O suplício de Papai Noel ou o direito a ser pagão

Por Sergio Raúl Arroyo


O regresso de Santa Claus, Thomas Nast, 1852.

 
Às vésperas do Natal de 1951, um correspondente do jornal France-Soir descreveu um acontecimento curioso em seu despacho de 24 de dezembro:
 
PAPAI NOEL É QUEIMADO NO ÁTRIO DA CATEDRAL DE DIJON DIANTE DE CRIANÇAS DE ORFANATOS DIJON
 
Papai Noel foi enforcado ontem à tarde nas grades da Catedral de Dijon e queimado publicamente em seu átrio. Essa execução espetacular se realizou na presença de várias centenas de internos de orfanatos. Ela contou com o aval do clero, que condenara Papai Noel como usurpador e herege. Ele foi acusado de paganizar a festa de Natal e de se instalar como um intruso, ocupando um espaço cada vez maior. Censuram-no, sobretudo, por ter-se introduzido em todas as escolas públicas, de onde o presépio foi meticulosamente banido.
 
Às três horas da tarde do domingo, o infeliz velhinho de barbas brancas pagou, como muitos inocentes, por um erro cujos culpados eram os que aplaudiram a execução. O fogo queimou suas barbas e ele se esvaiu na fumaça.¹
 
O episódio da queima de Papai Noel (Santa Claus, São Nicolau) em Dijon foi o motivo para Claude Lévi-Strauss escrever um opúsculo encartado em Le Temps Modernes em 1952 sobre aquele linchamento que, sem mais objeções, escondia uma trama mental e histórica carregada com significados que iam além da oposição à subjugação comercial que representou a expansão dos Estados Unidos na Europa do pós-guerra. Seria necessário desvendar uma verdade oculta por trás do episódio, uma vez que a reação da ortodoxia católica não apenas respondia a elementos que visavam a expulsão do demônio da comercialização ou a demonizar os motivos pelos quais o Papai Noel se infiltrava nas almas das crianças. Seria necessário revelar as raízes daquilo que alarmava os párocos e os fiéis que se instituíram como preservadores de um Natal puro e tornar inteligíveis os aspectos centrais que este episódio implicava.
 
O problema central baseava-se na ocultação inconsciente das ligações históricas de Papai Noel com mitos muito antigos, ecos de símbolos que se acreditava terem se dissolvido no tempo e que incomodavam até grupos protestantes. Lévi-Strauss alertava que certas abordagens do difusionismo cunhadas por Alfred Kroeber, sob o conceito de difusão por estímulo, eram úteis para abordar fenómenos como este. O personagem não assimilado funcionava como um catalisador que remetia a um uso análogo, vivo no inconsciente da comunidade, conectando-se com uma constelação de reminiscências que fizeram parte de sua história e que agora estimulavam o nascimento de um costume idêntico em sua estrutura e função social, embora com claras mutações em relação à história que foi considerada a fonte primária. A assunto em questão era a expressão sintomática de uma vertiginosa transformação dos costumes, própria da modernidade.
 
Esta reflexão, que poderia parecer trivial, continha uma questão muito complexa sobre os processos de transmissão cultural e a inexistência de “pureza” na propagação dos discursos religiosos e políticos, visando sempre encontrar um nicho original para se legitimarem através de ligações fantasmagóricas que sobrevoam as partículas da história. A difusão e emergência de cultos puristas é diretamente proporcional à inexistência de tramas originais, discursos que na arena pública repelem todas as formas de dissidência.
 
O Natal é uma festividade relativamente moderna, mas as suas características arcaizantes não o são, como o uso do visco vindo dos druidas, o mesmo da árvore de Natal e a associação de elementos vegetais, que são resquícios de celebrações antigas, cuja presença nunca foi completamente esquecida, rituais que oscilaram com altos e baixos ao longo do tempo. Está documentado que, desde as Saturnálias romanas, sem qualquer relação com o cristianismo, eram utilizados ramos verdes, abetos, azevinhos e heras. Nos romances da Távola redonda “uma árvore sobrenatural aparece coberta de luzes”. Santa Claus é um avatar moderno que transfere elementos de uma época para outra, rompendo formas que o fundamentalismo afirma serem imóveis. As narrativas remixam propostas novas e antigas com o único propósito de perpetuar os mitos. A questão da celebração purista do Natal, a que aspira a ortodoxia de Dijon, bem como a queima do Papai Noel, é um elemento contundente, não para desmantelar o medo do dogmático, absorto na pureza cerimonial, mas para estabelecer pontes históricas e ideológicas com o passado e suas reformulações mitológicas.
 
Papai Noel, que se veste de vermelho e tem barba branca, poderia ser um velho rei que alude à autoridade dos antigos, que apela à genealogia religiosa e a um sistema de parentesco gerontocrático. Esta figura tem mais relações com as divindades do que parece, se tivermos em conta que aparece periodicamente numa determinada época do ano e é fonte de culto entre as crianças, recompensando os bons e punindo os maus. É, segundo Lévi-Strauss, a divindade peculiar de uma idade madura, cuja única diferença em relação aos deuses é que os adultos não acreditam nela, mas alimentam em seus filhos essa crença. Apresenta-se então um status diferenciado entre crianças e adultos, uma fronteira entre aqueles que acreditam ou não nele. Não são poucas as práticas humanas nas quais as crianças — ou as mulheres — foram sujeitas à exclusão derivada da sua ignorância dos mistérios. Também não é incomum que se dirijam a esses seres sobre-humanos com orações ou cartas nas quais inserem seus pedidos ou favores solicitados. Os adultos, por sua vez, reservam o conhecimento do mistério e o poder da sua revelação, consagrando a incorporação das gerações mais jovens na sua faixa etária e o conhecimento dessa outra realidade.
 
