A prisão de um comunista que provavelmente não militava

Por Luiz Sávio de Almeida

 
Graciliano Ramos em foto tirada durante o período em que esteve preso. Arquivo do DOPS. Rio de Janeiro, 1936.


É praticamente demonstrado que o Partido Comunista se estruturou em Alagoas a partir de 1928, somando antigos anarquistas de 1919 e novos componentes. É em 1928 que se funda a primeira célula, na rua São José, residência de Américo Sapateiro que, posteriormente, irá pertencer à Ação Integralista. Antes, ocorriam contatos a partir de Recife e Bahia, sendo possível que Américo tenha realizado a coordenação que resultou na célula em sua casa. Após a greve de Jaraguá e dos demais acontecimentos que marcaram a história da esquerda em Alagoas nos finais da segunda década do século passado, o movimento operário, segundo apreciação de um jornal de feição comunista (editado esporadicamente, desde 1927) havia perdido força, especialmente após o controle – aduzimos – policial das reuniões operárias e do pacto entre maltistas e democratas para a derrota do socialismo, comungado após Jaraguá. Este socialismo deveria ser liquidado em nome dos valores da civilização cristã ocidental.

O Proletário falava na necessidade de se retomar o movimento e mencionava o sucesso eleitoral de Otávio Brandão no Rio de Janeiro. O fato é que surge a célula na residência do Américo Sapateiro cuja militância é conhecida desde 1910, quando pertencia aos quadros da Federação dos Trabalhadores. A célula era denominada AA e dela fazia parte Sérgio Pueirame, Presidente do Sindicato dos Trapicheiros e velho militante na esquerda, José Costa Neto que dirigia O Proletário, Olympio Santana também antigo militante. Posteriormente, o Partido cresce o suficiente para que se tenha a eleição do primeiro Comitê Regional. Nessa oportunidade, tem-se um grande problema interno, pelo fato de que Américo Sapateiro perde a secretaria para Horácio Gomes de Melo, afasta-se da organização mas continua aliado. Olympio Santana será tesoureiro e são montadas comissões: Juventude, Agrária, Mulher Trabalhadora. Horácio era também sapateiro, paulatinamente Américo se afasta, passa a ligar-se ao sindicalismo governamental e posteriormente vai se filiar á Ação Integralista, fazendo parte de sua polícia secreta.

A vida do Partido vai ser abalada em razão da Revolução de Trinta, mas ele tem condições de vida orgânica e secreta, emergindo com poder de fogo político no ano de 1932, período de intensa disputa na área trabalhista pelas implicações da política governamental na área sindical, em choque com comunistas e independentes. É por inspiração de governo que nasce em 1932 a Federação dos Trabalhadores de Alagoas, mas surge, também a União Geral dos Trabalhadores que no dia 1º de maio faz passeata. Em dezembro de 1932 começam as greves e os movimento que levarão a outra formidável ação policialesca, com o tradicional prende-prende e deportação de liderança.

O Partido se retrai, continua a vida clandestina e viverá o clima de 1935. Antes, contudo, a vida política de Alagoas ganha complexidade, quando se organiza em Maceió, pela iniciativa de José Lins do Rego, a Ação Integralista. O encontro de Plínio Salgado, com a plateia alagoana foi realizado na Perseverança, presidido por Domingos Fazio Sobrinho, falando Moacir Palmeira e José Lins do Rego. Evidentemente, os confrontos eram permanentes e é no clima que se delineia depois de 1935 que vai se dar a prisão de Graciliano Ramos.

Em nenhum momento, o nome Graciliano Ramos aparece nas lutas políticas. Os nomes de intelectuais que se diziam ser comunistas eram Alberto Passos Guimarães e Waldemar Cavalcanti. Em longas conversas comigo, Alberto jamais mencionou o nome de Graciliano Ramos como militante. Nem a Raquel de Queiroz (trotskista à época) falou de qualquer atividade partidária do Graciliano, e mantivemos alguns bons papos sobre Maceió, embora ela detestasse recordar aquela época pelo imenso sofrimento pessoal que viveu. Num dos papos, conta as versões corridas sobre a prisão de Graciliano e lança: “Meu filho, somente diga estas coisas depois que eu morrer!”. Fiquei embaraçado, ela notou e arremessou o torpedo: “Fique tranquilo, menino, eu morro logo!”. Começamos a rir e fale: “Então não me interessa saber. A conversa não tá gravada, como é que vou provar que você disse? Pode guardar para você as suas coisas!”. E rindo terminamos este telefonema.

Na verdade, ela desejava fazer alusão ao que circulava: a) prisão por natureza política ideológica; b) prisão em face da fofoca política ou perseguição pessoal; c) prisão em face de problemas pessoais. Quem sabe tudo não se mistura numa aura que parece misteriosa? O fato é que o pessoal, o político ou ambos conspiraram para que surgisse um texto que representaria as vidas de encarcerados, numa referência à memória dos que eram ditos portadores de pensamento ilegal. O fato é que, com relação à sua prisão, Graciliano contou ou que deseja fosse sabido.


Notas:
Graciliano Ramos foi levado em 1936 para o Complexo Penitenciário da Frei Caneca; depois é transferido para a Colônia Correcional Dois Rios, na Ilha Grande. A fama do lugar vinha pelas sessões de tortura e até morte cometidas pelos militares. A prisão em Ilha Grande terá deteriorado o estado de saúde do escritor. Cientes disso, a esposa Heloísa e o amigo de pôquer Edgard de Góis Monteiro, irmão do então general Pedro Aurélio, conseguem transferir Graciliano de volto para o Frei Caneca. Na época o escritor havia escrito apenas um livro, Angústia cuja cópia foi entregue por Heloísa à Editora José Olympio e que só é publicado graças ao interesse forte da amiga Rachel de Queiroz. Foi na prisão, impossibilitado de ir ao lançamento do seu primeiro livro que todo o Memórias do cárcere foi esboçado. O livro é publicado em 1953. 

Aqui, você acessa um catálogo que preparamos com três textos em torno de Memórias do cárcere, escritos por Alfredo Bosi, Jacob Gorender e Boris Schnaiderman seguido de imagens, como cinco ilustrações de Percy Deane e fragmento do romance.


Luiz Sávio de Almeida é historiador e professor emérito da Universidade Federal de Alagoas. Este texto foi publicado inicialmente na revista Graciliano,  ano 1, n. 1, set. 2008.

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