Millôr Fernandes

Por Pedro Fernandes 

Millôr Fernandes. Foto: Arquivo Folha de São Paulo


Alguém perguntou, no dia da morte de Millôr Fernandes, quem é Millôr Fernandes? A pergunta pode soar como uma dúvida sobre o desconhecimento da sua figura e, não perdendo esse sentido, mas ampliando-o - se no caso de uma pessoa instruída - soar como um deboche. 

Diferentemente de muitos escritores, a biografia de Millôr entrega um sujeito que viveu sem arroubos. Talvez eu não tenha autoridade para tanto, mas eu faria a mesma pergunta e com o sentido do deboche: quem, afinal, é Millôr Fernandes? 

O meu primeiro contato com os seus escritos vieram - como a maioria dos leitores - a partir das publicações de Millôr na revista Veja e, adolescente, nunca entendi a sua grafia. Parece que Millôr deu uma pausa por algum tempo no semanário e voltou anos depois. 

Reencontrei novamente com ele novamente aí e já leitor semi-formado, repito, permanecei sem entender sua grafia. Primeiro porque diziam-me - ou era meu ver que dizia - que aquela mistura de escrita com cartoon - ou seria cartoon com escrita? - era humor. E, se não me engano, humor faz as pessoas rirem. E, não minto, sempre fui incapaz de soltar nem que  fosse um risinho de canto de boca com os textos de Millôr. Vai ver que mesmo depois de ter passado por grandes obras literárias eu ainda seja incapaz de ler o humor.

Tanto que, na data da sua morte, foi nota em tudo quanto é rede social, o pesar pela morte do escritor e, mesmo quem não consegue ler uma obra literária digna do nome terá publicado um riso gráfico de um texto de Millôr ou dado os pêsames ao povo brasileiro pela perda de um grande escritor. 

Perdoem-me, mas parece que esse caracterizador - grande - tem sofrido o grave desgaste que outras palavras de nossa língua passou no correr do tempo. É caso semelhante ao gênio. Antes, para sê-lo, o cara teria primeiro que  fazer uma descoberta tal qual a Teoria da Relatividade de Einstein, hoje, nem tanto, basta falar dela com um trocadilho de palavras que subverta a ordem do E=mc² e já será digno o autor de receber o Prêmio Nobel.

Mas, então, para que Millôr, um gênio desse tipo moderno, não se perca do panteão dos gênios, resolvi dá meia volta na web e anotar alguns dados biográficos do escritor humorista - ou seria o contrário - e incluí-los no rol dos escritores aqui no Letras. Uma tentativa simplória de responder à pergunta: quem foi Millôr Fernandes? 

***

Como qualquer um que queira ser intelectual cá no Brasil, até para os metidos a, ou pseudos, Millôr foi também um faz-tudo: jornalista, dramaturgo, tradutor, cartunista e, inclusive, escritor. 

Deixou publicadas por volta de três dezenas de livros de prosa, três de poesia e um de desenhos. Escreveu 14 peças de teatro, cinco das quais nunca foram publicadas até hoje. Escreveu ainda 11 espetáculos musicais e três roteiros para o cinema, entre eles Últimos diálogos, dirigido por Walter Salles, em 1999. E traduziu obras como Rei Lear, As alegres comadres de Windsor e A megera domada, de Shakespeare, O Sr. Puntila e seu criado Matti, de Brecht, Escola de mulheres, de Molière, A senhorita Tacna, de Mario Vargas Llosa e Fedra, de Racine.

Millôr começou nos jornais ainda precocemente: contava apenas dez anos de idade quando vendeu o seu primeiro desenho para a imprensa carioca. Em 1938, entrou para O cruzeiro, onde manteve por 18 anos a coluna Pif-Paf. Foi diretor por alguns anos da revista A cigarra. Ao deixar O cruzeiro, em 1962, quatro anos depois Millôr lança o Pif-Paf como publicação alternativa de tiragem quinzenal. 

Em 1969, participou da fundação de um dos mais relevantes meios de atuação e resistência à ditadura militar, o jornal satírico O pasquim, que durou na sua versão original até 1991, embora o escritor tivesse deixado sua redação ainda em 1975. 

A partir de 2000 fez da web o seu espaço de publicação, organização e compilação de parte dos seus trabalhos antigos com o Portal Millôr Online. Morreu no dia 27 de março, como foi alardeado pela mídia, aos 88 anos.

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