Boletim Letras 360º #246

Um filme sobre Lygia Fagundes Telles estreia no cinema. Mais sobre, ao longo deste Boletim.


O blog Letras in.verso e re.verso entrou na última semana dos 10 anos. E como gostaria de ter feito, pelo menos neste ano cabalístico, novas coisas! Ter encontrado novas vozes para engrossar o fraco coro dos despossuídos! Ter alimentado novas expectativas! Ter presenteado mais seus leitores! Mas não deu. Trabalho sobre pressão, sobretudo de tempo, e não é fácil. As mãos que ajudam são escassas e eu não tenho mais que palavras para dizer-lhes o quanto elas me fazem feliz porque tocam este projeto a respirar. As que apedrejam são tantas! Sobre essas não tenho nada a dizer. Quem muito apedreja pouco faz. E eu prefiro ficar ao lado dos que alguma coisa faz. Na próxima segunda-feira o Letras terá atravessado a fronteira para mais uma década. Mais uma – será? Não sei. O futuro não nos pertence. Mas, tomara! Neste tempo, o blog teve suas altas e muitas baixas. E se contar os desejos de ir mais adiante, os fracassos, que o empurrara para um lugar que não gostava de figurar, talvez são maiores. Ainda assim, resiste. E durante todos os anos de resistência ocorre-me uma só pergunta, talvez a que me mova: para que mesmo um blog para falar sobre o universo cada vez mais reduzido à ínfima parte da sociedade, num país de números cruéis, vis, escassos, de parca esperança até para a vida, que dirá para a arte, onde a gente pouco sabe ler, pouco lê, e os que leem pouco se permitem a conhecer novas escritas? Números e números positivos se acumularam frente aos fracassos e têm alimentado a certeza que foi chegar até aqui. Números felizmente positivos, apesar dos fracassos. Produtivos não. Que produtivo seria viver desse exercício e modificar a vida, para melhor, dos que aqui acompanham. Este é um blog que não lucra nada. Pelo menos para meus bolsos; e receio que não tenha modificado, assim como utopicamente imagino, a vida das pessoas que por aqui passam frequentemente. Assim, só penso o contrário: é um projeto que só me oferece despesas; e lembro que, das quase duas centenas de livros sorteados, por exemplo, duas dezenas talvez tenham sido ofertas e o mais do meu bolso. E há outras despesas financeiras, e as mais caras, as simbólicas. O tempo, ah o tempo! O que eu faria com o tempo que passo para sustentar este blog? Leria mais, daria melhor atenção aos amigos, viveria mais nas redes sociais falando amenidades, trabalharia mais com meus alunos, dormiria mais, teria menos preocupações... Possivelmente. Mas, não estou para cobrar por elas. Que o que faço é minha maneira de gritar contra as trevas que tomam conta deste país. As despesas financeiras não contam. As do tempo pesam; mas essas são incalculáveis! Como incalculáveis são o esforço e o suor dos que aqui escrevem. Eu não quero palavras de consolo; dez anos depois eu só queria a resposta que nunca terei para pergunta de sempre: por quê? (Pedro Fernandes / editor)

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Abaixo as notícias copiadas esta semana no Facebook do Letras.

Segunda-feira, 20/11

>>> Brasil: Eis o primeiro livro de Liudmila Petruchévskaia por aqui

Havíamos anunciado há alguns meses sobre a chegada de Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha. E aí está. Petruchévskaia pertence ao grupo de escritores que não encontram equivalente em nenhum outro autor, tradição ou país. Considerada por alguns herdeira de Allan Poe e Gógol, a maior autora russa viva combina o contexto soviético em que produziu grande parte de sua obra com uma realidade povoada por assombrações, pesadelos, acontecimentos macabros e personagens sinistras. O resultado são histórias sobrenaturais que retomam a tradição dos contos folclóricos, porém dotadas de um humor contemporâneo e de uma carga política que não precisa se expressar diretamente para existir, pois, assim como não é à toa que a autora teve sua obra banida da União Soviética até o final dos anos 1990, tampouco é por acaso que ela recebeu em 2002 o prêmio de maior prestígio na Rússia pelo conjunto de sua obra. A edição é da Companhia das Letras.

