Sándor Márai, o último senhor da Europa


Por Francisco Goñi



Hungria, 1918. Um jovem espera ansioso que se imprima seu primeiro livro de poemas. Encontra-se por detrás das máquinas de impressão. Neste lugar se produz também um dos jornais diários da cidade de Kaschau e falta nesse momento uma nota principal e o redator não acompanha o trabalho de impressão. Então se convida o rapaz para que escreva de maneira rápida um texto. Assim começou a paixão literária de Sándor Márai.

Em Kaschau, cidade multicultural e poliglota da Alta Hungria, hoje parte da Eslováquia, nasceu, em 1900, Sándor Márai. De uma família tradicional foi educado sob o espírito dos ideais burgueses do século XIX. Sua cidade natal sempre significou um orgulho, já que por mediação alemã, foi uma das mais importantes da cultura burguesa e do urbanismo da Hungria. No romance Kassai örjárat (Patrulha a Kaschau, em tradução livre) comenta: “As épocas heroicas da burguesia criaram na Europa essa obra de arte que chamamos cultura ocidental”.

Sándor Márai – de nome completo e verdadeiro Sándor Károly Henrik Grosschmid – sabia perfeitamente que a classe burguesa não apenas tinha os meios de produção e controle da economia, como definiu Karl Marx, como eram os construtores de uma classe intelectual os que propiciavam o desenvolvimento das ciências e das artes. De fato, em todos os seus livros sempre se aborda a relação entre criadores e gente de poder.

Durante uma estadia de verão da família Grosschmid, em 1914, apareceu um hussardo no salão principal: o sucessor do trono Francisco Fernando havia sido assassinado em Sarajevo. O registro de Márai está repetido várias vezes em Confissões de um burguês: esta tarde se rompeu uma forma de vida”1; e, completa seu biógrafo húngaro Ernö Zeltner: “para ele foi o princípio do fim de uma sociedade, de um mundo”.

Sándor, como todos os jovens de então, foi convocado pela comissão de recrutamento militar, mas se declarou fisicamente incapaz para o serviço. Inevitavelmente, a maioria dos jovens que foram pereceram no front. Márai colocou em questão a condição burguesa e simpatizou com as ideias revolucionárias. Nos primeiros romances, como em Rebeldes, mostra sua perturbação ante a guerra, desejava lutar contra a sociedade bárbara e mentirosa que o rodeava, denunciar a falsa ordem. Com profunda dor escreveu: “A amada pátria sangrava ante os olhos de minha geração, nós buscávamos o culpado pelo crime com a cega paixão da raiva e do ódio”.

Aos dezoito anos se converteu em colaborador do jornal liberal Magyarorzág, vivendo de perto a nova ordem que propunha a República dos Conselhos Operários. Embora esse processo, antecedente comunista, só tenha durado cento e trinta e três dias, Márai simpatizou com o movimento na esperança idealista de um novo começo, um mundo melhor. Seu compromisso político perdeu força com a chegada de Miklós Horthy e suas tropas anticomunistas. No dia 4 de junho de 1920, a Hungria assinou o tratado de paz e perdeu dois terços de seu território.

Desencantado, Márai declarou abertamente sua inclinação pelos ideais burgueses, mas, nunca perdeu a consciência social, sempre esteve à favor dos menos favorecidos e reprovou a violência.

O pai de Sándor, Géza Grosschmid, prestigiado advogado e mais tarde vicentino real, queria para seu filho um futuro traçado pelas linhas da tradição burguesa. Pediu-lhe que se formasse em direito, mas ele, por suas inquietações literárias, se negou a tanto. Assim começariam longos anos de peregrinação fora de casa.

Inicialmente foi matriculado na escola de jornalismo de Leipzig, na Alemanha. Mas levava o tempo vagabundeando e mais nas mesas dos cafés que nas aulas. Em curto tempo, se aproximou de escritores, atores, bailarinas, e se entregou a tudo quanto era aventura erótica que a ele se apresentava. Em Confissões de um burguês não apenas registra suas andanças sem destino, como se aprecia a formação que obteve através do jornalismo; meio que mesmo assim permitia-lhe sobreviver e estar em contato com o ambiente literário. Isto é, a Alemanha representou para ele uma escola e um trabalho.

