Boletim Letras 360º #428

 DO EDITOR
 
1. Caro leitor, as novidades reunidas nesta edição do Boletim Letras 360.º são da semana que agora termina e o que ficou por publicar da semana anterior — então, com tantas informações, ficou decidido dividir o conteúdo entre duas edições desta post.
 
2. Muito obrigado pela companhia e boas leituras!

Louise Glück. Foto: Daniel Ebersole


 
LANÇAMENTOS

O volume que reúne os três livros mais recentes da poeta vencedora do Nobel de Literatura 2020 ― Averno, Uma vida no interior e Noite fiel e virtuosa.
 
Louise Glück tem a extraordinária capacidade de jogar luz sobre os aspectos mais variados ― e por vezes sombrios ― da vida. Sua obra, repleta de significados, é fruto de uma profunda curiosidade com tudo o que diz respeito à alma humana. Este volume inclui os três títulos mais recentes da poeta vencedora do prêmio Nobel de Literatura em 2020. Averno (2006) retoma o mito de Perséfone e atualiza a trajetória de uma jovem deusa que, sequestrada, é obrigada a viver no submundo. Uma vida no interior (2009) retrata o dia a dia dos moradores de uma pequena cidade no campo e o modo como se relacionam entre si e com a natureza. Noite fiel e virtuosa (2014), por fim, aborda o envelhecimento, os vínculos familiares e a perda da inocência. Com linguagem límpida e direta, Louise Glück mescla filosofia, mitologia e psicanálise em uma verdadeira pesquisa sobre a solidão, a melancolia e o luto. O resultado é uma poesia fascinante e comovente, a um só tempo misteriosa e reveladora. A tradução é Heloisa Jahn, Bruna Beber e Marília Garcia.

Nos doze ensaios de As margens da ficção, Jacques Rancière, um dos principais nomes da filosofia francesa contemporânea, acompanha esse processo revolucionário da arte de narrar.

Se, na idade moderna, a sociologia, a ciência política e outras formas de conhecimento tomaram para si a razão ficcional aristotélica, produzindo narrativas com começo, meio e fim, invertendo ao final as expectativas, a ficção moderna trilhou o caminho contrário e instaurou no centro da literatura aquilo que sempre esteve nas suas beiradas — os acontecimentos triviais, os seres humanos comuns e o momento qualquer que pode condensar uma vida inteira. Nos doze ensaios de As margens da ficção, Jacques Rancière, um dos principais nomes da filosofia francesa contemporânea, acompanha esse processo revolucionário inicialmente nas obras de Stendhal, Balzac, Flaubert, Proust e Rilke, passa pelas técnicas narrativas em O capital de Karl Marx, até chegar nos romances de Conrad, Sebald, Faulkner e Virginia Woolf, fechando com uma inspirada análise das Primeiras estórias de Guimarães Rosa. A tradução é de Fernando Scheibe e é publicada pela Editora 34.
 
Resultado de cinco anos de pesquisa e quase duzentas entrevistas, a história de uma das mais relevantes personalidades artísticas do Brasil de nosso tempo.

Aliado apenas à própria intuição, Ney Matogrosso abriu um caminho único na música brasileira. Enfrentou as intransigências do pai militar e os dogmas da Igreja católica, sobreviveu aos anos de chumbo e à sombra da aids, manteve-se firme diante das promessas de riqueza do showbiz, das críticas a seu “canto de mulher” e da vigilância das censuras. O jornalista e biógrafo Julio Maria passou cinco anos perseguindo a trilha de Ney para contar a história de um dos personagens mais transformadores da cultura do país. Visitou a casa em que ele nasceu em Bela Vista do Mato Grosso do Sul, a vila militar em que viveu a conturbada adolescência com o pai em Campo Grande e o quartel da Aeronáutica que o abrigou como soldado no Rio de Janeiro. Encontrou um irmão mais velho do qual a família não tinha notícias, levantou documentos de agentes que o observaram durante a ditadura e localizou fatos raros da fase Secos & Molhados. Ney Matogrosso  A biografia vai às camadas mais profundas da história de Ney para entregar a vida de um artista que pagou caro por defender seu direito de ser livre.
 
