Aristófanes ilustrado por Pablo Picasso

Lisístrata vista por Pablo Picasso.



Uma das inquietações para que inventássemos uma coluna dedicada à relação entre ilustração e literatura foi, além da constância unificadora entre as duas expressões criativas, o fascínio produzido pela descoberta dos encontros por ela propiciados, muitas vezes marcado pela conjunção de dois limites altos das duas artes. Por exemplo, quando Salvador Dalí se debruça sobre um livro como Alice no país das maravilhas ou Dom Quixote, ou quando Henri Matisse propõe gravuras ao Ulysses, de James Joyce, ou ainda quando Candido Portinari revê a obra de Cervantes pela visada poética de Carlos Drummond de Andrade...

Outro desses encontros foi o de Pablo Picasso e uma obra clássica da literatura grega. Este foi fruto da idealização do empresário George Macey, que fundou uma espécie de editora com edições limitadas ainda nos idos de 1929. Sua ideia: ter uma marca especializada na recriação de grandes obras da literatura pelo olhar de grandes mestres das artes plásticas.

Foi Macey que, em 1934, encomendou a Pablo Picasso as ilustrações de Lisístrata, de Aristófanes. Aceite o convite, o artista produziu um conjunto de desenhos que escapa a sua marca pela leveza e simplicidade do traço, reapropriando-se, por exemplo, do traço dos desenhos de Aubrey Beardsley, na edição até então mais famosa da obra. Evidente que o tom das suas gravuras não se guia apenas pelo material cômico da peça grega, mas quer encontrar nesse lugar do cômico, o sensual. Ele também incorpora uma simplicidade quase infantil para os desenhos. 

Lisístrata é uma comédia produzida ainda no ano 411 a. C. Foi escrita numa época em que Atenas atravessava um período difícil de sua história: o sangrento conflito entre gregos e espartanos, tendo as tropas do primeiro exército sido abandonadas pelos aliados já então decididos pelo recuo das investidas. Compreendendo que o momento também era o de por fim ao conflito, as mulheres das cidades gregas unem-se por uma greve de sexo até que os companheiros deixassem a guerra de lado e estabelecessem a paz.

O efeito cômico construído por Aristófanes está não apenas na atitude das mulheres, mas o modo como são processadas as cenas até que o desfecho seja favorável a elas. O traço “infantil” de Picasso talvez seja um modelo de exploração desse efeito cômico, compreendendo também que acontecimento está situado numa infância da discussão dos direitos individuais e da exploração da igualdade entre os sexos.  

Aqui, um catálogo com as ilustrações em questão.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Seis poemas-canções de Zeca Afonso

Boletim Letras 360º #636

A Sibila, de Agustina Bessa-Luís

Dez poemas e fragmentos de Safo

11 Livros que são quase pornografia

O abismo de São Sebastião, de Mark Haber