Vida e obra de Shmuel Yosef Agnon

Por Noé Gruss




Clássico da literatura hebraica moderna, Agnon possui uma originalidade certa em sua concepção literária e em seu estilo. Por outro lado, sua obra está em harmonia perfeita com sua vida. Os contos procedem de um realismo autêntico, a despeito da impressão que eles dão de ser antes de tudo um tecido de misticismo e de fantasia, tal opinião, justificando-se, ao que parece, pelo estilo enraizado na literatura antiga, medieval e religiosa.

Para compreender essas contradições aparentes, é necessário debruçar-se sobre a própria história de Agnon desde a sua primeira infância. Notemos, desde já, que o universo de Agnon compõe-se de Butchatch, sua cidade natal, e de Israel, onde viveu grande parte da sua vida, assim como da Alemanha onde viveu vários anos depois de ter recolhido contos de rabinos, de tsadikim, de hassidim. Assim, Agnon se inspirou quase que exclusivamente no que viu com seus próprios olhos.

Infância na Galícia

Nasceu em 17 de julho de 1888 em uma pequena aldeia da Galícia Oriental, Butchatch, sob o regime da monarquia austro-húngara. Seu pai, Shalom Mordechai Tchatchkes, era de formação rabínica, profundamente impregnado da poesia hebraica medieval. Era um discípulo do rabino de Tchotkov, mas não queria viver de seu diploma de rabino, e se ocupava do comércio de peles. Sua mãe, Ester era uma mulher instruída, gostava de ler e conhecia bem a literatura alemã. Assim o jovem Tchtchkes trazia já de sua casa natal as tradições rabínicas, hassídicas, juntas com as de haskalah que se fundiram harmoniosamente em seu espírito e seu coração.

Sua língua natal é o iídiche. Com a idade de três anos, começou a frequentar o heder até a idade de nove anos. Lá aprendeu a Bíblia e o Talmude. O pai iniciou-o na Hagdah e em Maimonides. A mãe o fez conhecer a literatura alemã, como era o costume nas famílias burguesas da Galícia, no tempo do imperador Francisco José. Deram-lhe um professor particular de alemão e frequentou aina a escola primária. Ele não faria os estudos superiores. Ia frequentemente estudar o Talmude no Bet ha Midrash, e travar conhecimento com a literatura hassídica no Kloyz. De doze a quatorze anos, conhecia já a literatura hebraica leiga de seu tempo (M. D. Brandstadter, R. A. Broides, Mendele) e a literatura escandinava: Ibsen, Björnson e principalmente Hamsun, que deveria, mais tarde, ter uma nítida influência em sua obra. Quanto a preocupações materiais, não as tinha, e podia permitir-se consagrar-se à literatura, o que estava conforme a seu gosto desde a infância. Com oito ou nove anos, cada dia compunha um poema.

Escreve alternadamente em iídiche e hebraico. Sua primeira publicação foi escrita em iídiche, no Iidisches Wochenblatt, no dia do seu décimo quinto aniversário, em 1903. Era uma balada, intitulada Joseph Della Reyne, sobre o cabalista palestino do século XVI que tentou apresentar a chegada do Messias pelos jejuns e pelas mortificações, caçando as forças do mal que o cercavam. Essa balada corresponde, por certos aspectos, ao poema de Peretz, Monish. A partir deste ano até 1909 Tchatchkes escreve alternadamente em iídiche e hebraico. Desde a sua partida para Palestina (1909) ele abandona o iídiche e vira-se definitivamente para o hebraico.

Analisemos agora sua obra em iídiche. Nesta época chegou a Butchatch um judeu originário de Safed e sionista ativo, o doutor Eleazar Rokeah. Ele faz propaganda sionista e seu alvo é de desenvolver Safed. Graças a seu talento de orador galvaniza os judeus da Galícia e, para melhor atingir o seu fim, funda um jornal, o Iídischer Wecker. O jovem Tchatchkes torna-se seu principal colaborador e começa assumir sua carreira de escritor. Nesse jornal ele publica alguns poemas nos quais se descobrem a influência - mas não a imitação - de Maurice Rosenfeld, Abraham Reisen, Jehoash, Peretz. O assunto principal de todos os seus poemas é a desigualdade social que contraria a harmonia das festas judias. Estamos na festa judia de 15 de chevat, uma festa alegre. Consomem-se frutas novas. Numa família pobre onde nove crianças sofrem de fome, a mãe acalma-as, prometendo-lhes boas coisas após o regresso do pai, que trará doces, e, esperando, ela coloca-as na cama, para espantar a fome pelo sono. Tarde da noite, batem à porta. São pessoas que trazem o pai de família morto: foi atacado por bandidos. Assim termina uma festa, que na tradição judia une sob o mesmo signo pobres e ricos.