>>> Brasil: O segundo romance de Oscar Nakasato, autor revelação

Nihonjin foi o título que apareceu como o Melhor Romance de 2012 no Prêmio Jabuti — aposta esperada por ninguém, mas o suficiente para projetar seu autor. Agora, Nakasato volta à ficção com Dois, um romance que explora a relação entre irmãos. Zé Paulo é conservador e metódico; Zé Eduardo é irrequieto e instável; irmãos que jamais se sentiram assim. Enquanto a narrativa coloquial do primeiro revela preconceitos e julgamentos, a do segundo se caracteriza pelas reflexões de uma pessoa que já não se reconhece na própria família. Zé Paulo vive em Maringá, onde se casa e tem três filhos. Zé Eduardo parte para São Paulo, onde luta contra a ditadura, é perseguido e acaba exilado. Quando retorna ao Brasil, procura o irmão, mas a aproximação é impossível. O livro publicado pela Tordesilhas é uma história dramática que mergulha fundo nos segredos que aproximam e separam uma família. Com seus personagens marcantes, Oscar Nakasato desperta no leitor uma sensação de "ame ou odeie", sem que seja possível sentir qualquer dessas coisas por completo.

Terça-feira, 21/11

>>> Brasil: Como se faz uma novela, de Miguel de Unamuno

Essa obra é um exemplo primoroso da capacidade literária de Miguel de Unamuno, um dos mais prolíficos e bem-sucedidos autores da língua espanhola, ainda em pouca circulação no Brasil. Na obra, parte de uma espécie de relato pessoal, político e filosófico para endereçar problemas mais caros ao escritor basco: questionamentos sobre a existência humana, pergunta pelos fundamentos e limites da religião, a aferição sobre a potência dos gêneros literários e, não sem um ponto de ironia e tragicidade, a consideração sobre a própria produção da escrita e da leitura. É um livro que dialoga com a expressão novelística de seu tempo, que posiciona perante as produções de André Gide e Marcel Proust, mas que não deixa de reportar-se à tradição reavivada por Unamuno. São convocados Cervantes, Góngora e Kierkegaard, não como detalhes de erudição, mas como força de carne e osso que permite ao autor expressar o mais presente, o próprio ato de escrever. Ao leitor atento não escapará o assombro perante o título, pois Unamuno não nos ensina como escrever um romance, mas ensina-nos como se faz uma novela, esta novela que ele empreende com tanto afinco, porque a novela é feita assim como se faz a vida, fazendo-se. A tradução de Lucas Piccinin Lazzaretti sai pela Editora da UFPR.

>>> Brasil: Um retorno à obra de Sam Shepard 

Grande sobre o céu, Cruzando o paraíso, Louco para amar, Crônicas de motel, A lua do falcão, Quatro peças são algumas das obras de Sam Shepard já publicadas no Brasil; grande parte delas há muito fora de catálogo. A chegada de Aqui dentro pela Editora Estação Liberdade pode significar a reabertura de um interesse por sua obra. A obra agora publicada é apresentada como uma proeza reunindo memória, mistério, vida e morte. Aqui de dentro, o romance evocativo e cortante de Sam Shepard, começa com um homem em sua casa ao amanhecer, cercado de álamos e coiotes uivando ao longe, enquanto percorre em silêncio a distância entre o presente e o passado. É tomado de lembranças, em ondas crescentes: vê-se mentalmente num trailer na locação de uma filmagem, o rosto de sua juventude refletido num espelho cercado de lâmpadas. Em seus sonhos e visões, vê o seu finado pai — às vezes em miniatura, às vezes pilotando aviões, às vezes na guerra. Vê sucessivamente a América desaparecida da sua infância — o sítio e as fazendas de engorda de gado, os pátios ferroviários e os restaurantes de estrada — e, presença que mais o persegue, a jovem namorada do pai, com a qual também se envolve, desencadeando uma tragédia que não o abandona mais. A sua complexidade interior se filtra em panoramas montanhosos e desérticos, enquanto percorre o país de carro, movido a jazz, benzedrina, rock and roll e uma inquietação nascida do exílio. O ritmo teatral, a linguagem poética e o humor áspero se combinam nessa impressionante reflexão sobre a natureza da experiência, ao mesmo tempo contemplativa, surreal, pungente e inesquecível. O livro traz prefácio de Patti Smith.

Quarta-feira, 22/11

>>> Brasil: Lembram do documentário Lygia, uma escritora brasileira, produzido pela TV Cultura? Então, a partir do dia 23 de novembro, estreará nos cinemas do Brasil

