queria Federico
García Lorca. A matéria a seguir esboça o itinerário desse livro e qual a
importância do gesto que se cumpre no início do mês de abril".
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Federico García Lorca na Universidade de Columbia, em 1929. Imagem: Fundação García Lorca. |
Quando Federico García Lorca foi, na véspera do dia 13 de
julho de 1936, ao encontro de José Bergamín e não o encontrou, lhe deixou um
bilhete: “Estive para lhe ver e creio que voltarei amanhã.” Amanhã nunca houve. O poeta partiu para Granada poucos dias antes que se instalara a
guerra, crente, inocente, de que aí se encontraria mais seguro.
O que ele deixou ao seu editor sobre a mesa na redação da
revista Cruz y Raya foi um original com
manuscritos e datilografias, ordenado por partes e estruturado em 35 poemas e
10 seções do que acabaria sendo uma obra-prima que mudaria para sempre a
literatura até então produzida: Poeta en
Nueva York. O resto da história é conhecido: o original
passou por toda sorte de vicissitudes e nunca, até agora, não se havia
publicado na ordem indicada por seu autor.
O texto reapareceu desde 2003. Depois de uma disputa a
partir da Fundação García Lorca, o arquivo foi comprado por pouco menos de 500
mil reais (€ 194 mil). Desde então, a Editora Galaxia Gutenberg e o Círculo de
Lectores têm trabalhado na edição que chega às livrarias na próxima semana. O livro
vem precedido por um estudo minucioso do professor da Universidade de Virginia,
Andrew A. Anderson e com reprodução de originais onde se pode ler textos escritos à mão e ou as correções sobre as peças datilografadas.
Por conselho de Pablo Neruda, com quem Lorca manteve uma
longa amizade, o livro se intitularia coincidentemente, premonitório e inevitavelmente
verdadeiro, Introducción a la muerte.
Mas, logo foi suavizado. Ou nem tanto. O resultado é uma obra inacabada – autor
e editor ainda levaria um longo trabalho em conjunto para que o livro chegasse
a uma forma definitiva – o que, nem por isso, deixa de ter sua valiosidade.
Mas, até o que o trabalho de Lorca chegasse ao poder da Fundação se deu uma
longa epopeia. Concebido em 1929, ano em que o poeta esteve na Universidade de
Columbia, os arquivos são levados com o poeta até Cuba onde esteve por três meses e depois seguiram com ele para a Espanha; muitos anos depois, vão, por através de seu editor, Bergamín, para o exílio, tão logo se
instala a guerra em Espanha. Até então, Lorca queria que a grande maioria dos
poemas fizessem parte do livro, mas não todos; as sobras seriam para se chamar
poemas órfãos.
Em Paris, Bergamín tenta publicá-los, mas as reviravoltas da
sua vida no estrangeiro e, muito provavelmente as dúvidas ou a impossibilidade
de encontrar alguns poemas que Lorca indicou que deveriam se incluir mas não havia
deixado cópia, impediu que isso acontecesse. Nesse tempo, foram realizadas duas
versões datilografadas que serviram para as primeiras edições.
Depois, o editor viajou para o México. Aí presenteia com o arquivo
o amigo Jesús de Ussía, que o apoiou financeiramente com sua nova editora, Séneca.
Anos mais tarde, quando Ussía saiu do México, deixou o material com outras
posses suas armazenadas na casa de um parente, Ernesto de Oteyza. Por sua vez,
a viúva de Ussía presenteia a atriz Manolita Saavedra com os arquivos que ela guarda em sua casa
em Cuernavaca até os anos 1990. Quando se dá conta de que se trata de uma peça
muito procurada, decide vendê-la. A peça vai a leilão em 1999, mas não é
vendida, até que chegue 2003, quando é adquirido pela Fundação.
Desde a aquisição que o material tem sido cuidadosamente
estudado. Aí estão as respostas às polêmicas padecidas por Bergamín por ter,
segundo muitos, traído as intenções do autor. Segundo Anderson, houve decisões que o editor não teria tomado
por pura individualidade, já que alguns poemas, como “Crucifixión” – adquirido pelo
Ministério da Cultura espanhol em 2007 – e um dos que não se podia ser incluído numa publicação
porque estava desaparecido tem seu itinerário bem mostrado, uma vez que o próprio Lorca ainda em vida já o tinha reclamado o original de “Crucifixión” como presente que ele havia entregado a Miguel Benítez Inglott. Na época, Bergamín guiou-se apenas pela ideia de que poeta
obtivera como resposta que o material em geral não havia passado críticas justas.