Uma outra balada se intitula "Os Pobres". É a festa de Purim. Um velho cego, conduzido pelo neto, deixa a cidade para recolher um pouco de dinheiro nos arredores. Mas é um dia de inverno, dia de gelar. Os dois, fatigados pela caminhada, repousam e morrem de frio. Até então, a literatura dos Masklîm, o sabá e as festas eram sagradas, jamais criticadas, essas festas uniam o povo todo. Tchatchkes abandona essa tradição, introduzindo assim uma dissonância na literatura.

Nas obras hebraicas de sua juventude, percebemos a mesma impressão de desigualdade social. Exemplo, A história de Melech e Malkah. Dessa vez, é a Páscoa que é perturbada. O marido, Melech, um judeu pobre, ganha a vida longe, e quer retornar à casa para a Páscoa. A mulher, Malkah, que lhe deu um filho, é obrigada a deixar este com uma ama, numa aldeia, empregando-se ela mesma como ama na casa de uma mulher rica da cidade, sendo muito pobre para conservar o filho consigo. Para a Páscoa, ela quer preparar tudo para acolher o marido, mas a patroa não lhe dá permissão para juntar-se a ele. Assim, a Páscoa, que é festa familiar, está perturbada.

Deve-se acrescentar que em obras mais tardias esse assunto torna-se ainda mais preponderante. Numa série de outras obras em hebraico, Tchatchkes nos pinta o abismo entre o ideal e a realidade, entre a verdade e sua aparência. E a verdade a qual Tchatchkes se refere é universal; não provém de nenhuma doutrina anarquista ou religiosa. É a verdade de um garoto de quinze a dezessete anos que desejaria extirpar da existência a pobreza, a dor, a vergonha, que aspira à justiça e que procura desmascarar a hipocrisia humana, o todo no espírito do neo-romantismo.

Agnon jornalista

Em 1907, foi convidado por Gershom Bader a ir a Lwow para ajudá-lo a redigir a revista hebraica Ha-Et e o calendário popular iídiche. Colabora tanto num quanto no outro, assim como no quotidiano Iídische Tagblatt. Mas, em Lwow, fica pouco tempo. Conseguiu, no entanto, travar conhecimento com vários autores, penetrar no meio dos escritores e redatores e tornar-se, ele próprio, jornalista profissional.

O estágio em Lwow serve-lhe igualmente para se aperfeiçoar em seu ofício, pois o que escrevera até lá não atingia sempre a qualidade desejável e os redatores-chefes recusavam frequentemente seus textos. Esses fracassos ensinaram-lhe a criticar a si mesmo. Do que escreveu em hebraico entre 1905 e 1908 restam apenas vinte contos que continuam pouco conhecidos, pois estão dispersos em diferentes jornais, hoje "aves raras": Ha-Yarden, Ha-Mitzpeh, Ramat ha-Mitzpeh. Em 1907, volta a Butschatch, onde participava ativamente da vida política durante as eleições ao Parlamento austríaco, onde o candidato nacional judeu Nathan Birnbaum pedia uma cadeira. Aliás, Tchatchkes, mais tarde, faria um quadro desta época numa narrativa autobiográfica: Binarenû û Vizkenû (Jovens e velhos), onde o candidato Birnbaum é descrito sob o nome de Davidsohn. Entre as personagens do livro é ao ferreiro Alexandre que vai a simpatia mais profunda.

Na mesma época, isto é, 1907, amadureceu sua doutrina política. Por um momento sofreu a influência anarquista, mas os acontecimentos desses anos, pogrom em Bialistok, a morte de Herzul, o congresso sionista e, também, de certa maneira, a derrota de Birnbaum, exercem uma influência sobre sua decisão de partir para a Palestina a fim de realizar pessoalmente o que considera como essencial para todos os judeus. Compreendeu que Butchatch não é um lugar para ele. Ainda desta vez constatamos a harmonia que existe entre seus pensamentos e sua vida.

Na Palestina 

Já dissemos que escrevia em duas línguas ao mesmo tempo. Mas é preciso ressaltar que seu iídiche era melhor que seu hebraico. Isso explica-se pelo fato que o iídiche era a língua do povo, língua falada, língua viva, enquanto que o hebraico dessa época tornar-se, sob pena dos Maskilim, uma língua muito floreada. Faltava a esse hebraico tanto a elasticidade quanto o rigor.

Estamos em 1908. Tchatchkes deixa Butchatch passando por Lwow, onde trava conhecimento com o escritor hebreu e redator Joseph Haim Brenner, do qual torna-se amigo e que se tornará o editor de seu primeiro livro em Jafa. A caminho da Palestina, para em casa de parentes em Viena. Seu tio de lá gostaria de lhe dar meios para continuar seus estudos em Lwow e desaconselha-lhe continuar a sua viagem. Tchatchkes recusa e vai para a Palestina. Para viver, exerce diversas profissões, entre as quais a de secretário de várias organizações. Seu primeiro conto escrito na Palestina é "Agounot", história de amor trágico entre um jovem artífice e uma filha da burguesia destinada a outro. Pela primeira vez usa o pseudônimo de Agnon, que contém as três letras do radical de Agnounot, o que quer dizer "abandonado" ou mais exatamente "alma à deriva, que se tornará em 1924 seu nome de família, corresponde bem ao tema geral de sua obra. Brenner fica encantado com esse conto que lhe relembra os de Nachman, de Bratslav e de M. J. Berditchevski.