Com depoimentos de personagens que marcaram a história da escritora e utilizando o vasto material do acervo da emissora, o filme leva ao telespectador características pouco conhecidas da autora, além de evidenciar a contemporaneidade de sua obra. Para desenhar a trajetória de Lygia, o documentário parte da seguinte premissa: o que faz com que uma escritora com mais de 80 anos de atividade literária ainda seja contemporânea? Como suas obras estabelecem um diálogo com jovens gerações de blogueiros e ativistas ao mesmo tempo em que mergulham em uma São Paulo que já não existe mais? Estes conceitos embasam o filme que, sem esquecer dos momentos mais importantes da vida da autora, revela também suas facetas até então pouco conhecidas. Para compor a narrativa, amigos e familiares dão seus depoimentos sobre a escritora. São entrevistados nomes como Tati Bernardi (escritora), Paulo Werneck (jornalista), Jô Soares (apresentador), Marcelino Freire (escritor), Walnice Nogueira Galvão (crítica literária), Paulo Bomfim (poeta), Manuel da Costa Pinto (crítico literário), Anna Maria Martins (escritora), Ignácio de Loyola Brandão (escritor), Jayme da Silva Telles (ex-cunhado de Lygia) e José Fernando Martins (amigo de Lygia). Além deles, a atriz Guta Ruiz recita alguns textos da autora ao longo do documentário que tem direção de Helio Goldsztejn.

>>> Brasil: Em 2018, as novas traduções de livros de Kazuo Ishiguro

A notícia foi divulgada n'O Globo; os livros sairão pela mesma casa editorial de Ishiguro no Brasil, a Companhia das Letras. A sequência de novos títulos inclui An artist of floating world (Um artista do mundo flutuante), A pale view of hills (Uma pálida visão dos montes) e The uncolosed (O desconsolado). Ao contrário da notícia divulgada no jornal carioca, as obras não são inéditas em língua portuguesa. Todas elas já foram publicadas no Brasil pela Editora Rocco no passado; as novas traduções começarão a vir a lume provavelmente a partir do próximo ano.

Quinta-feira, 23/11

>>> Reino Unido: A emissora BBC adaptará a aclamada obra de Victor Hugo para a televisão

O roteiro é assinado por Andrew Davies (de House of cards). A nova série terá 6 episódios, e as gravações começam em 2018, com locações na Bélgica e norte da França. Originalmente publicado em 1862, o romance acompanha o fugitivo Jean Valjean, um ex-prisioneiro que luta para escapar dos erros de seu passado enquanto é perseguido pelo impiedoso policial Javert. Além de um renomado musical de palco, a obra já recebeu inúmeras adaptações de audiovisual, sendo a mais recente um longa estrelado por Hugh Jackman (imagem) e Russel Crowe em 2012.

>>> Brasil: Andaimes, de Mario Benedetti, é o novo título da coleção ¡Nosotros!

Neste romance, Benedetti dá, em tom bastante pessoal, sua visão do retorno ao lar depois de anos de exílio. Um reencontro tão almejado quanto impossível. Após viver vários anos exilado na Espanha, Javier retorna ao Uruguai para reconstruir a vida, talvez do momento em que partiu. Gradualmente, ao longo de conversas e desencontros, cartas, notícias e reflexões — os andaimes de que fala o título —, percebe que a situação econômica e a política mudaram bastante, que os amigos e companheiros de luta transformaram-se em sentidos diversos, às vezes conflitantes. É necessário lidar com mágoas e decepções. A coleção ¡Nosotros! é editada pela Editora Mundaréu. Andaimes é traduzido por Mario Damato.

Sexta-feira, 24/11

>>> Polônia: Um grupo de arqueólogos encontrou, onde foi o campo de extermínio nazista Sobibor, na Polônia, um pingente idêntico ao que usava Anne Frank e este pode ser o elo de uma amizade

A peça estava entre outras pequenas joias no chamado "caminho para o céu", onde as vítimas eram obrigadas a se despirem e rasparem a cabeça antes de entrar nas câmaras de gás. A descoberta foi publicada no The Jerusalem Post; as escavações são fruto de uma parceria entre o Centro de Pesquisas do Holocausto na Polônia e o Instituto Internacional Yad Vashem para a investigação do Holocausto, iniciada em 2007, com o objetivo de estabelecer um museu e um memorial para as vítimas do campo de extermínio. A peça que é muito parecida com uma que pertenceu à menina que ficou famosa pelo diário no qual narrava seu dia a dia durante a ocupação nazista de Amsterdã traz gravadas as palavras hebraicas "Mazal Tov", "Hei" e três estrelas de David. O mais provável, entretanto, destaca o jornal, é que a peça tenha pertencido a Karoline Cohn, que foi deportada de Frankfurt para Minsk quando tinha doze anos. Se desconhece que tenha sobrevivido, mas seu pingente chegou a Sobibor, entre novembro de 1941 e setembro de 1943. Agora, os pesquisadores se concentram em investigar se as duas meninas chegaram a se conhecer nesse trânsito — já que nasceram e viveram no mesmo lugar.

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Comentários

Viviane Arenzano disse…
DESDE mocinha, foi minha inspiração de vida! obrigada LFT

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