Jorge Fernandes: o seu a seu dono
Por Márcio de Lima Dantas
A recente publicação do livro Jorge Fernandes: o viajante do
tempo modernista (Natal: RN/Econômico, 2009) é digna de ser festejada, não
apenas porque compilou em uma bela edição a obra daquele considerado pelo nosso
meio literário como uma das referências-maiores do nosso cânone, mas também por
ser um livro no qual o esmero, o rigor acadêmico, a pesquisa diligente e séria
confluiriam para um requintado projeto gráfico amadurecido no carbureto da
paciência e do bom gosto. Gerações vindouras de aficcionados e pesquisadores muito serão gratas à
professora Maria Lúcia de Amorim Garcia, visto terem todo um material
sistematizado acerca do poeta Jorge Fernandes: rica iconografia, alguma fortuna
crítica, além de generosas margens com anotações esclarecedoras do texto
apresentado.
Agora outra coisa. É consabido que uma literatura nacional não se faz apenas com grandes nomes. Se há rios-poetas pujantes, largos, - percorrendo paisagens diversas, com sua fauna e flora, irrigando com paul fértil as vazantes encontradas em espaços e tempos diferentes, - há que contemplar, para melhor compreender, os cursos de água que se inscrevem como afluentes, os córregos venerandos que banham obscuras aldeias, os riachos possibilitadores de despertar estados líricos naqueles que se encontram à sua beira, que nem por isso, assim simples, anônimos, perdem sua importância.
Isso posto, gostaria de trazer essas idéias-preâmbulo para o fato do poeta norte-rio-grandense, Jorge Fernandes, deste livro, integrar o cânone da literatura produzida no estado, se bem que sempre em um patamar tão alto que suplanta o nível da sua voltagem estética, se quisermos dar o seu a seu dono (não se esqueçam que a insignificante poesia de Auta de Souza é tida em alta conta, até por scholares e bons poetas do Rio Grande do Norte). Com efeito, não podemos faltar com a lucidez: a musa soprou pouco fôlego, parcimoniosa em engenho e arte.
Temos que lembrar em Jorge Fernandes o fato do
seu valor histórico superar o valor estético, quer dizer, jamais poderemos não
tê-lo como referência, mas, na acepção de Harold Bloom, não seria considerado
um “poeta forte”. A prova? É que não se tornou uma obsessão aos seus pósteros
de mister, como Zila Mamede, presença ali obrigatória, deixando tisnas nas mãos
dos outros depois dela, numa inquietante “angústia da influência”.
Ora, o que a
poesia de Jorge Fernandes tem de ethos descritivo - quase tudo o que produziu
de poemas se enquadra numa espécie de coleção de fotografias com forte poder de
sugestão, muito perdeu em poder de reflexão - de metáforas que dissessem algo
do Ser na sua errância pelos aceiros e picadas do mundo. Enfim, o que ganhou em
evocação imagética, sugestão de fenômenos e paisagens, perdeu em mímeses e em
metafísica. Outra alternativa é dizer
dele o que sempre se diz, fazendo coro com o discurso dos cavilosos cordeiros
contentes, que aceitam a geral voz da maioria, sem maior conhecimento do que
seja uma legítima obra de arte, sem ter um pingo de senso crítico,
desconhecendo os avanços qualitativos da teoria da literatura ou os métodos
empregados nas tantas Histórias da prosa e da poesia.
Saliento aqui, nesta obra, a beleza e magnitude do ensaio de abertura, procedendo por meio dos largos palmos teóricos da poética e da semiótica uma leitura amorosa do poeta, contemplando não somente as imagens obsessionais dele, mas apontando a valia dos recursos manuseados (onomatopéias, disposição gráfica no plano da página, arcaísmos da região) pelo autor do Livro de poemas, de forma inovadora, não apenas chamando atenção para as coisas até então não dignas de serem formatadas no discurso poético, sobretudo para os procedimentos que logo mais seriam de uso comum nos vindouros artistas que fariam uso de tais signos.
De toda maneira, seria injusto deixar de louvar esta germânica empreitada, a saber: organizar, anotar, arrolar um vocabulário, apresentar imagens inéditas em um só tomo tudo o que ficou conhecido como produção do poeta Jorge Fernandes.
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