Na Palestina, encontra emigrantes da Segunda Alyah, (imigração), que, em sua maioria, se concentram em Jafa. Mas sente-se atraído por Jerusalém, cujos velhos costumes têm para ele mais interesse do que o estilo dos novos emigrantes. Colabora com o jornal Ha-poel ha-tsair, fornecendo-lhe contos dos quais um dos mais longos é intitulado "Que os declives se transformem em planícies". Brenner apreciou muito esse conto, editou-o em Jafa, como dizíamos anteriormente, e, em algumas semanas, toda a edição estava esgotada. A impressão sobre os leitores foi inimaginável: Agnon, com efeito, faz ouvir aqui a sua verdadeira voz. Libertou-se da redundância romântica e das numerosas notas góticas que entulhavam os outros contos e criou, segundo a expressão de Brenner, "uma epopeia popular artística". É necessário dizer agora algumas palavras sobre a linguagem e o estilo que o distinguem dos outros escritores hebreus. Agnon escreve à maneira dos autores do livros hassídicos e dos livros religiosos populares, onde, na trama principal da narrativa, se inserem contos morais, fábulas, lendas, conversações, histórias dos hassidim sobre seus rabinos miraculosos e seus comentários da Bíblia.

Um hebraico ao mesmo tempo popular e literário

A língua é popular, dentro do espírito bíblico, mas de um grande valor literário, sem que haja contradição entre estes dois termos. É, aliás, uma especificidade do hebraico na diáspora. O hebraico deixou desde séculos de ser uma língua falada, mas continuou a viver nos domínios limitados da religião, da educação, da criação literária e dos costumes. Sempre aprendeu-se a Bíblia e o Talmude. Recitaram-se as orações, cantaram-se os cânticos e declamaram-se os poemas. Utilizou-se o hebraico para os contratos comerciais, nas crônicas das comunidades, nos testamentos, nos contos populares e nos livros de ética. Mesmo a certas línguas estrangeiras, o povo misturou palavras e expressões hebraicas que até então estavam reservadas somente aos eruditos. Esse hebraico alimentou-se de todas as fontes literárias hebraicas: a Bíblia, a Haggadah, o Talmude, o Midrash. Desse língua empregada por todos os autores judeus através dos séculos, Agnon serviu-se por seu turno, estando intelectualmente preparado para fazê-lo. Na literatura hebraica moderna, foi uma novidade. Esta inovação enganou muitos leitores e criou uma falsa imagem de Agnon, pois, encantados pela magia do estilo, não notaram o conteúdo. É interessante citar uma opinião do professor Neher. Durante a visita de Agnon à Universidade de Estrasburgo, o Sr. Neher fez uma conferência sobre o novo Prêmio Nobel. Citou, entre outras, uma frase de Agnon retirada de um texto autobiográfico, Comigo mesmo, onde o autor diz: "Ora, se o pão vem da terra, a forma, esta, vem do céu", o que o Sr. Neher interpreta assim: "A forma, a intuição organizadora, o hábito do pensamento, a língua e de fato o estilo... tudo isso vem do céu, sob dois aspectos: um, do qual o próprio autor faz a confidência: a forma, linguística, principalmente, as palavras hebraicas das quais o talento do escritor deve operar a escoha e ordenação, vem-lhe como um dom transcendental, capitado por uma espécie de disponibilidade profética de seu gênio criador..." Em seguida, ele se explica sobre o segundo aspecto: são as fontes já mencionadas nas quais o escritor se inspira, e ás quais devemos acrescentar a escola francesa de Rashi na Champanha, dos Kimhi na Lorena e dos Sunel no Languedoc e na Provença.

Em Agnon, não existe luta entre o velho e novo hebraico, a língua santa (lashon godesh) e a língua moderna (ivrit). Parece que sua linguagem é mais uma reza do que um exercício de literatura, que seu estilo é mais uma obra de piedade que de arte... e é razão pela qual, superficialmente, parece que Agnon é um místico para quem a realidade conta pouco. O que explica que o tenham tão frequentemente comparado - com ou sem razão, aliás - a Kafka. Em sua primeira etapa seu realismo é ingênuo, a linguagem e o estilo não velam o conteúdo, mas as coisas vão mudar a partir de "Que os declives se transformem em planícies". A especifidade do estilo empregado, do qual já falamos, dissimula a história trágica e complicada de um casal que é obrigado a separar-se. O marido deve partir para longe para ganhar seu pão, e sua mulher recebe uma falsa notícia de sua morte e casa-se de novo com outro. No entretempo, o primeiro esposo regressa, e toma conhecimento do que passou, vai ao cemitério de deixa-se morrer lá, não querendo perturbar a vida da mulher, e causar-lhe problemas insolúveis... Mas como esta história se passa há cem anos, e o herói é um crente, Agnon pinta-o em seu meio natural, impregnado de judaísmo, de crenças específicas, de superstições que são para ele tão reais quanto o mundo mitológico do Olimpo o era para os gregos. Assim, é natural que Agnon empregue a linguagem da Michnah e do Midrash, graças a que ele faz reviver o estilo popular na literatura hebraica.