A história da publicação de Poeta en Nueva York também é digna de ser contada. Desde 1930 a
1935, são incontáveis as alusões ao livro escrito durante a viagem de Lorca aos
Estados Unidos e que ele pensava em publicar. Mas a guerra atravancou a
necessária e última conversa entre autor e editor. Desconhecida pelos
especialistas a fonte principal e sem completar a lista de poemas que Lorca
havia recomentado ao editor e que gostaria de ter incluída – alguns haviam sido
publicados em revistas e outros o próprio poeta havia dado de presente aos
amigos – a recompilação do material totalizava 32 poemas.
Mas veio uma luz. Primeiro nos Estados Unidos e mais ou
menos na mesma época no México, onde Bergamín havia chegado com uma delegação da
Junta de Cultura Espanhola, de que foi primeiro presidente. No México, Bergamín
fundou, como dissemos a Editora Séneca, fiel aos princípios das Edições Árbol,
onde havia sido publicado o conjunto de poemas. Durante sua permanência nos Estados Unidos,
ele se ofereceu a William Warder como interessado em trazer a lume o livro.
Mas, a primeira publicação só foi possível graças ao trabalho de edição conduzido
por Emilio Prados que mudou várias coisas nos originais, corrigiu pontuação,
incluiu notas etc. Aí, foi dado o encontro com as demais peças.
Antes desses contratempos, a obra aparecida na Espanha ia fazendo seu caminho, primeiro inspirando a muitos poetas de distintas
nacionalidades e distintas épocas. Para Anderson poemas como “Con residencia em
la tierra I y II” se produz com certo tipo de estilo vanguardista. É um texto
com muitos aspectos comparáveis a poemas de T. S. Eliot. Anderson assegura
mesmo que o poeta inglês tenha tido contato com o texto de Lorca, uma vez que a
partir da segunda edição a obra já foi traduzida ao inglês.
Hoje, por trás de uma vida cheia de torturas, interrogações e
polêmicas, o público tem acesso a, se não a última, à penúltima palavra de
Lorca acerca da concepção definitiva de sua obra, cada vez mais aberta,
universal e, sem dúvidas, enigmática. “Assassinado pelo céu”, escreveu no
primeiro verso de “Vuelta de paseo”, numa clara alusão à solidão e ao temor que
lhe assolava na sua estadia na Universidade de Columbia, de onde saiu a maioria
desses poemas, redescobertos agora para sua definitiva posteridade com a edição
com que ele sonhou.
Em Poeta en Nueva York
Lorca falou do “amanhecer de Nova York”, dos “cristais cinzentos da Broadway”,
de “jacaré, areia e medo” do movimento de avenidas como a Big Apple em
poderosas imagens que marcaram um antes e um depois em sua poesia. Federico García
Lorca chegou à cidade em junho de 1929; nunca aprendeu inglês, contrariando a obrigação dos que matriculavam na Universidade de Columbia. Ao sair dos Estados Unidos, entretanto, levou consigo um conjunto
de poemas que acabaram dando forma a um livro. A cidade lhe inspirou seu canto angustiado e surrealista. Paradoxalmente foi também Nova York
onde seus familiares acabariam aceitando com lugar para exílio e onde morreu o
pai do poeta.
Mas, não é apenas a cidade que lhe é o centro
das atenções em Poeta en Nueva
York; na concepção do livro, Lorca viajou a Vermont com Phillip Cummings. E de
volta a Espanha, o poeta muito releu e mexeu nos textos produzidos nos Estados
Unidos, incorporando aí outras imagens. Isso terá durado alguns anos e até
chegou a elaborar uma apresentação para os poemas contemplando a possibilidade
de publicá-los em dois livros. A decisão viria nos primeiros dias de
julho de 1936, não pelo livro, mas pela revista Cruz y Raya; é quando foi ao encontro com Bergamín e não o
encontrando na redação prometeu voltar no dia seguinte, como dissemos antes, propósito
que não se cumpriu, uma vez que na fuga para Granada, também sabemos, Lorca foi apanhado e fuzilado.
O reencontro com esse trabalho do poeta é, antes de tudo,
uma peça de sua memória que se preserva. A seguir preparamos um catálogo com mostra de quatro poemas e fragmento de outro dos que estão incluídos no livro que ora se publica:
* o texto é uma tradução livre da matéria publicada no Caderno de Cultura do Jornal El País.
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