Oswald de Andrade


O poeta Oswald de Andrade, aos 21 anos. 


As coisas são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vem
Não em vão
As horas
Vão e vem
Não em vão

(Oswald de Andrade, "Relógio")


Haroldo de Campos em seu ensaio Uma poética da radicalidade assim define a poesia de Oswald de Andrade: "Se quisermos caracterizar de um modo significativo a poesia de Oswlad de Andrade no panorama de nosso Modernismo, diremos que esta poesia responde a uma poética da radicalidade. É uma poesia radical." E emenda: "A radicalidade da poesia oswaldiana se afere, portanto, no campo específico da linguagem, na medida em que esta poesia afeta, na raiz aquela consciência prática, real, que é a linguagem."

A radicalidade de Oswald de Andrade é a de engendrar no material poético uma fala social, externa ao puritanismo lingüístico. Além do que, é a de reinventar a própria estrutural formal do poema (quando é o caso), que agora busca um despojamento e uma síntese (comprimidos, minuto de poesia). No já referido ensaio de Haroldo de Campos se desenha o entendimento que a "revolução copernicana" da poesia brasileira é dada pelo "Pau Brasil, de onde saiu toda uma linha de poética substantiva, de poesia contida, reduzida ao essencial do processo de signos, que passa por Drummond na década de 30, enforma a engenharia poética de João Cabral de Melo Neto e se projeta na atual poesia concreta".¹

Pau Brasil parece o livro feito para responder ao próprio chamado impresso um ano antes no manifesto cujo título é o mesmo e pregava, entre outros interesses, a busca pela "língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos." É o escritor obcecado por manter de pé e expandir as matrizes costuradas a partir e com a Semana de Arte Moderna de 1922. O Primeiro caderno do aluno de poesia reafirmará esse interesse educado nas fontes do primitivismo absorvido de Tarsila do Amaral quem, por sua vez, absorvera da moda corrente na Europa.

Mas a herança deixada por Oswald de Andrade não encerra na poesia ou no papel crucial para a organização da Semana de Arte Moderna, evento importante para apresentar ao país as diretrizes de um movimento que se expandirá, assumirá feições diversas, primando sempre uma arte brasileira, certo ou qualquer traço daquele primeiro instante do nosso nacionalismo formado ainda durante os últimos instantes da literatura romântica. 

Antes de chegarmos ao romancista, vale citar a obra que compôs para o teatro; assim, como na prosa, seu trânsito por aqui é irregular. Escreveu algumas peças menores como A recusa (1913) e O filho do sonho (1917), como O homem e o cavalo (1934) e A morta (1937). Mas, seu destaque foi, devido a adaptação hoje célebre de José Celso Martinez Corrêa, O rei da vela (1955).

A sua prosa experimentalista, o melhor do que produziu nessa seara, também são feitos como o melhor da sua poesia e do teatro da reelaboração (no sentido de laboração, trabalho) pelo avesso da linguagem objetivista, introduzindo outras maneiras/ formas de uso substancial do próprio gênero, fundindo-o à poesia, fazendo-o com os materiais de linguagens diversas. Foi esse trabalho de artífice com a palavra, seus tons, sons, gestos e sentidos o que faz de Oswald de Andrade alcançar o lugar da importância para a literatura nacional e a palavra de Antonio Candido, crítico e seu amigo, serve para justificar tal perspectiva.

A primeira obra de Oswald de Andrade como romancista é irregular, sobram um "gongorismo psicológico" e o desenho de estereotipias; suas figuras são feitas "de um só bloco, sem complexidade e sem profundidade, não passam de autômatos, cada um com a sua etiqueta moral pendurada no pescoço, Reina um convencionalismo total do ponto de vista psicológico", afirma Candido acerca de Os condenados (1922), o primeiro livro de uma trilogia que terá ainda A estrela de absinto (1927) e A escada vermelha (1934).² 

Memórias sentimentais de João Miramar (1924) e seu par Serafim Ponte Grande (1933) são, na compreensão do autor de Formação da Literatura Brasileira, duas das obras mais importantes na tábua bibliográfica do escritor aqui em destaque, embora não deixe de alfinetar o último romance, ao explicar que Oswald de Andrade parece esconder no estilo telegráfico e na síncopa certo comodismo ou preguiça de aprofundar problemas de composição. José Paulo Paes acentua a extravagância verbal formada por metáforas de impacto, rimas, aliterações, metonímias, oximoros, usos onomatopaicos tendendo à semantização, trocadilhos, deslocamentos dos adjetivos, de regência verbal, nominações grotescas, entre outros usos oferecem a qualidade que parece querer despontar com a Trilogia do exílio.

Além desses livros, no romance, saiu o díptico intitulado Marco zero e formado pelos livros A revolução melancólica (1943) e Chão (1945). O trabalho é, nos dizeres de Candido, uma síntese da prosa oswaldiana. Projetada para ser uma pentalogia brasílico-paulistana, a obra deveria cobrir o tempo histórico inaugurado com o fracasso da revolução de 1932 até alcançar os dias mais contemporâneos ao autor propondo-se a desnudar certa burguesia desnudando-a criticamente. 

Oswald de Andrade nasceu em 1890 e morreu em 1954. Sua importância para a literatura brasileira talvez nem esteja circunscrita ao seu trabalho literário, mas a permanente fonte de inquietação e o papel de agitador cultural naquele país tendendo sempre à pasmaceira e à carolice de certa burguesia sacudida apenas pela crise de capital tem valia continuamente, afinal, o Brasil esteve sempre seduzido por vias escusas, as vias que não são nossas, enquanto se acumulam a falta de solução para os nossos rumos.


Notas: 
1 As citações de Haroldo de Campos, do ensaio "Uma poética da radicalidade" estão no livro Pau Brasil, de Oswald de Andrade (Editora Globo, 2003).

2 O ensaio de Antonio Candido, referido e citado, é "Estouro e libertação" e está no livro Vários escritos (Livraria Duas Cidades, 1977).


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