Atividade estudiosa na Alemanha

Numa preocupação de aperfeiçoamento intelectual, Agnon parte para a Alemanha em 1913. No mesmo ano participa do décimo primeiro congresso sionista em Viena; vai também a Butchatch para ver seu pai doente, e volta para lá para suas exéquias. Os anos de 1913-1914, passa-os em Berlim, Leipzig, Hamburgo e outras cidades alemãs. Vive de aulas particulares, trabalha na Jüdischer Verlag com Aharon Eliasberg, o conhecido tradutor da literatura iídiche para o alemão. Juntos, editam o livro dos judeus poloneses.

O Jüdischer Verlag edita os contos hebraicos de Agnon e sua tradução em alemão. Certos conhecimentos que trava nesta época são de grande importância para ele. Inicialmente, faz amizade com Z. Schocken, que funda uma editora na Palestina, depois na América, e que se tornará o principal editor de Agnon. Em 1917, conhece Martin Buber. Sob sua influência, começa a recolher contos hassídicos que servirão, em seguida, para sua obra. Colabora também no jornal Der Jude sob a direção de Buber. Em 1920 casa-se com Esther Marx, de quem terá dois filhos: uma menina e um menino.

Agnon não se esqueceu de que o alvo de sua estada na Alemanha era instruir-se. Aprende literatura alemã e francesa. Torna-se também um apaixonado colecionador de livros e um descobridor de manuscritos, criando uma importante coleção. Um fato testemunha seu interesse pela bibliofilia e pela bibliografia: quando apareceu a obra que comemorava o martírio de Butchatch, Agnon publica nela uma lista de 75 obras raras cujos autores nasceram em Butchatch. Infelizmente, sua coleção foi vítima de um incêndio e desapareceu.

Enfim, em Jerusalém!

Em 1924, Agnon volta a Palestina, firmemente decidido a instalar-se em Jerusalém. Poucos chegaram a conhecer essa cidade tão bem como ele. Esteve intimamente ligado a ela. Para ele, as pedras vivem. Imagina-se em Jerusalém há dois mil anos. Vê-se no Templo com seus irmãos levitas, onde cantaria salmos. "Mas o Templo está destruído, portanto eu me ocupo da Bíblia, dos Profetas, da Michnah e da Haggadah, dos Geonîm e dos comentadores. Estudo a Torá e tento aprofundar o pensamento da Torá e de seus exegetas e, quando reflito sobre tudo isto, meu coração fica pesado. De nossa antiga grandeza restaram apenas os textos. Esta tristeza entra em mim e na minha alma, e eu começo a dizer contos como aquele que, expulso da casa de seu pai, construiu para si uma cabana, sentou-se lá e descreve para todos o palácio onde viveu outrora."

Assim Agnon revive a história de seu povo no passado e mistura-lhe sua própria vida presente, tendo em conta as mudanças trazidas pelo tempo.

Permeável a todas as fontes, está longe de identificar-se com todo esse passado. Compreendemo-lo pelas suas obras e pela sua atitude face à arte na qual é necessário compreender igualmente a literatura. Vejamos no Hóspede de uma noite sua opinião sobre o teatro: a inspiração simples da qual provém a maioria das obras teatrais e que não refletem a verdade, é inspiração superior que distingue o verdadeiro do falso. Agnon é daqueles que podem abrir todas as portas. Enxerga até o que se passa "atrás das costas do mundo".

É dar provas de um grande talento o poder identificar-se com a personagem, guardando o recuo necessário à observação. Personagens, Agnon criou várias. "São membros da confraria de grandes firmas desta miséria sorridente que Cervantes, La Fontaine, Hugo, e Brecht criaram na literatura, que Carlitos encarnou no cinema e Marc Chagall na arte." (Neher.)

Criação de personagens típicas

Quais são as obras principais, ou melhor, os tipos que Agon criou? Agnon, que está tão ligado a Jerusalém de outrora, compreendeu que entre a partida de Jerusalém de outros tempos e a volta a Jerusalém de hoje, escoou-se um tempo durante o qual sua encarnação secular viveu em alguma parte. Essa alguma parte é a aldeia de Butchatch.

