Viva a diferença!
Por Pedro Fernandes
Duramente justapostas e sobrepostas, todas as formas e modos de viver, todas as civilizações do passado desembocam em nós “almas modernas”, graças a esta mistura, os nossos instintos refluem em todas as direções, nós mesmos somos uma espécie de caos.
(Friedrich Nietzsche)
VIVA A DIFERENÇA! Estava lá escrito com letras garrafais num cartaz afixado na entrada, pela parte interna duma agência bancária. Ao da faixa, numa cadeira de cor laranja, estilo bem moderno, uma senhora bem humilde, de aproximadamente setenta anos, parcimoniosamente à espera. Na TV, clipes com propagandas de alguns produtos oferecidos pelo banco do tipo empréstimos, financiamentos, poder de compra em geral.
A cena descrita é a descrição duma cena que na ausência de uma câmera fotográfica resolvi fotografá-la em letras. Foi uma cena real. E agora o registro numa fotografia três por quatro literária com o interesse de lê-la em um dos muitos aspectos possíveis de leitura: o da necessidade desenfreada e vulgar da sociedade capitalista contemporânea pelo consumo e do falso encantamento pelo novo.
Esta cena me chamou atenção porque vejo a senhora da descrição como um elemento solto, alheio a tudo que está ao seu redor – às pessoas, às músicas que eram exibidas na TV, às imagens dos banners, alheia inclusive à cadeira laranja em que estava sentada. Sua posição nessa pintura contemporânea obedece a uma espécie de colagem, ou montagem fotográfica, é apenas “uma alheia à”. Ainda assim ela está lá.
Essa sede capitalista pelo TER tornou-se algo tamanho que a figura da senhora humilde, ainda que destratada – porque são destratadas, humilhadas, compradas em empréstimos (tenho presenciado muitas cenas tristes em lugares como este) – funcionam com verdadeiras mães-propaganda, mães-sustentáculo – seria bem esse o nome – aos tubarões financeiros. A gama pelo novo, vejo na sua posição lá na cadeirinha laranja, posta distante dos outros que serão atendidos como se isso fosse fazer jus à lei que não permite que idosos permaneçam à mercê de filas. Ela é posta isolada das outras pessoas para não enfeiar a instituição enfeitadas de cartazes com pessoas jovens de sorriso largo.
Essa cena me faz refletir acerca do que vem se compondo o cenário humano hoje. A necessidade pelo fútil, pelo passageiro faz a humanidade passar por um processo de liquefação. A fluidez, a rapidez, a vulgaridade em torno da própria matéria humana nos transforma em produtos de vitrine, usáveis e descartáveis. A senilidade, por exemplo, outro aspecto que salta aos olhos diante dessa cena, é vista como algo que deve ser varrida para os cantos da parede, a menos que os idosos sejam rejuvenescidos o suficiente.
VIVA A DIFERENÇA um carpe diem contemporâneo. A cadeia de sentidos que se apresentam é tamanha que, é bem verdade, ultrapassam as barreiras da diferença entre bancos, como parece ser a proposta, mas ao meu ver porta-se como um slogan cheio de discriminações – joga humanos contra humanos. Numa leitura ampla da cena e do cenário onde esse fato se passou, leio o VIVA A DIFERENÇA, o slogan daquele banco, como uma forma de acentuar, de delimitar firmemente as barreiras que existem fixas entre a juventude e velhice. O que é falso. Não conseguimos precisar onde que começa cada fase dessas ou onde elas terminam.
Chegando aqui eu me pergunto quantas cenas significativas como estas acontecem afora? Corremos tão tresloucadamente que não reparamos o sentido que estas cenas carregam. Talvez um dia toda humanidade se sente para um descanso parcimonioso na suas cadeiras laranjas e descubra o quanto que seus corpos são usados e abusados e o que eram mesmo aquelas colunas gregas senão aquilo que ela vê como carcaça num canto de parede.
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