150 anos do impressionismo

Por Veka Duncan

Claude Monet. Boulevard des Capucines, 1873.


 
Este é um ano de aniversários importantes para a história da arte, e um dos mais esperados é a comemoração dos 150 anos da primeira exposição impressionista. Lembremos, então, os acontecimentos daquele 1874, que revolucionou o mundo da arte.
 
Os artistas que hoje agrupamos na categoria de impressionistas atuaram desde a década de 1860, quando eram apenas estudantes de arte: Claude Monet, Pierre-Auguste Renoir, Alfred Sisley, Frédéric Bazille. O grupo foi acompanhado por Camille Pissarro, Paul Cézanne, Édouard Manet; este último tornou-se uma espécie de líder, pois já começava a ganhar popularidade fora dos círculos oficiais. Eles ainda não se autodenominavam impressionistas, eram conhecidos como o Grupo Batignolles, em homenagem ao bairro onde se reuniam. Estavam unidos por um espírito rebelde, pois se opunham à continuação das imagens idealizadas de cenas mitológicas, históricas ou religiosas, que a conservadora Académie des Beaux-Arts, Academia de Belas-Artes impôs como o cânone do bom gosto.
 
Inspirados pelos pintores realistas que os precederam, como Gustave Courbet, e pelos pintores paisagistas ingleses como John Constable e J. M. W. Turner, decidiram abandonar os estudos e sair pelas ruas e pelo campo, para retratar a vida tal e como era. Começaram também a experimentar, passando do fino manejo do pincel que dominava o estilo acadêmico — e que tornava a mão do pintor quase imperceptível —, para pinceladas grossas, que tornavam evidentes as tintas a óleo. Aos poucos, a experiência ao ar livre gerou uma nova consciência em torno da luz, suas variações e cores, criando um novo conceito para a sua pintura, o do instante, e proporcionando maior relevância à percepção individual.
 
Eles haviam encontrado a voz, mas também enfrentavam um problema: a Academia ainda era a instituição que decidia qual artista a ela pertencia e qual não merecia a atenção do público. Isto acontecia através de uma exposição anual, o Salão de Paris. As obras participantes eram selecionadas por um júri formado por membros da própria Academia, que davam preferência às obras que mantinham os valores por ela definidos.
 
Para além dos prémios atribuídos, a entrada de uma obra no Salão era fundamental para obter reconhecimento e, portanto, encomendas. Escusado será dizer que os jovens que se rebelaram contra os temas e métodos da Academia enfrentaram dificuldades na inserção das suas peças no Salão. Em 1863, Napoleão III decidiu criar o Salon des Refusés, o Salão dos Rejeitados, para mostrar todas as peças que o júri se recusou a exibir. Foi aqui que o público pôde ver o que esses novos artistas propunham, porém a reação não foi favorável: poucos aceitaram essas novas tendências e, ao contrário, transformaram suas obras em objeto de ridículo.
 
Na década de 1870 existiam opiniões conflitantes em relação ao Salão dos Rejeitados: por um lado, havia artistas que exigiam que fosse novamente organizada a exposição, mas os seus pedidos foram negados pela Academia. Enquanto isso, outros começavam a obter algum sucesso entre os colecionadores de vanguarda e acreditavam que participar novamente entre os recusados ​​mancharia o seu prestígio. Foi então que, em 1873, surgiu do grupo original dos Batignolles a ideia de organizar uma exposição autogerida e independente. Copiando os estatutos de uma associação de padeiros, decidiram criar a Sociedade Anônima de Artistas, inicialmente encabeçada por Monet e Pissarro, que convocaram a adesão de outros pintores, com o apoio de Degas. Não foi fácil convencê-los, muitos acreditavam que o objetivo deveria ser entrar no Salão oficial. Houve também debate sobre a participação, mas a maioria tinha uma premente necessidade econômica e para superá-la tiveram que encontrar ou criar urgentemente os meios para dar a conhecer o seu trabalho.

Claude Monet. Impression, soleil levant, 1872.

 
A exposição finalmente aconteceu no ano seguinte, 1874, com 165 peças de 30 artistas, entre eles Monet, Degas e Pissarro, claro, além de Renoir, Sisley, Cézanne e Berthe Morisot, a pintora mais reconhecida do grupo. A galeria era o estúdio do fotógrafo Nadar no Boulevard des Capucines. Embora tenha reunido cerca de 3.500 pessoas, poucos foram os que realmente apreciaram o que ali foi mostrado; aliás, grande parte dos participantes aproveitou a ocasião para tirar sarro das novas tendências que ali foram expostas. Olhando retrospectivamente, nem todos colheram maus frutos, aliás, foi graças às críticas recebidas que ganharam o nome com que entraram para a história. Louis Leroy, o jornalista que escreveu a crítica mais ácida, aproveitou o nome do quadro estelar apresentado por Monet, Impression, soleil levant, para zombar: “Impressão! Claro. Deve haver uma impressão em algum lugar.” E foi assim que surgiu o termo.
 
Mas o legado da primeira exposição impressionista não se resume simplesmente na criação de uma nova categoria; teve consequências muito maiores. Embora seja verdade que a Sociedade Anônima de Artistas se dissolveu pouco depois do evento — com mais perdas do que ganhos — a experiência demonstrou que se poderia fazer exposições fora do circuito oficial. Na verdade, foi a primeira vez que se realizou uma exposição independente na história da pintura. Mais sete viriam entre 1876 e 1886, além de um leilão em 1875. Todos eles, totalmente autogeridos. Aos poucos, os impressionistas alcançaram não apenas reconhecimento e prestígio, mas também se tornaram um novo cânone que respondia à vida moderna. Além disso, abriram o precedente para o desenvolvimento das vanguardas, movimentos que acabariam por desconstruir qualquer vestígio da arte acadêmica.
 
Assim, a efeméride lembra mais do que uma simples exposição: trata-se da abertura a novas perspectivas e olhares sobre a realidade. E isso vale a pena comemorar. 



* Este texto é a tradução livre de “150 años de impresionismo”, publicado em El Cultural.

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