Agnon não foi o único a introduzir na literatura o chtetl, "a aldeia". Na literatura iídiche já a haviam integrado Shalom Ash e I. M. Weissenberg. Agnon a reintroduziu, não mais como os dois primeiros, em uma única obra, mas em várias. A obra mais característica, sob este ponto de vista, é O dote da noiva. Nesta grande epopeia folclórica da judiaria galiciana do século XVIII é inspirada pelo hassidismo galiciano. Sua estrutura não é rigorosa, já que ela é composta de diversos contos. O elemento que os une é o rabino de Opatov (Apter rebbê) sai pelo mundo para recolher o dote de suas três filhas. Viajava com um ajudante que lhe serve de cocheiro, pelas cidadelas e aldeias da Galícia. Por toda a parte encontra pessoas, faz sermões, mas, sobretudo, escuta e observa. Tudo isso, na sua composição, faz pensar nas Mil e uma noites. O estilo muda com o assunto. Ao lado de um rico elemento folclórico, encontramos igualmente sátiras picantes e o rabino Judel, a personagem grotesca, é, apesar de tudo, o símbolo da espiritualidade judia e do idealismo segundo a concepção de Agnon.

Podemos colocar essa obra em paralelo com o Dom Quixote, de Cervantes e As viagens de Benjamim Terceiro, de Mendelé. Para Agnon, Butchatch é uma cidade de passado nobre. Em Sefer Butchatch, já mencionado, Agnon dá imagens dessa cidade que lhe querida. Encontramos Butchatch ainda No oco do oceano, mas, igualmente a Palestina, pois um grupo de Hassidim idealistas, desejando atingir as esferas da Jerusalém celeste, põem-se a caminho da Palestina. A eles junta-se Hananiah, que deve simbolizar o eterno errante que não perde a fé.

No Hóspede de uma noite, o autor retorna em visita a Butchatch, que, após a primeira guerra mundial, perdeu muito de seu brilho. No entanto, encontra em Chiboutch (Butchatch) personagens interessantes como Haim Baal Hatechuva e outros notáveis como o doutor Milch, Jerucham e Rachel Hofchi, e, principalmente, uma fazenda onde trabalham pioneiros que se apressam em chegar à Palestina. Assim chegamos a um outro romance, Já é passado que nos leva aos tempos da Segunda Alyah. É de alguma maneira a lembrança de um passado próximo, e, com inumeráveis detalhes no estilo dos contos épicos, uma crônica realista.

Agnon cético e realista 

É o único romance palestino que não fala nem de sonhos de libertação, nem de messianismo, nem de milagres como os encontramos noutros romances cujas personagens são hassidim a caminho da Palestina. Esse reflete a realidade do país, mostrando-a por contrastes: o novo em formação, e o antigo que se petrifica. É um romance de cores sombrias, impregnado de dor, que lemos como uma sátira aguda que desmascara as faltas dos habitantes antigos e dos emigrantes novos. Está escrito no espírito de J. H. Brenner. Nele também vemos as taras de Jerusalém, mas enquanto que Brenner nos deixa uma esperança de mudança, Agnon parece convencido da irreversibilidade desse estado de coisas. Eis a razão pela qual o bem conhecido escritor israelense Moshé Shandir acha que Agnon é um grande cético, destruidor de ilusões. Apoia essa opinião sobre vários exemplos, e mais particularmente sobre Já é passado, onde Agnon vê falsidade por toda parte, e, como única verdade concreta, a decepção e a morte. Que Agnon desmascare, denuncie, e revele todas as mentiras e todas as hipocrisias, Shamir vê nisso a sua grandeza. Nesse caminho, ele é um precursor.

Um autor da geração precedente que conhece bem Israel, A. J. Braver, confirma a autenticidade das imagens de Agnon. Nota-se que ele não agiu como fotógrafo que se prende a todos os aspectos de um assunto, antes como pintor que, negligenciado os detalhes, procura exprimir apenas o essencial. Se quisermos fazer reviver os dias da Segunda Alyah, acrescenta ele, os dias de esperança de uma nova vida, de uma fé num futuro melhor, deve-se ler os jornais de Jerusalém e de Jafa, as centenas de folhetos e de brochuras, e os livros de memórias. Acharemo-nos frente a uma massa de personagens e feitos. Mas a atmosfera desses dias, o nascimento de uma nova classe operária na Palestina, a construção de Tel-Aviv, subúrbio de Jafa, a organização do primeiro Kibutz, a fundação dos primeiros colégios, compreenderemos tudo isso lendo apenas Já é passado.

O drama de seus heróis consiste essencialmente em que todos eles perderam seu lar (Agnon utiliza aqui a expressão iídiche Heim) e erram em sua nova pátria como uma tropa de emigrantes desenraizados e ainda não enraizados num país deserto. Agnon lamenta que o sionismo leigo, pela sua atitude face à reconstrução do país, tenha apagado o caráter sagrado da Palestina, e considera que está nisso um motivo de decadência. Não deixou de acentuar as relações entre as pessoas do país já instaladas e os novos pioneiros humilhados por terem que solicitar trabalho, assim como o fato de os judeus de Israel serem mantidos por seus irmãos do mundo inteiro "que salvam Deus de barriga cheia e não têm nenhuma indulgência para com aqueles que não se assemelham a eles". Duas personagens típicas desse gênero são representadas pelos rabinos Faysh e Gronem.