Sua residência foi bastante instável. Mudou-se para Weimar, Frankfurt, Berlim. Nestes anos viveu uma aproximação importante com a cultura local. Por herança de sua mãe, desde criança, falava perfeitamente alemão, mas foi nesses lugares que se nutriu de leituras inesquecíveis: Goethe, Rilke, Kafka, Trakl e toda a corrente do expressionismo alemão em voga. Infiltrou-se por essa efervescência literária e nunca mais sairia dela. Escreveu obras para o teatro, poemas, romances, crônicas, resenhas. Fundou revistas e colaborou para jornais importantes, como o Frankfurter Zeitung, onde seus textos apareciam ao lado dos de Thomas Mann, Stefan Zweig ou Gerhart Hauptmann. Da época se conserva uma importante fotografia em que aperta amistosamente a mão de Thomas Mann. Sobre esta, comenta o prêmio Nobel húngaro Imre Kertész: “os dois últimos escritores europeus que abertamente se consideravam e se declaravam burgueses, e que conscientes de sua vocação, abandonaram sua classe convertida em traidora e suas nações sumidas na catástrofe”.

Márai se viu interessado tanto pela cultura clássica como pela literatura de vanguarda. Foi leitor apaixonado de Thomas Mann e Franz Kafka. Foi responsável pelas primeiras traduções para o húngaro de O processo e A metamorfose. Funcionou como importante ponte linguística entre a Hungria e a Alemanha.

Em meio ao furor berlinense que respirava, um dia apareceu em sua vida Lola, filha de uma abastada família judia de Kaschau, e que se tornaria sua companheira até o dia de sua morte. O precoce casamento levou a mudar de residência para Paris, mas a estadia não foi nada amável; Márai se sentia um ilhado da vida cultural no novo país. Passaram altos apuros econômicos e uma grave doença quase pôs fim à vida de Lola. Por isso, não deixaram de pensar em retornar à pátria amada. No que poderia ser o regresso, estiveram um tempo pela Itália, onde Márai se deixou impregnar das belas cidades. Mais tarde, este momento servirá ao escritor para contextualizar o pícaro Casanova no belo romance Jogo de cena em Bolzano.

Decidiram voltar para Paris com novos brios. Mudaram-se para um bairro melhor e Márai se sentou decididamente ante a máquina de escrever. Visitou as tertúlias no Café du Dome, onde se reuniam os escritores mais importantes e leu apaixonadamente Flaubert, Stendhal, Proust e Gide. A sorte agora o favoreceu amplamente: começou a colaborar em vários meios e em distintas línguas. Suas viagens ao Próximo Oriente (Egito, Palestina, Síria e Turquia), Grécia e Itália se converteram em crônicas que se publicavam na Alemanha, Paris, Tchecoslováquia e Hungria.

Mas, pela primavera de 1928, regressou à sua querida pátria. Levou consigo a agenda cheia de contatos literários de toda a Europa; tinha já as portas abertas para consolidar sua carreira. Seguindo os passos e conselhos dos escritores Deszö Kosztolányi, Zsigmond Móricz e Gyula Krúdy continuaram quinze anos de incansável produção literária, reconhecimento e fama. A forte atividade jornalística que manteve fortaleceu a aparição de romances, livros de viagem, ensaios e antologias de poemas: a passos largos cativava leitores.

Sándor sempre manteve um estilo fino, profundo e crítico. Influenciado por A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, conservou o olho clínico que o permitiu intuir as artimanhas de Hitler e suas terríveis ameaças. Em 1933, foi convidado como jornalista para presenciar a ascensão de poder do fascista alemão. A partir daí saiu atormentado ao ver como o povo caía seduzido por semelhante déspota. Escreveu vários artigos que denunciavam e ridiculizavam a ideologia fascista.

Enquanto isso, em Budapeste, continuava ampliando o sucesso com Confissões de um burguês (1934), Rebeldes (1937), Füves könyv (Herbário, t. l., 1938), O legado de Eszter (1939) e Szindbád hazamegy (O regresso de Simbad, t. l., 1940). O Teatro Nacional sempre tinha alguma de suas peças em cartaz. Em 1938, consideravam-no um dos mais importantes escritores do país. “Era famoso, popular, louvado e tinha dinheiro”, comenta Zeltner. Estabeleceu seu reduto no Café Philadelphia, cenário que utilizou para o seu romance Az Igazi y Judith (A mulher justa, t. l.).