Lévi-Strauss cita a katchina, culto dos índios Pueblo no sudoeste dos Estados Unidos, personagens fantasiados e mascarados que personificam deuses e ancestrais que retornam periodicamente à sua aldeia para favorecer ou punir as crianças. O Papai Natal pertence a essa linha estratégica, juntamente com outros comparsas menos divinizadas, como o Velho do Saco. As personificações das katchinas estão relacionadas a um fato do qual surge o mito de origem: essas figuras são as almas das primeiras crianças indígenas afogadas em um rio na época das migrações ancestrais. Desde então, as katchina visitavam a comunidade todos os anos, ameaçando levar embora as crianças que não respeitassem os códigos vigentes no grupo. Os adultos mascarados realizavam danças violentas que causavam medo. O espírito positivo e racionalista entra em crise quando estas histórias se alinham com as postuladas pelo conservacionismo contemporâneo; poderíamos dizer que os católicos de Dijon têm uma certa lógica quando apontam o caráter aparentemente “irracional” do Papai Noel, mas o seu argumento esbarra num muro intransponível quando chega a sua vez de explicar a cadeia de milagres dos seus santos, que inclui os Três Reis Magos. A ritualidade e a mitologia cumprem uma função iniciática: ajudam os mais velhos a manter o controle dos menores dentro da obediência que a tradição comunitária exige. A sua função, em primeira instância, é a regulação da conduta moral.
 
Todos os ritos de iniciação dividem-se em dois grupos: os “não iniciados” que vivem num estado de privação da verdade, definido pela ilusão ou a ignorância, e os “iniciados” que conhecem a verdade e reservam a sua transmissão, de acordo com uma perspectiva funcional. Não é de surpreender que as festividades de Natal contenham elementos não-cristãos e se assemelhem às Saturnálias (aparentemente a data 24 de dezembro substitui aquelas festividades que durante os últimos anos do Império Romano começavam em 17 de dezembro e terminavam uma semana depois, a 24). Da Antiguidade à Idade Média, as “festas de dezembro” apresentam características semelhantes: decorações com plantas verdes, presentes para crianças, confraternização entre senhores e escravos, entre senhores e servos.
 
Alguns folcloristas e historiadores religiosos apontam que a origem do Papai Noel está em vários personagens que são motivo das comemorações natalinas: o velho Saturno, devorador de crianças; o abade de Liesse, abbas stultorum, herdeiro do rei das saturnálias; o Julebok escandinavo, um demônio do submundo que condena ou traz presentes às crianças, de acordo com seu comportamento, ou as já mencionadas katchinas, seres mortos precocemente que renunciam ao seu papel de assassinos de crianças para se tornarem dispensadores de presentes e punições. Já desde o século XVIII, Du Tillot associava o Natal às saturnálias. Qualquer relação é incompleta se não for encontrada a razão pela qual os costumes desaparecem ou sobrevivem. A sua permanência está ligada não a uma morfologia, mas a uma função que as pontes estruturais devem descobrir. Não se trata apenas de vestígios históricos, mas de constantes de pensamento típicas das condições de vida em sociedade.
 
O Natal faz parte de um palimpsesto em que uma celebração é substituída por outra, oferecendo características sincréticas em que o grupo social se divide em dois: crianças e adultos. Personagens reais tornam-se seres míticos. Os pais, sob deliberada dissimulação, enchem os filhos de presentes. O mediador imaginário — Papai Noel — estabelece uma função real: administrar e sancionar comportamentos. Encontrar as conexões entre um tempo e outro é uma forma de articular a gênese das crenças que dominam o que chamamos de realidade, algo não raro inscrito nos saltos do cristianismo e das modalidades locais, para além das mistificações folclóricas ou nacionalistas.
 
A interligação do pensamento humano não decorre de uma relação geográfica ou racial, mas de necessidades culturais que podem ser distantes ou próximas no sentido territorial, hoje disseminadas pela expansão dos mercados e da comunicação.
 
“A crença que inculcamos em nossos filhos de que os brinquedos vêm do além oferece um álibi ao movimento secreto que nos leva a ofertá-los ao além, sob o pretexto de dá-los às crianças. Dessa maneira, os presentes de Natal continuam a ser um verdadeiro sacrifício à doçura de viver, que consiste, em primeiro lugar, em não morrer.” Os habitantes de Dijon em 1952, através de um auto-de-fé, reconstituíram o antigo paradoxo saturniano, restaurando, “após um eclipse de alguns milênios, uma figura ritual cuja perenidade, a pretexto de destruí-la, coube justamente a eles demonstrar.”
 
Resta saber se o homem moderno também pode defender o seu direito de ser pagão e retomar o caminho que leva às Saturnálias.

 
Notas da tradução

1 Os excertos de O suplício de Papai Noel neste texto são da tradução de Denise Bottmann (Cosac Naify, 2008).


* Este texto é a tradução livre de “El suplicio de Papá Noel o el derecho a ser pagano”, publicado aqui, em Letras Libres.




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