As bases de um movimento intelectual que vê a negritude pelo prisma da escravidão perpétua.
 
Por que a questão da raça permeia grande parte do nosso universo moral e político? Por que um ciclo perpétuo de escravidão — em todas as suas formas: política, intelectual e cultural — continua a definir a experiência da negritude? E por que a violência contra os negros é um traço predominante em todo o mundo? Essas são apenas algumas das questões que este livro levanta. Wilderson apresenta, nesta obra, as bases de um movimento intelectual — o afropessimismo — que vê a negritude pelo prisma da escravidão perpétua. A partir de clássicos da literatura, do cinema, da filosofia e da teoria crítica, ele mostra que a construção social da escravidão, vista pelas lentes da subjugação dos negros, não é uma relíquia do passado, mas um mecanismo que alimenta nossa civilização. Sem a dinâmica senhor-negro escravizado, sustenta o autor, um dos pilares da civilização mundial iria a colapso. Mais do que qualquer outro grupo, os negros serão sempre vistos como escravos em relação à humanidade. Afropessimismo fala ainda da infância do autor em Minneapolis e do racismo que ele sofre — seja na Califórnia dos anos 1960 ou durante o apartheid na África do Sul, onde ele se junta às fileiras do Congresso Nacional Africano. Este livro não apresenta solução para o ódio que está por toda parte, mas Wilderson acredita que reconhecer essas condições históricas é um gesto de autonomia em face de um mundo social essencialmente racializado. Com tradução de Rogério W. Galindo e Rosiane Correia de Freitas o livro é publicado pela editora Todavia.
 
Um dos romances mais impactantes sobre o genocídio de Ruanda, considerado por Toni Morrison como “um milagre”, este livro marca a estreia, no Brasil, de premiado escritor senegalês Boubacar Boris Diop. 
 
Durante cem dias, entre abril e julho de 1994, um genocídio deixou 800 mil mortos em Ruanda. Quatro anos depois, o escritor senegalês Boubacar Boris Diop viajou ao país da África central para colher informações sobre esse período e escrever um livro. O resultado foi Murambi, o livro das ossadas, traduzido do original em francês por Monica Stahel. Conciso e sem sentimentalismos, o livro é um assombroso relato polifônico que provoca reações como a da escritora norte-americana Toni Morrison, prêmio Nobel de Literatura em 1993: “Esse romance é um milagre. Murambi, o livro das ossadas confirma minha convicção de que só a arte pode lidar com as consequências da destruição humana e traduzi-las em significado. Boris Diop, com uma beleza difícil, conseguiu fazer isso. Poderosamente”. Cornelius Uvimana, professor de história, filho de mãe tútsi e pai hútu, volta a Ruanda depois de anos trabalhando no Djibouti, nordeste da África. É a primeira vez que retorna ao país natal depois do genocídio. Recebido por amigos de infância, Cornelius quer tentar entender exatamente o que aconteceu com sua família, da qual só restou um sobrevivente, o tio Siméon Habineza. Para isso, vai visitá-lo em sua cidade, Murambi, local onde ocorreu o massacre de cerca de 50 mil tútsis reunidos pelo prefeito e por um bispo numa escola técnica com a alegação de que seriam salvos por tropas francesas. Hoje a escola abriga um memorial com milhares de ossadas e corpos mumificados de vítimas do genocídio. Na trama criada por Boris Diop, a história de Cornelius é contada em paralelo a outras, como a do dono da locadora de vídeo de Kigali que estranha a falta de movimento em seu estabelecimento no fatídico 6 de abril de 1994, data em que o avião que levava o presidente ruandês, o hútu Juvénal Habyarimana, foi derrubado. Aquele seria o estopim para a entrada em ação dos grupos de facínoras, incentivada e muitas vezes organizada por emissoras de rádio. Ao longo dos cem dias seguintes, pessoas de todas as idades foram mortas, torturadas, mutiladas, estupradas e contaminadas propositalmente com o vírus da aids. As atrocidades cometidas pelas milícias hútus contra os tútsis, grupos cuja rivalidade já havia sido explorada pelos colonizadores belgas e franceses, resultaram no último grande genocídio do século XX. Murambi, o livro das ossadas reúne personagens que ora falam em primeira pessoa, ora são referidos em terceira. Muitos estiveram envolvidos direta ou indiretamente nos acontecimentos de 1994 e são distribuídos estrategicamente no espaço ficcional para dar uma visão complexa do genocídio, da história de Ruanda e da África, e da crueldade sem limites a que os seres humanos podem chegar. “É a história que quer sangue”, diz um dos personagens mais comprometidos com os massacres. No posfácio da edição da Carambaia, um texto à altura do impacto do romance, Boris Diop revela sua estratégia de romancista: “O dever de memória é antes de tudo uma maneira de opor um projeto de vida ao projeto de aniquilamento dos genocidas.” Murambi se originou de um projeto de residência literária. Uma dezena de escritores africanos foi chamada a fazer uma reflexão em palavras sobre o genocídio em Ruanda. Os autores permaneceram no país durante dois meses e produziram romances, diários, ensaios e poemas. O objetivo foi tentar romper o tabu, entre intelectuais africanos, de encarar os acontecimentos de 1994, que têm contornos inconcebíveis para quem não os presenciou.
 