Um ideal difícil de ser atingindo 

O ideal para Agnon consistiria em preservar a santidade do país, pela qual os hassidim de Butchatch estava prontos a dar sua vida, juntando-lhe os valores de trabalho e de cultura pelos quais os pioneiros haviam abandonado seus lares para construírem outros.

É evidente que todos esses problemas encontram sua expressão nas personagens e conflitos que Agnon faz reviver magistralmente. O herói principal, Isaac Krumer, no qual encontramos traços do próprio Agnon, está sempre oscilando entre a fé e a inquietude. Nele reflete-se o drama de sua geração: a luta entre os instintos, a ruptura entre as forças do subconsciente arrastam o homem em diferentes direções e suscitam nele sofrimentos inseparáveis de qualquer busca da verdade. É um homem simples, nada intelectual, antes primitivo, que reage por instinto e não por lógica ou reflexão. Mas a realidade prendeu-o em sua rede, impõe-lhe seu fardo e seu conflito interior se exprime por intermédio de duas mulheres: Xifra, que simboliza a simplicidade, a tradição, a pureza, e Sônia, a mulher fácil, que lhe aparece às vezes como uma renovação, uma aproximação do sionismo, um progresso social, mas, ao mesmo tempo, uma contradição em relação ao que sua natureza lhe inspira. No final, repelido por Sônia, toma o outro partido, deixa Jafa, a sionista e parte para Jerusalém, a santa Lá, ao encontrar afinal seu equilíbrio, morre, mordido pelo cachorro Balak. Qual é o sentido dessa aventura? Significa que Mea Shearim, o bairro das cem portas, representa a morte para o homem do povo, que para ele e seus irmãos não há lugar nem na Jerusalém apodrecida, mas sim na Galileia, onde se realiza o ideal dos pioneiros.

Este ideal dos pioneiros - dos quais ele fazia parte - Agnon deixou para outros o trabalho de descrevê-lo. Por sua parte quis apenas compreender todas as dificuldades materiais e morais que enfrentou, e que, sob seu ponto de vista deveriam ser vencidas.

Uma história de amor 

Acabamos de analisar, assim, o essencial da obra de Agnon, na qual a Palestina tem um papel espiritual ou material. Fizemos notar, também, que introduziu em suas obras o elemento fundamental da tradição judaica, oral e escrita, tradição das mais ricas! Mas, seria negligência de nossa parte não ressaltar o tema do amor que encontramos em diversos contos e ao qual consagrou um romance inteiro. É uma história muito simples, íntima familiar, de fundo realista, mas orientada numa trilha hagádica e escrita com a virtuosidade de Tolstói. É uma história de amor que se passa em Chibuch. A personagem principal, Hirsh, é filho de um burguês e ama Bluma, uma parenta pobre, filha de um erudito azarado. Quando Bluma fica órfã, os pais de Hirsh acolheram-na em sua casa como empregada. Ela é quem dirige todos os trabalhos caseiros. Hirsh ama-a sinceramente, ela representa tudo no mundo para ele. Porém, de temperamento calmo, educado em um heder, não tem coragem de opor-se à mãe, Tsirl, que o força a se casar com Minna, sua igual, e que torna-se mãe de seus filhos. É um corte na sua vida. Por um lado, vive no bem-estar de uma vida familiar e pacífica, mas, por outro lado, seu coração desaprovou o autoritarismo de sua mãe. O amor por Bluma, que deixa a casa ao saber de seu casamento com outra, não é atingido. Ele procura esquecê-la, em vão, por meio de numerosas ocupações. Fica louco, e é internado num asilo. Está, então, no apogeu de seus sofrimentos. Ao sair de lá, transforma-se, recobra a sua calma e revê Minna sob uma nova luz.

Para Agnon, a loucura de Hirsh é um elo na corrente do destino que relembra, de uma certa maneira, a tragédia grega de Édipo. Sobre sua família pairava também uma maldição. O pai de Hirsh, Baruch Meir Hurevitz, deveria ter desposado a mãe de Bluma, mas casou-se com a rica Tsirl. A lição a tirar disso tudo é que uma mão misteriosa complica a vida, engendra a infelicidade e traz de volta a vingança dos pais sobre os filhos, já que a loucura e as penas de amor transmitem-se de uma geração a outra.

Com muita emoção, Agnon descreve-nos o destino de Bluma. Seu complexo de inferioridade, conjurado por um sentimento de orgulho, determina nela uma atitude de indiferença para com os homens, mesmo os que tenham por ela um sentimento sincero. Vinga-se, portanto, nos homens, mas não tira daí nem uma parcela de felicidade.

A construção desse romance é perfeita. Tem uma ação concentrada e uma impressionante riqueza de imagens, costumes hassídicos e sionistas do fim do século XIX na Galícia. A própria narrativa é característica de Agnon: arte narrativa ora idílica ora épica que recobre o tormento das almas e as tragédias da vida.