Também redigia seus diários que se publicariam mais tarde com o título de Föld, föld! (Terra, terra!), onde refletia sobre a preocupante vida política do momento: “O rumor da história raras vezes encontra as pessoas do presente preparadas. Sem esperá-lo, em ocasos nos inteiramos de que algo, irrevogavelmente, chega ao seu fim”. Suas palavras estavam cheias de sombrias preocupações por ver a tormenta que se preparava.

A situação política recrudesceu pouco a pouco; os intelectuais burgueses na Hungria seguiam com inquietação as notícias na Áustria. Souberam que tudo mudaria no dia em que Hitler entrou triunfalmente na capital dos Habsburgo.

O ano de 1939 marcou Márai. Emocionado, recebeu nos braços seu primogênito mas as flores e festejos duraram pouco. O pequeno Kristof morreu seis semanas depois. Mária viveu a dor em silêncio. E, incrivelmente não deixava de trabalhar e publicar.

Os primeiros anos da guerra não representaram obstáculo para que continuasse a fertilidade de sua escrita. Publicou Jogo de cena em Bolzano (1940) em versão em prosa e para o teatro; considerado o romance que contribuiu para consolidar seu sucesso. Publicou três volumes da sua obra completa, no ano seguinte, narrativas breves como Varázs (Magia) e iniciou Az igazi (Viagens de um matrimônio), belos monólogos sobre a complexidade do amor, como os conhecidos em Az Igazi y Judith. Em 1942 foi eleito membro da Academia Húngara de Ciências.

Toda a aprendizagem adquirida no mundo, a depuração de seu estilo, balanceada mistura de clareza e beleza, suas profundas reflexões sobre o Império Austro-húngaro e a melancólica despedida de uma época, ficaram refletidas no seu romance mais importante: As brasas (1942). Decantação configurada com o poder da oralidade e o logos heideggeriano. A narrativa de As brasas é o ponto alto da obra de Márai.

Esta rememoração sobre os últimos anos da burguesia húngara representa o testemunho personalíssimo da forma de vida que oferecia o império, seus costumes e rituais, a profunda educação em ciências e artes, o respeito pela música, e sobretudo, os códigos morais para viver. O crítico Mihály Szegedy-Maszák, disse: “a literatura húngara não possui nenhum autor que escreva de forma mais autobiográfica que Márai”. E demonstra encontrando em todos os seus romances elementos que falam parcialmente de sua época ou de sua própria vida.

Dois amigos são os protagonistas de As brasas. Ambos entraram para a Academia Vienense para adquirir os conhecimentos mais nobres e importantes da vida e acessarem ao status quo: ser parte do majestoso Império Austro-húngaro. Cada um assimilou à sua maneira o período de formação. Henrik, quem provém de uma família abastada, chegou a se formar como general e cumpriu com honradez os princípios militares. Konrád, pobre e de aguda sensibilidade, sempre encontrava noutro lado menos no presente. Deixava-se raptar pela taciturna música de Chopin até a algum lugar onde ninguém mais poderia entrar, conservando assim o sagrado espaço do homem: a intimidade. Henrik sempre viu com suspeitas essa paixão. Não apenas distanciava-o dos amigos, como supunha uma espécie de anarquia.

Diz Márai: “Alguém passa a vida preparando-se para algo”. A cativante amizade entre os jovens miliares se assemelhava à fatalidade apesar dos caros horizontes que os uniam. Krisztina, a mulher de Henrik, agora general, tal como Helena de Troia, foi motivo para eclipsar o amor entre eles. Konrad despareceu durante quarenta e um anos, triste por não manter ilesa sua pátria, um sentimento. A bela mulher anos mais tarde morreu e o general ficou sozinho com sua fiel empregada a viver num enorme castelo. Depois de tantos anos, o amante da música voltou para uma última conversa: “sabíamos que não voltaríamos a nos ver, e que com isso tudo se acabaria. Se acabaria nossa vida e tudo o que até agora havia preenchido nossa vida de conteúdo e de tensão”.

A dura relação dos amigos está traçada como paixão, marcada por sentenças de elevada sabedoria que chamam atenção por sua força: dizeres que sublinham verdades e aprendizagem que atravessam a alma. Márai sublima a amizade como sentimento superior ao amor. Radicaliza o que um homem é capaz de sentir por outro, desde o amor que ensinou Platão no Banquete à ira mais violenta, recordando Tchékhov e Dostoiévski.

