Saramago negro

Por Pedro Fernandes





1. Na terça-feira, 26 de maio de 2009, estive por ocasião do I Colóquio de Culturas Africanas, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, numa mesa de sessões de comunicação intitulada Navio Negreiros e coordenada pela professora Dra. Ilza Matias. Fiz uma fala em torno de uma questão, até então, creio ser inédita no campo da crítica em derredor da obra literária do escritor português José Saramago, que foi tratar a questão do negro e da África na prosa do autor.

2. A comunicação intitulada "Do negro e das africanidades em José Saramago, o silêncio de uma prosa de inquietação" (deve ser publicada em e-book) veio por lenha na fogueira num evento cujo fulcro estava centrado nas re-afirmações de uma identidade secularmente segregada que é a do negro. Prova disso é que a maioria das sessões de comunicação que se voltava a uma literatura que trate das questões estava ela fixada em torno da obra do escritor moçambicano Mia Couto - que não entendo até agora (mesmo depois de tantas falas) atrelar especificamente a sua literatura como tratar exclusivamente das questões africanas; a mim me parece que Mia trata muito mais das questões existenciais que varre todos nós humanos, negros ou brancos, africanos ou não, nessa contemporaneidade, do que levantar bandeira acerca das volições em África. E vejo que ele é aceito nas rodas literárias europeias mundo afora, muito mais até que no Moçambique, por tais questões; a prova está aí, os moçambicanos, dizem, não veem Mia com os olhos que daqui vemos.

3. Acho que ainda devemos tomar cuidado com as rotulagens. Não sei... A verdade é que estudar Mia Couto está em voga, mas senti falta daquele sujeito que se diz não melancólico como os portugueses, mas que tem tecido críticas meio desajeitadas a alguns outros escritores, falo do angolano Agualusa. Não vi nada sobre.

4. Mas voltando ao fogo da fogueira, o fato se deu porque o olhar que deitei ao silêncio de Saramago para com a questão do negro e da África não foi o olhar do que Portugal e a Europa foram ao longo de tantos anos para com o continente e também para com o Brasil, isto é, o olhar de colonizador, mas li o silêncio de Saramago para com a questão como algo que se dá pela ausência em sua biografia de relações diretas para com o negro e aquele continente, tirando o seu bisavô, relembrado num fragmento de memória exposto na crônica "Retrato de antepassados", de A bagagem do viajante - foi este o fragmento que li para este texto -, até então não tinha visto mais nada sobre.

5. A discussão caminhou tão bem em torno disso, que certamente na ocasião de outro evento semelhante voltarei a tocar novamente na questão. Vejo certos discursos dos que circularam por este evento como meio taxativos: o colonizador como vilão da história. Não quero defender os processos de colonização, todos eles são devastadores, certamente, isso não é possível ir contra, mas acho que a questão precisa ser vista com o outros olhos além da mera oposição colonizador-colonizado.

6. Quando redigi "Do negro e das africanidades em José Saramago, o silêncio de uma prosa de inquietação" redigi com a perspectiva de que esse seria um ensaio isolado dentro dos vários textos de abordagens diversas que tenho escrito sobre o escritor, entretanto, o resultado das questões colocadas pela apresentação deixou-me em débito e vendo a necessidade de mexer mais nessa panela, ainda mais quando dou de cara no blog pessoal do escritor, O caderno de Saramago, com três textos que mais do que aquele lampejo de memória em "Retrato de antepassados" vem tratar diretamente acerca da questão do negro: o primeiro é "106 anos", um texto acerca de Ann Nixon Cooper, mulher negra apresentada como símbolo da resistência a segregação racial estadunidense, citada no discurso de posse do presidente Barack Obama; o segundo é "Rosa Parks", um texto acerca de uma negra que se recusa a dar assento a um branco numa lotação com assentos separados para brancos e negros das que foi muito em voga nos Estados Unidos nos já referidos tempos de segregação racial; e o terceiro texto é "Receita para matar um homem", uma crônica publicada entre os anos de 1968-69 e transcrita na íntegra no blog do escritor, que trata do líder Martin Luther King.

7. Soma-se a esse material, uma conferência, possivelmente meio esquecida e desconhecida, apresentada no Rio de Janeiro, cujo título foi "Os escritores perante o racismo". Este é um texto de 1996, que só tomei conhecimento depois de todo imbróglio. A quem se interessar, pode buscá-lo no livro Raça e diversidade. A publicação da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) data do mesmo ano e foi organizada por Lilia Moritz Schwarcz e Renato Silva Queiroz. 

8. Mas, até então, acho que não podia deitar outro olhar para com a questão que não o biográfico até então e ainda devo insistir na questão. Não é o fato de ser José Saramago de origem de um país colonizador que olhar dele deva ser única e exclusivamente de colonizador. Há que se pensar nisso também.

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