Estamos na merda e sobra pouco para afundarmos de vez

 Por Pedro Fernandes

Mira Schendel



Uma dessas pesquisas que existem para comprovar o já sabido constatou que o brasileiro lê pouco. Mas, lê tão pouco que foi mais fácil divulgar os números da catástrofe e não os números positivos: são 77 milhões de não-leitores, dos quais 21 milhões são analfabetos; os leitores somam 95 milhões, e leem, em média, 1,3 livro por ano. Incluídas as obras didáticas e pedagógicas, que são em grande parte os livros obrigatórios para estudo, o número sobe para 4,7. 

Os dados estão na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita com 5.012 pessoas em 311 municípios de todos os estados em 2007. Os detalhes sobre hábitos do brasileiro relacionados ao livro, revelados na pesquisa, atestam esta afirmação. O levantamento considera como não-leitores aqueles que declararam não ter lido nenhum livro nos últimos três meses, ainda que tenham lido ocasionalmente ou em outros meses do ano.

Tudo isso só vem explicar uma coisa: nosso nível cultural encontra-se à beira do barbarismo gutural e a capacidade de percepção da moléstia que corrói as entranhas desse país abaixo do grau zero da mentalidade comum. A nossa incapacidade, por exemplo, de votar conscientemente e encontrar saídas coletivas para outro Brasil, o sempre colocado no horizonte de nossas expectativas, deve-se a números negativos como os da pesquisa.

Entretanto, devemos considerar uma variedade de problemas que só contribuem para dados tão vergonhosos: um grupo seleto de professores que amam detestar ler; o preço do livro sempre pela hora da morte, apesar de algum incentivo do estado; o sucateamento das bibliotecas públicas - umas até chegam a ser confundidas com monturos; e outros efeitos culturais impregnados no dia-a-dia do brasileiro. 

Todos esses fatores nos levam a perguntar, como esses números poderiam ser outros. Se o governo, que no ápice da crise teve gabarito para reduzir impostos de tudo e os dos livros nem uma vírgula de porcento, nada fez, cabe a nós cobrar. Paremos de sonhar com esse apogeu dos números em melhoria da educação, que, tenho comigo, são cuidadosamente fabricados nos fornos das empresas de estatística. 

Afinal, se com bens como o livro, é assim que se age; se o nível de leitura é este lastimável, que razões posso ter para acreditar no tal avanço da educação brasileira? Só se for no lugar em que sempre esteve: na merda. E sobra pouco para afundarmos de vez.

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