Aproximações a Wisława Szymborska
Por Pedro Fernandes

Produz-se
incessantemente muitos filmes biográficos sobre grandes estudiosos e grandes
artistas. A tarefa dos diretores ambiciosos é representar de maneira crível o
processo criativo, que como resultado teve importantes descobertas científicas
ou a criação das mais poderosas obras de arte. É possível mostrar com algum
sucesso o trabalho de alguns cientistas: um laboratório, diversos instrumentos,
mecanismos postos em movimento são certamente capazes de manter tensa a atenção
da plateia. Além disso, existem os frequentes momentos de incerteza, será que o
experimento repetido pela milésima vez apenas com mínimas modificações irá
chegar ao resultado esperado? Também podem ser espetaculares filmes sobre
pintores, nos quais pode-se reconstruir todas as fases envolvidas no nascimento
de uma obra, dos primeiros traços às últimas pinceladas. Filmes sobre
compositores enchem-se com os primeiros compassos, audíveis para seus
criadores, até a forma madura do trabalho que espalha-se pelos instrumentos.
Tudo isso é uma sequencia de esboços ingênuos e não fala nada sobre o estranho
estado espiritual popularmente conhecido como inspiração, mas ao menos é algo
para se assistir e mesmo ouvir.
O pior é com
os poetas. Seu trabalho é desesperadoramente não fotogênico. A pessoa senta-se
à mesa ou deita-se no sofá olhando fixamente para a parede ou para o teto, de
tempos em tempos escreve sete versos, riscando um dali a quinze minutos, e
passa-se mais uma hora durante a qual nada acontece… Qual espectador aguentaria
ver algo assim?
Falei sobre
inspiração. Quando lhes perguntam “o que ela é” ou se “ela é”, os poetas quase
sempre respondem evasivamente. Não é por nunca terem sentido a benesse desse
impulso interior. A causa é outra. Não é fácil explicar aquilo que nós
mesmos não entendemos.
(Wisława
Szymborska, fragmento do Discurso perante a Real Academia Sueca quando da
recepção do Prêmio Nobel de Literatura)
***
A primeira
vez que ouvi falar sobre a poeta polonesa foi por ocasião de um desses eventos
acadêmicos dos quais sempre participo anualmente. Ela me veio através de um
poema sobre as torres gêmeas e ficou, desde então, sendo para mim o melhor
texto que conheço sobre o dia em que o século XXI começou para todos os devidos
efeitos, como bem definiu o poeta português João Ricardo Lopes numa de suas
entradas para o seu blog pessoal.
Hoje,
retorno à poesia de Wislawa para compor esta post depois de passar por alguns
dos poemas recentemente publicados no Brasil numa antologia intitulada Poemas, para dizer algumas palavras em forma uma homenagem a uma das grandes poetas do nosso século que veio à
morte no início do último fevereiro: a poeta foi vencedora do
Nobel de Literatura de 1996.
Filha de políticos do centro-oeste da Polônia,
Szymborska foi, por mudança da família, para Torún, em 1924 e depois, cinco
anos mais tarde, para Cracóvia, cidade situada às margens do Vístula, no sul polonês, onde viveu toda sua vida. Ter vivido todo esse tempo num lugar tacanho
aos olhos do mundo não fez da sua poesia uma obra tímida e reservada.
Ainda que não houvesse ganhado o Prêmio Nobel, sua obra correu o mundo.
Também não é escritora de uma obra grandes proporções; os números orbitam entre 250
a 330 poemas muitos circulando pelo Brasil em jornais e revistas ao longo de
anos até que a Companhia das Letras publicasse essa coletânea traduzida e
organizada por Regina Przybycien, em 2011.
Szymborska
ia bem nos estudos primários até que veio a Segunda Guerra Mundial. No período,
não os deixou, mas estudar, só em segredo, e em 1943, para evitar de ser
deportada para a Alemanha nazista, foi trabalhar nas estradas de ferro. É por
essa época que começou a escrever seus primeiros poemas. Em 1945, quando
começou seus estudos de Língua e Literatura polonesa na Universidade
Jagellonica, mais tarde mudaria para Sociologia e não concluiria o curso por
dificuldades financeiras, ela começou a envolver-se com artistas do grupo de
vanguarda Inaczej, conhecendo Czeslaw Milosz, que muito a influenciaria. Nesse
mesmo ano, ela publica seu primeiro poema "Szukam slowa", traduzido
para o português como "Eu procuro a palavra".
Em 1949,
teria seu livro publicado, mas foi impedida pela censura. Durante esse período,
a poeta trabalhava como secretaria de um revista bissemanal e como ilustradora
no mesmo periódico. Notadamente, vamos percebendo que sua obra vai se
configurando como uma árdua peleja, característica inerentemente (por destino
ou causa circunstancial) do próprio gênero poético.
Seu primeiro
livro só será publicado, então em 1952. Dois anos mais tarde, lançou o segundo
volume de poesia. Esses primeiros livros vieram bastante influenciados pela
ideologia oficial do regime socialista, o qual Szymborska apoiou até 1966, ainda que não tenha sido uma militante pública. Já
antes disso, vinha afastando-se do epicentro do partido, quando por exemplo, em
1957, a convite de Jerzy Giedoryc passa a escrever para o Kultura, um jornal
dissente. Esses foram livros que a poeta, por um certo tempo, chegou a renegá-los,
no período em que passou a lutar abertamente pela liberdade dos países que
viviam sob o regime da União Soviética.
"A
prática dos poemas de Wisława Szymborska está na perfeição da
palavra-objeto, na palavra-imagem primorosamente esculpida – allegro ma
non troppo, como um de seus poemas se chama. Mas uma escuridão que nunca é
diretamente tocada se faz perceptível, como o sangue que circula sob a pele.
Para Szymborska, como muitos poetas poloneses contemporâneos, o ponto de
partida é a experiência de uma catástrofe, o chão desmoronando sobre ela, o
completo colapso de uma crença. No lugar dela as condições humanas irrompem com
sua brilhante agitação inacessível, com suas rotinas e sua mesquinhez, com suas
lágrimas e seus gracejos, com sua ternura. Essas condições exigem uma linguagem
particular, uma linguagem que ponha as coisas em relação, uma linguagem que
começa metodicamente do zero. O caminho da linguagem passa pela negação – o
pré-requisito para poder construir o novo é construir do nada. Nesse ponto um
jogo de interpretação começa, a maravilhosa dramaturgia do mundo." - assim
se pronunciava o discurso que a anunciou a poeta como vencedora do Prêmio Nobel
em 1996.
Notas:
1. No site Meia
Palavra é possível ler na íntegra o discurso de Wislawa Szymborska.
Foi de lá que recolhi as notas para escrita desse post. Luciano R. M. fez
um belíssimo trabalho de tradução de todo material para aquele site.
2. No blog do caderno-revista 7faces é possível ler o poema que mencionei no
início da post e outros poemas de Wislawa Szymborska.
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