A monarquia bicéfala caiu. O general esperou quatro décadas para arrancar um segredo de seu amigo. Se ele e sua mulher mantinham um romance que traía o enorme sentimento entre eles, e um dia de caça havia planejado matá-lo ou nunca se atreveu?

O último encontro poderá levá-los ao duelo esperado há tanto tempo sobretudo agora quando os nervos estão tomados por uma tensão acumulada. Em primeiro instante, o general estava preparado para matar Konrad, mas decidiu assassiná-lo com perguntas. Agora que são velhos, que cada um viveu um caminho diferente, com uma dor parecida. Com beleza, diz Márai: “No fim, no fim de tudo, alguém responde a todas as perguntas com os acontecimentos de sua vida: às perguntas que o mundo fez reiteradas vezes. As perguntas são estas: “Quem eres? O que tens querido da verdade? O que sabes da verdade? Com que ou com quem tens te comportado com valentia ou com covardia? [...] Alguém no final responde com sua vida inteira”. Konrad se manteve num prolongado silêncio – essa foi sua resposta.

Em As brasas respira-se a Viena de 1900, momento estelar da humanidade, considerado o segundo renascimento da Europa: as ideias de Freud, as notas de Mahler, a crítica da linguagem de Mach, a filosofia de Nietzsche, os poemas de Hofmannsthal, as personagens sonâmbulas de Broch, Musil e Roth, as mulheres nuas de Schiele, os edifícios de Otto Wagner; mundo sem paradigma que a guerra exterminou.

“Viena tem sido para mim um diapasão do mundo [...] um som que ressoa na alma para sempre”, se lê com íntima confissão neste romance que anos mais tarde foi levado à televisão (1967) e se converteu no livro mais reconhecido e vendido de Márai. Mas, com o início da guerra, chegaria a má sorte que se prolongaria por décadas.

O escritor Prêmio Nobel J. M. Coetzee em Mecanismos internos escreve sobre As brasas e o furor editorial que detonou em princípios da década de noventa do século passado. A leitura que faz tende a caricaturar a obra e a figura de Márai. Injustamente, desqualifica com dureza um dos grandes escritores do século XX, já que confessa haver lido apenas parcialmente sua obra. As impressões sobre dados biográficos e a crítica política são questionáveis. Em contraponto, Imre Kertész possui o comovente e bem-fundamentado texto “Confissões de um burguês: apontamentos sobre Sándor Márai”, em que não só reafirma sua qualidade literária como sua posição ante a história.

Em 1944, os alemães entraram na Hungria; Sándor compreendeu que cedo ou tarde deveria abandonar definitivamente o país. Em protesto decidiu não publicar mais durante a ocupação. Logo, os bombardeios britânicos sobre Budapeste o obrigaram a abandonar sua residência, refugiando-se em Leányfalu, povoado situado às margens do Danúbio. Sua família desamparada, tal como o país inteiro, chegou a mendigar por comida. No ponto extremo do caos, o exército russo tomou a Hungria. As duras experiências da imundície e miséria total estão registradas em Terra, terra – diários que são até o presente considerados os textos íntimos mais caros de Márai. Não só sua classe burguesa estava apagada, mas toda uma época; tal como pensou o general Henrik: “Houve um mundo pelo qual valeu a pena viver e morrer. Aquele mundo morreu”.

Para continuar em contato com Budapeste colocava em risco a própria vida tomando o trem de prisioneiros que passava próximo do seu refúgio; Imre Kertész, de sua dura experiência no cativeiro, recorda: “Não sei por que me invade de golpe a sensação de alegria e gratidão pelo fato de que Sándor Márai me via. Ele tinha quarenta e quatro anos; eu catorze. Viu o menino com a estrela amarela [...] e sabia o que aquele menino não sabia então: que logo o levariam para Auschwitz”.

Kertész mantém equilíbrio e objetividade com Márai. Compreende sua genialidade e o sentido real da classe burguesa, embora o peso da história represente uma dor extrema e quase tenha acabado com sua vida. Sándor, no ponto alto da guerra, escreveu: “Que mais pode fazer um escritor?”; para Imre Kertész é difícil de interpretar, mas destaca: “é a impressão espiritual mais pura, mais ampla, mais importante daquele tempo”.