O estilo e o homem

Eis como se exprime Martin Buber sobre o estilo de Agnon: "Sua paixão não tem nada de superficial, é a emanação de seus sentimentos mais íntimos, como o pulso é a manifestação das batidas do coração. Nenhuma exaltação, mas lendo-o, lágrimas nos vêm aos olhos, e nisto está o melhor sinal de uma qualidade de escritor."

As desigualdades sociais são tratadas sem cerimônia e sem amargura. Ele diz: "O mundo se compõe dos que alcançam o êxito e arrebanham tudo, os outros lhes fazem confiança, e, por isso, não contam mais". Agnon está no seu estilo sempre original e vive com seus heróis. Pertence a esta categoria de escritores que, a canção ou conto terminados, não pensam mais neles. Retorna sempre aos seus heróis, pois vivem nele. Aumenta os contos e faz deles romances. (Jerusalém, no Hóspede de uma noite; Balak em Já é passado). Retoma poemas e contos e integra-os em romances. Suprime certos contos de novas edições, e nenhuma das edições de suas obras completas é igual à outra. Um de seus biógrafos, Ephraim Tsoref, muito ligado a ele, explica seu método de trabalho citando as próprias palavras de Agnon: "Nunca estou satisfeito, sempre me parece que é preciso melhorar mais e mais. Nunca se deve dizer: 'terminei'. Que nenhum dos meus biógrafos ou críticos leve em conta as primeiras edições de meus contos. Entre a primeira e a última existem mudanças fundamentais."

Ele gosta do mundo de seus heróis, já que é seu próprio mundo. Diz: "Alguns lerão meus livros como fantasias, outros aprenderão qualquer coisa; eu mesmo acredito na fantasia." Poderíamos pensar que, estando de tal maneira arraigado na vida judaica, teve apenas horizontes limitados cuja estreiteza o impediu de compadecer-se. Não é nada disso. Seria aliás anormal que um escritor tão ligado ao homem, e de uma fé tão profunda, se fechasse em seu pequeno universo pessoal como numa torre de marfim.

Grande número de seus contos são autobiográficos e constatamos que os anos passados na Alemanha deixaram uma marca profunda em sua obra.

Gostaria apenas de citar o começo de um conto intitulado "Até lá", para fazer compreender melhor, por um lado, seu estilo e o realismo que testemunha para com a vida quotidiana, e, por outro, a maneira por que participa do sofrimento de homens pertencentes a outras nações, e, particularmente, à Alemanha.

Um exemplo de altruísmo

"Durante a guerra, vivi na parte oeste de Berlim, numa pequena pensão... lá encontrei um quarto com um balcão. O quarto era pequeno, como aliás o era o balcão, mas para uma pessoa como eu, que se satisfaz com pouco, era, apesar de tudo, um lar. Durante o tempo em que vivi lá, não falei nem com o o proprietário, nem com os pensionistas. Todas as manhãs, a empregada trazia-me um bule de café com duas ou três fatias de pão, e, uma vez por semana, a conta, que se tornava cada vez maior na medida em que o pão se tornava mais fino e o café menos saboroso. Eu colocava na bandeja o dinheiro pelo alojamento e pelo serviço. A empregada, que compreendera que eu não gostava de tagarelar, entrava e saía sem dizer uma palavra. Um dia, como que a contragosto, contou-me certas coisas sobre a pensão; que a proprietária, a Sra. Tratzmüller, era viúva, que seu marido tombara no front, deixando-a com três filhas e um filho, que esse último partira para a guerra, e não se sabia se estava morto ou prisioneiro. Há muitos mortos, prisioneiros ou desaparecidos durante uma guerra... como encontrar este ou aquele; uma agulha num palheiro! A mãe e suas filhas não tinham importunado os pensionistas com suas inquietudes e os pensionistas não se haviam preocupado de saber se seu filho havia desaparecido. Cada um preocupava-se apenas com seus próprios afazeres, já que nenhum coração está livre para as angústias de outro. Para mim. que sou sujeito a insônias, escutei, noites inteiras, os lamentos da mãe chorando seu filho."

Lemos essas poucas linhas como um documento lancinante sobre o amor humano; essas poucas frases não contém uma palavra a mais, e apesar desta concisão, ficamos perfeitamente informados sobre os costumes, o caráter das personagens etc.

A mestria do estilo, a riqueza da linguagem, a elevação moral só poderiam atrair a atenção do leitor.

