Ecos do Modernismo no Rio Grande do Norte: de Fernando Pessoa a Jorge Fernandes*


Por Alexandre Gurgel 

Os poetas Fernando Pessoa e Jorge Fernandes


A Literatura Portuguesa recebeu um espírito especificamente novo com o modernismo de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada-Negreiros, que constituíram uma geração que se exprimiu quase exclusivamente pela poesia. O Modernismo na Literatura Portuguesa surgiu em Lisboa, influenciado e associado às artes plásticas. Esse movimento estético questionou as relações tradicionais entre autor e obra, lançou uma nova concepção da literatura como linguagem.

O marco da vanguarda do Modernismo em Portugal, a revista Orpheu, teve apenas dois números, sendo o segundo dirigido pelas figuras mais representativas da poesia portuguesa moderna, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Com os seus heterônimos, Fernando Pessoa contribuiu com quatro poetas extraordinários: ele mesmo, que vai do ocultismo e do nacionalismo à aguda reflexão psicológica e metafísica; Alberto Caeiro; Ricardo Reis; e Álvaro de Campos. Por sua vez, Mário de Sá-Carneiro em seus poemas encarnou todos os dramas da pátria portuguesa.

Tempos depois, divulgando as idéias modernistas, surgiu a revista literária Presença que combatia o academismo e defendia, entre outras coisas, a crítica livre. Dos "presencistas" saíram tentativas de renovação do romance, sobretudo com Jogo da cabra-cega, de José Régio. A revolução estética em curso só alcançou o grande público depois que a geração da revista Presença exerceu seus esforços críticos, tornando conhecida a obra de Fernando Pessoa e as novas tendências da Literatura Portuguesa.

Na mesma época em que Fernando Pessoa exercia uma poesia de vanguarda em Lisboa, Jorge Fernandes introduzia em Natal os ideais modernistas com sua forma de fazer poesia. Até hoje, o poeta natalense é considerado precursor do Modernismo das letras potiguares, mesmo sem ligação com nenhuma escola literária.

Jorge Fernandes era anti-lírico por excelência e tinha um trabalho restrito dentro da província natalense, sobretudo porque em sua época predominava a poesia nos moldes do parnasianismo. Ele rompeu com o versejar tradicional e inaugurou a modernidade em nossa literatura, embora durante muitos anos tenha pagado o mesmo preço do ostracismo e o silêncio sobre seu trabalho pelos seus conterrâneos.

Segundo as professoras Diva Cunha e Constância Duarte, o volume Livro de Poemas, de Jorge Fernandes, surpreendeu pela modernidade de sua proposta, pois sua literatura fez o contraponto com os versos parnasianos e neo-românticos dos poetas locais, embora Jorge Fernandes não tenha produzido nada de muito relevante depois deste trabalho. O estudo crítico das professoras se encontra no livro Literatura do Rio Grande do Norte.

Os críticos tupiniquins costumam dizer que ele fez poesia modernista na própria "fase heroica", mas vale dizer que, na época que Jorge Fernandes lançou seu livro, nos anos 20, a ideia de Modernismo ainda era muito frágil no Brasil, sobretudo, no Rio Grande do Norte. De acordo com a historiografia da literatura local, Luís da Câmara Cascudo é considerado "a ponte" entre Jorge Fernandes e Mário de Andrade. Ele é quem introduz as idéias sobre Modernismo no Estado. Exemplo disso é o fato de Cascudo afirmar na sua obra que Natal havia nascido no século 20, tendo "dormido", nos séculos anteriores.

Nascido em Natal em 1887, Jorge Fernandes era filho do professor Manoel Fernandes e de Francisca Fagundes Fernandes. Embora fosse tradicional, sua família não era rica e Jorge teve que interromper os estudos no Atheneu para trabalhar. Nascido no século passado, companheiro do poeta Ferreira Itajubá na “Oficina Literária”, tendo escrito em todos os jornais e revistas da época, como O Tempo, A Rua, Pax, O Potiguar, O Arurau, Jorge Fernandes, nos idos de 20, rompeu com as formas antigas de poetar, iniciando o verso livre, sem rima, cantando as coisas mais prosaicas possíveis, o que causou escândalo na província conservadora.

Não importava que os outros não quisessem ver. Ele via. Por isso, escreveu o Livro de Poemas, impresso na Tipografia da Imprensa, Natal, 1927 – hoje uma raridade bibliográfica. O livro foi prefaciado por Luís da Câmara Cascudo que escreveu: “Jorge é o marco da poesia moderna entre nós”. Depois do livro, publicou muitos poemas em A República e noutros jornais. Grande parte dessa última produção e o Livro de Poemas foram reunidos pelo escritor Veríssimo de Melo e publicados pela Fundação José Augusto, em 1970. 

Os quarenta textos que compõem seu Livro de Poemas são considerados referências para o período e fizeram com que a obra tivesse repercussões fora da região Nordeste. Vários pesquisadores já se debruçaram sobre o trabalho, o já citado escritor Veríssimo de Melo, o pesquisador Francisco das Chagas Pereira e, mais recentemente, o professor do Departamento de Letras da UFRN, Humberto Hermenegildo, que escreveu o livro História das Letras, cuja edição faz parte da Coleção Nação Potiguar.

O livro do professor Hermenegildo estuda o surgimento das revistas literárias no Rio Grande do Norte e as ressonâncias do livro Cantigas de Amigo, da jornalista e poeta Myrian Coeli. A obra dedica também três capítulos ao estudo da divulgação do movimento modernista no Estado, no qual se destaca a participação ativa de Luís da Câmara Cascudo, como crítico, e de Jorge Fernandes, como poeta.

Jorge Fernandes também fez teatro, escrevendo peças e revistas que marcaram época na cidade: “Anti-Cristo e Céu Aberto, ambas de parceria com Virgílio Trindade e a última ainda com Ezequiel Wanderley e o violinista Armando Lameira. Já Teve, (revista); O Brabo, (peça cômica); Ave Maria, peça em um ato; Pelas Grades, seu maior sucesso, juntamente com De Joelhos e Desesperada, tragicomédias em um ato.

Assim como Fernando Pessoa representa uma imensa importância para a Literatura Portuguesa, à luz dos pressupostos modernistas, Jorge Fernandes é a maior referência na literatura potiguar – restringindo as devidas proporções. A ideia de modernismo na literatura local só viria a se consolidar através das influências de autores nacionalmente conhecidos como Carlos Drummond e Manoel Bandeira já na década de 50. Neste período, no Rio Grande do Norte, destacavam-se nomes de escritores como Antônio Pinto de Medeiros, Zila Mamede e Sanderson Negreiros, sendo que os dois primeiros foram também influenciados pela Geração de 45.

Na literatura, a crítica local costuma dividir o Modernismo no RN em dois momentos: o primeiro nos anos 20, com Jorge Fernandes e a influência de Cascudo, e o segundo momento, a partir dos anos 50, com o aparecimento dos novos nomes da Literatura Potiguar. Jorge Fernandes não pertenceu à Academia Norte-Rio-Grandense de Letras nem a qualquer órgão ligada à cultura oficial. Ele morreu em Natal em 17 de julho de 1953.


Ligações a esta post:
Há uma série de textos de Pedro Fernandes sobre a obra de Jorge Fernandes publicados aqui no Letras:



* Este texto aparece na web publicado pela primeira vez em Blocos Online.



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