Mimesis e a sua importância para o estudo da Literatura

Por Lucas Pinheiro

Rafael Sanzio. Escola de Atena, 1509-1510 (afresco/ detalhe)


 
Estudar a arte é refletir a competência que o ser humano possui ao expressar alegoricamente o abstrato. E se existe um vínculo entre o sentimento, a comoção, e a obra, é possível assimilar tais vínculos entre a realidade da obra literária, e a realidade do autor — baseada naquilo que consideramos como nossa realidade, demarcada pela passagem do tempo histórico e convívio social, além de outros fundamentos que podemos enfatizar para evidenciar a realidade.
 
Sintetizar esse primeiro conceito que foi abordado, é necessário para entendermos que a questão entre criador e criação não se aparta, porque o criador de uma obra é envolto por determinada fenomenologia para que seja possível a inspiração ocasionar a criação da obra, digo isso concernente às obras literárias, ilustrações, esculturas ou qualquer outra forma de expressão artística.
 
Contudo, nesta análise da Poética, mais especificamente do conceito de mimesis, utilizo, a partir do arquétipo usado na introdução, na qual proponho a relação entre criador e criação, um meio para que seja possível explicar com mais clareza o enfoque dessa discussão que é a mimesis — a imitação.
 
Nós, leitores contemporâneos, compreendemos que a realidade de uma obra é ficcional, mas esses elementos ficcionais, de certo modo, são resultantes de uma realidade, a de quem escreve, a do autor.
 
O interesse pela Literatura é oriundo de Platão, filósofo que concebia a arte como cópia da realidade, mas, é a partir de seu aluno, Aristóteles, que se inicia mais profundamente o estudo do conceito de mimesis, o qual é indispensável para a compreensão do fenômeno literário. Esse conceito literário, se não for o centro da incerteza entre os fenômenos literários por meio dos fatos sociais, pelo menos seria então o seu princípio.
 
Bem como sugerido pelos estudos de David Depew (2007, p. 132), a Poética desenvolve-se a partir de um método analítico de tratamento do fenômeno poético, oferecendo: I) a definição; II) a explicação de sua causa e a demonstração incontestável de seu fundamento.
 
“Assim como a História dos Animais demarca várias diferenças entre animais, desse mesmo modo, a Poética 1–3 demarca seu assunto mais amplo  —  área de imitação (mimesis)  —  em tipos de meios de imitação (cores, formas, sons, movimentos, etc.), objetos imitados (coisas, ações, personagens) e modos de imitação (narração, narração dramática e atuação). Bem como um tipo animal pode ser demarcado a partir de uma seleção dos traços de cada categoria de traços, da mesma forma as espécies poéticas também podem ser demarcadas por possuírem uma única distribuição de objetos, meios e modos de imitação.” (DEPEW, 2007, p. 133)¹
 
Dessa maneira, o filósofo Aristóteles define o objeto indispensável da Poética, isto é, o estudo das criações miméticas.

É evidente que o filósofo se apodera da noção de mimesis a partir dos estudos de seu mestre Platão e, em síntese, lida com esse conceito de forma análoga à que seu mestre fazia. Entretanto, existe uma diferença entre o que Aristóteles perfaz a partir desse elemento em comum.
 
Em síntese, baseado no que foi dito por Stephen Halliwell, em Plato and Aristotle on the denial of tragedy, o posicionamento de Aristóteles tem determinada semelhança com o de seu mestre, uma vez que admitem que toda arte oferece uma representação da realidade, mas que ao mesmo tempo é distante de sua essência, já que a qualificação de sua expressão (sua criação) envolve uma certa isenção crítica das demandas que Platão havia feito incidir sobre a mimesis (as “imitações”) e as ligações rigorosas, mas também supérfluas, que, segundo Platão, elas possuíam sobre a realidade.
 
Por mais que compartilhem certa semelhança, Aristóteles abrange as suposições feitas por Platão sobre a arte ao defender que o conteúdo e o sentido de trabalhos imitativos, miméticos, não podem ser explorados a partir de um critério fixo de verdade ou da realidade.
 
Em linhas gerais, tanto a visão platônica quanto a visão aristotélica enxergam o conceito de mimesis como um princípio natural. Porém, a visão platônica foca em toda a existência, toda a criação como parte do processo mimético. Entretanto, Aristóteles descreve em sua obra, a Poética, que imitar é natural ao ser humano, é algo inato, ou seja, o filósofo acredita que a mimesis seja um aspecto fundamental das criações artísticas, em outras palavras, a imitação da ação. E essa interpretação significa que, um personagem ficcional possui, dentro de um contexto narrativo, um determinado comportamento que não apenas manifesta, mas que serve de reflexo para a realidade, unido, obviamente, a noções que norteiam o seu mundo e, então, esse personagem literário age como um ser humano agiria na realidade.
 
Em suma, mimesis é uma cópia, ou simulacro, daquilo que conhecemos como realidade. A arte, destacando mais precisamente a Literatura, é mimética, porque o homem traz as suas (nossas) noções de realidade para ela, tendo em sua obra elementos que permeiam traços reais, mesmo que sejam essencialmente ficcionais.
 
A partir desta perspectiva é possível entendermos a Literatura, bem como toda expressão artística, como algo que não necessariamente copia a realidade, mas sim a simula. As obras literárias, então, não são criadas a partir de uma busca pela representação fiel ao real ou da verdade, mas sim pela premissa da criação ficcional de caráter imaginativo que é estabelecida pela relação que seu criador, o autor, possui com a realidade.
 
Portanto, ao analisarmos a postura da mimesis em relação à Literatura, podemos notar que as obras literárias, bem como outras artes, por possuírem certa perspectiva imaginativa ligada a realidade, tornam-se, devido a sua natureza ficcional, ou imaginária, capazes de estabelecer um vínculo com a realidade na qual vivemos e, a partir disso, é possível que desempenhem uma compreensão de tal realidade factual.
 
Notas
 
1 A tradução é minha para: “Just as History of Animals marks off various differences among animals, so poetics I-III marks off the large subject area of imitations (mimesis) into kinds of objects imitated (things, actions, characters), media of imitation(colors, shapes, sounds, movements, etc.), and manner of imitation(narration, dramatic narration, and enactment). Just as an animal kind can be uniquely marked off by a selection of traits from each trait category, so, too, poetic species can be marked off by their possession of a unique distribution of objects, media, and manners of imitation.”

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