Miacontear - O nome gordo de Isidorangela
Por Pedro Fernandes

Não é apenas no nome que Isidorangela traz um transbordamento de forma. Ela é gorda, 'sobrada' de si mesma. "Ela e o planeta: dois círculos concêntricos. O 'Munomento'". Num tom de galhofa, aliás, este é o conto mais engraçado de todo O fio das missangas, assistimos um narrador às voltas com uma ideia fixa de um pai, que enxerga na Isidorangela, uma espécie de futuro promissor para o filho e claro (!) para própria família. Tudo isso porque a menina, "um algodão-de-açúcar, com seu vasto vestido de roda, toda em pregas rosáceas", nada mais é, do que filha do presidente da câmara, o Dr. Osório Caldas.
Esse conto carrega, na verdade, antes de passarmos ao tão famigerado plano do pai desse menino, traços muito marcantes do pensamento colonizado. A ideia da troca de favores, do jeitinho social para se dá bem na vida, o sentimento de inferioridade perante aos do topo e ainda os veios de um preconceito sob todas as faces - da cor, da linguagem, do corpo - estão aí impregnados.
Mas, voltemos ao enredo. Depois de tanto ouvir os resmungos da mãe tomada de certos ciúmes com toda idolatrização do pai para com o figura do Dr. Osório Caldas, o pai alinha o filho e vão os dois à casa do presidente da câmara. O motivo, descobre, quando a esposa do presidente da câmara liga numa vitrola uma valsa e manda o menino convidar Isidorangela para "voltear". Os dois, o pai e a esposa do presidente da câmara parecem estar mal condunados a oferecer o "Monumento" em casamento ao menino. Ressabido da ideia, mas encantado pelo algodão doce, o menino toma Isidorangela pelo braço e perde-se entre "a agonia dos pés e o deleite dos açúcares desfazendo-se-me na boca".
A dança será motivo para além desse deleite a confirmação ou pelo menos a introdução de algumas suspeitas que deverão ficar em suspense na narrativa. Aliás, Mia Couto, é mestre nisso. Suas narrativas sempre se compõem nos interstícios do sentido e aquilo que pode significar 'isso' também pode, noutra margem, significar 'aquilo'. Aqui, a suspeita de que Isodorangela, na verdade seja sua irmã e isso justificaria três outros pontos em suspense no texto: o porquê da idolatria de seu pai pelo Dr. Osório Caldas, o porquê daquela dança cúmplice de seu pai com a esposa do presidente da câmara e ainda o porquê dessa sua ideia de um casório entre ele e Isodorangela: "E eu senti nela, estranhamente, um odor suado que era, afinal, o meu próprio natural perfume. Senti o cabelo dela, encarapinhado, por baixo da lisura aparente. E olhando, quase a medo, revi sob o redondo rosto a ruga de família, o sinal que eu acreditava ser obra exclusiva da minha genética." ¹
Esse conto carrega, na verdade, antes de passarmos ao tão famigerado plano do pai desse menino, traços muito marcantes do pensamento colonizado. A ideia da troca de favores, do jeitinho social para se dá bem na vida, o sentimento de inferioridade perante aos do topo e ainda os veios de um preconceito sob todas as faces - da cor, da linguagem, do corpo - estão aí impregnados.
Mas, voltemos ao enredo. Depois de tanto ouvir os resmungos da mãe tomada de certos ciúmes com toda idolatrização do pai para com o figura do Dr. Osório Caldas, o pai alinha o filho e vão os dois à casa do presidente da câmara. O motivo, descobre, quando a esposa do presidente da câmara liga numa vitrola uma valsa e manda o menino convidar Isidorangela para "voltear". Os dois, o pai e a esposa do presidente da câmara parecem estar mal condunados a oferecer o "Monumento" em casamento ao menino. Ressabido da ideia, mas encantado pelo algodão doce, o menino toma Isidorangela pelo braço e perde-se entre "a agonia dos pés e o deleite dos açúcares desfazendo-se-me na boca".
A dança será motivo para além desse deleite a confirmação ou pelo menos a introdução de algumas suspeitas que deverão ficar em suspense na narrativa. Aliás, Mia Couto, é mestre nisso. Suas narrativas sempre se compõem nos interstícios do sentido e aquilo que pode significar 'isso' também pode, noutra margem, significar 'aquilo'. Aqui, a suspeita de que Isodorangela, na verdade seja sua irmã e isso justificaria três outros pontos em suspense no texto: o porquê da idolatria de seu pai pelo Dr. Osório Caldas, o porquê daquela dança cúmplice de seu pai com a esposa do presidente da câmara e ainda o porquê dessa sua ideia de um casório entre ele e Isodorangela: "E eu senti nela, estranhamente, um odor suado que era, afinal, o meu próprio natural perfume. Senti o cabelo dela, encarapinhado, por baixo da lisura aparente. E olhando, quase a medo, revi sob o redondo rosto a ruga de família, o sinal que eu acreditava ser obra exclusiva da minha genética." ¹
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¹ COUTO, Mia. O fio das missangas. São Paulo: Companhia das Letras 2009, p.63.
Comentários
Narroterapia:
Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.
Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.
http://narroterapia.blogspot.com/