Uma reputação merecida

Não é portanto de impressionar que Agnon esteja em Jerusalém rodeado de uma estima extraordinária. O conselho municipal fez colocar uma placa nas proximidades de sua casa onde podemos ler: "Silêncio, respeito pelo trabalho de Agnon", como em Tel-Aviv, para a casa onde viveu Ahad Ha am. Antes de ser laureado pela Academia Sueca, Agnon já recebera, em seu pais, várias distinções e prêmios, e desde seu quinquagésimo aniversário, cada novo decênio foi festejado publicamente com estrondo. Recebeu o Prêmio Ussichkine em 1946 por Já é passado, e a metade deste prêmio ele a doou a uma obra de educação para crianças. É também duas vezes titular dos prêmios Bialik por No oco do oceano, em 1934, e por O hospede de uma noite, em 1950. Recebeu duas vezes o prêmio do Estado de Israel, em 1954 e 1958. A Universidade de Jerusalém lhe outorgou o título de doutor honoris causa. É interessante conhecer, mesmo superficialmente, algumas motivações desses prêmios. Como exemplo, usemos as palavras do Reitor da Universidade de Jerusalém, durante a cerimônia da entrega dos prêmios: "Ele enobreceu o judeu do passado com seus costumes, seus hábitos e suas aspirações no Dote da noite; no Hóspede de uma noite, colocou em foco o pensamento dos judeus do leste, mergulhados na aflição perante  seu destino terrivelmente vacilante; em Já é passado, toma o caminho de uma Palestina cheia de complicações. Pinta também o indivíduo e seu mundo interior com uma grande exatidão e uma grande penetração em Uma simples história. Nas suas novelas curtas, encontrou um meio de englobar ao mesmo tempo os indivíduos e a sociedade, graças à força e a concisão que são próprias de um grande artista, guardando um sentido profundo das aspirações do povo. Agnon atingiu assim o estágio de perfeição que honra a literatura hebraica e ocupou um lugar especial como renovador de um estilo em que o hebraico antigo funde-se com o novo de uma maneira maravilhosa."

O Professor Klausner, erudito historiador da literatura hebraica, que presidiu o júri do prêmio Ussichkine, motivou assim sua escolha: "O livro é grande em quantidade e qualidade. A Palestina que nele se acha pintada é aquela de antes da Declaração Balfour. Abrange um largo panorama, testemunhando no autor um dom de observação aguda; as descrições das paisagens esclarecem o texto já rico de diferentes tipos de humanidade, retratados com uma grande realismo. Agnon faz reviver para o leitor Jerusalém e Jafa assim como os acontecimentos que preparam os grandes dias consecutivos  à Declaração Balfour. O pano de fundo sobre o qual estão bordados grandes e pequenos acontecimentos é tão vasto e alto em cores que transborda a moldura de um livro normal. Suas personagens formam uma coletividade viva e geradora de uma nova vida no velho país. Não é um romance comum, mas uma epopeia, um poema em prosa. Em poucas palavras, podemos dizer que possuímos poucas obras do valor de Já é passado."

Agnon é, sozinho, uma espécie de bandeira, e sua opinião tem autoridade no país. Ele é, aliás, convidado a todas as manifestações nacionais, onde sua voz é muito escutada.

É um crente, mas não de uma tolerância exemplar: como o atestam, por exemplo, estas frases características pronunciadas por Jehudah Mendel Hassid em No oco do oceano: "Satã não tinha necessidade de ter muito trabalho comigo, seríamos bons vizinhos. Quando decidi vir para a Palestina, disse-lhe: 'Por que é que você está tão preocupado com a minha partida? A Palestina não é feita só para anjos. Então por que é que eu devia me abster de ir para lá? Assim que Satã escutou este raciocínio, deixou imediatamente de me atrapalhar."

Verificamos que Agnon não é um fanático, e seu herói, um hassid, não vê somente a Palestina celeste, mas também a Palestina terrestre. O Sr. Neher tem razão: ele colocou perfeitamente em destaque o fato de que se certas personagens de Agnon tentam salvar-se dos pogroms graças ao canto dos salmos, o próprio Agnon sabe que os versos não bastam para preservar da morte, pois é um realista.

Um crítico literário conhecido em Israel, Blatt, aprecia Agnon como o escritor que restabeleceu um vínculo entre o passado e o presente; tendo insuflado uma alma judia na literatura, realizou assim uma síntese da literatura hebraica e da literatura mundial. O mesmo crítico vê em Agnon um escritor revolucionário que utiliza meios conservadores, um poeta épico cujos temas são frequentemente religiosos. Mas o próprio homem é um europeu que soube conservar a sua judeidade e não encontra nela nenhuma contradição com os tempos modernos.

Graças a Agnon a literatura hebraica recebeu um ímpeto. Ele cantou o canto do cisne do povo judeu da Polônia e tornou-se o arauto de uma nova pátria.

T. Rübner, tradutor de Agnon em alemão, faz uma observação muito justa quando diz que o prêmio recebido por Agnon em Estocolmo é, numa certa medida, atribuído a toda uma época da história judia integrada  por Agnon em suas obras. A recompensa vai atrair ainda a atenção sobre o mestre escritor. Todo judeu redescobrirá em sua obra o mundo de seus antepassados: costumes, sonhos e pensamentos; um não-judeu descobrirá aí um mundo de maravilhas e, sob uma forma que, talvez, o surpreenda em seu íntimo, os sentimentos humanos que são os seus.


* Este texto é uma tradução de Cora Rónai Vieira e foi publicado originalmente como estudo introdutivo a Noivado e outros contos, de Shmuel Agnon, publicado pela Editora Opera Mundi (Rio de Janeiro, 1973).

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