Dissipado o perigo, Sándor voltou a Budapeste; encontrou só ruínas de seu lugar e de sua querida biblioteca. Nunca conseguiu reconstruiu a tranquilidade: “Quando a guerra chega ao fim nos espera uma quantidade incomensurável de tarefas; há que enterrar os mortos, remover escombros, dar de comer aos famintos e construir uma nova espécie de Estado a partir das montanhas que deixaram para trás essa horda de ladrões e de assassinos”.

Quando começaram os esforços para restabelecer na Hungria a vida cotidiana e as atividades culturais, vieram os convides para que presidisse a Associação Geral de Escritores Húngaros e o PEN Club Húngaro, mas Márai sabia que sua classe depois de semelhante guerra havia perdido a oportunidade de recuperar a história.

Em meados de 1948, por pressão comunista e do Exército Vermelho, foi fundado o Partido dos Trabalhadores: todos os burgueses sobreviventes seriam despojados de suas propriedades e pertences. Para ampliar o desencanto e a humilhação, críticos partidaristas, como Gyorgy Lukács, lançaram-se ferozmente contra Márai, o que desencadearia a censura de sua obra durante décadas, e por conseguinte, o esquecimento.

Não havia alternativa além do exílio definitivo. Lola, Sándor e o pequeno János, o filho adotivo, viajaram para a Suíça e depois para a Itália. Não existiu algo mais doloroso para Márai que ser obrigado a novamente deixar sua pátria – significou para ele a autoaniquilação.

Enquanto isso se radicalizava a guerra fria. Graças a peregrinação que fizeram nos dois países, pode cobrar os valores pelas traduções de sua obra. Foi em Nápoles onde conseguiu se estabelecer e reorganizar seu trabalho literário; aí escreveu Ami a Naplóból kimaradt (Oração fúnebre, 1951) e Béke Ithkában (Feitiço em Ítaca, 1952) e começou a trabalhar na Radio Europa Livre. A revolução húngara de 1965 o fez pensar que poderia voltar para casa, mas a nova ocupação russa quebrou suas esperanças.

Os arranha-céus, as bibliotecas, o clima e os passeios à praia fizeram suportável sua estadia na América, que só se interrompia por algumas viagens a Europa. A produção literária, entretanto, começou a rarear. Escreveu ainda San Gennaro vére (O milagre de São Genaro, 1957) e Erösítö (O conformista, 1975); e se dedicou com todo empenho a continuar seus diários, nos quais encontrava consolo através dos fragmentos monologais. Anos depois mudou de residência, para San Diego. A partir daí subsidiava suas próprias publicações na editora de Toronto Vörösváry. Conseguiu ter em mãos vários volumes de seus diários e a conclusão da saga familiar da dinastia dos Garren. A iminente velhice deixava estragos. A doença e a morte de Lola em 1986 minaram seu interesse de continuar: “É cansativo colocar em ordem cada novo dia isso que os biólogos chamam reação química e que na linguagem comum chamamos de vida”.

Mas, parece que a história o enganava: seu nome começou a repercutir novamente na Hungria. Começaram a tentar insistentemente para que voltasse para casa oferecendo-lhes generosos contratos editoriais e homenagens.

As enfermidades, entretanto, se ampliaram e descartou qualquer possibilidade de retorno: “cada vez que me acordo o sabor da morte está em minha boca”. Pouco antes de ser internado no hospital em 15 de janeiro de 1989, desiludido de tudo, escreveu uma nota de despedida aos seus amigos e editores. Pegou um revólver e atirou contra si.

No ano seguinte, como tributo póstumo, foi-lhe concedido o prêmio Kossuth, o maior reconhecimento literário na Hungria. Oito anos mais tarde, o crítico Marcel Reich-Ranicki recomenda que se publique sua obra na Alemanha e se converte de imediato num acontecimento literário neste país. Seu nome, depois de anos de esquecimento, é agora presente entre os mais importantes escritores da Europa.

Notas
1 As traduções de excertos da obra de Sándor Márai, quando aparecer neste texto, são traduções indiretas do original em espanhol e não das traduções já publicadas no Brasil.

Este texto é uma tradução de “Sándor Márai. El ultimo señor de Europa”, aparecido no suplemento Tiempo en la casa, de Casa del tiempo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ca-ca-so

Boletim Letras 360º #575

Sete poemas de Miguel Torga

A criação do mundo segundo os maias

Dalton por Dalton

Boletim Letras 360º #574