A crônica amorosa de um objeto que ajuda a descortinar um universo.

Prático e portátil, assim é o carimbo. Sua narrativa nos leva à Pré-história, à África, à América pré-colombiana. E também — como não poderia deixar de ser — aos escritórios mais vetustos e às repartições públicas. Com graça, inteligência e percepção histórica, Andrés Sandoval escreve e ilustra esta narrativa (até então secreta) dos carimbos. A crônica amorosa — como um beijo de batom — de um objeto que ajuda a descortinar um universo. Caramba! A história secreta dos carimbos é publicada pela editora Todavia.
 
Os quatro primeiros romances de Virginia Woolf ganham nova edição pela editora Novo Século.  
 
1. Publicado em 1915, A viagem é o primeiro romance de Virginia Woolf e também um dos mais brilhantes e difíceis livros de sua carreira. Embora a autora tenha sofrido consideráveis perdas familiares durante a redação da obra, nela já estão presentes as magníficas características de sua linguagem e de seu estilo. Acompanhando a viagem de Rachel Vinrace para a América do Sul no navio de seu pai, numa verdadeira jornada de autodescoberta, Virginia deixa transparecer aqui elementos e dados mais imediatos de sua vida pessoal, familiar e social. No entanto, o que interessa a Woolf não é apenas a elaboração de um interessantíssimo enredo – basta dizer que uma das regiões desta “viagem” é a “boca do Amazonas”; é, antes de tudo, transformar o texto num espaço em que o leitor descubra que a experiência literária consiste em libertar-se da vida cotidiana e viajar para além de seus constrangimentos e limites.
 
2. Noite e dia, segundo romance de Virginia Woolf, foi publicado em 1919, quando ela estava com 37 anos. Evidenciando o conflito entre a era vitoriana e a moderna, o livro atira o leitor dentro de uma sociedade, seus costumes, sua linguagem, num jogo de poder e contestação. Trata-se de uma trama de amor entre Katherine Hilbery e Ralph Denham – advogado, intelectual e burguês. O enredo se desenrola num estilo ao mesmo tempo sólido e puro, e segue uma linhagem da tradição inglesa de grandes novelistas como Jane Austen, Charlotte Brontë e George Eliot. Os personagens são puro deleite, num romance repleto de beleza e elegância. A tradução de Raul de Sá Barbosa garante a essa edição qualidade e prestígio à altura da célebre autora.
 
3. Como em toda obra da autora, O quarto de Jacob carrega fortes referências familiares. No terceiro livro de sua carreira, a autora homenageia o irmão Thoby com o personagem do título. Este é o primeiro livro a ser publicado pela editora de seu marido Leonard; portanto, ausente das amarras da editora anterior, Virginia trabalha a obra em liberdade, sendo possível identificar uma estrutura aventurosa com abusos do ponto-e-vírgula e das reticências – porém, preservando a tradição estilística, mais concisa, condensada e fragmentada. Virginia nos presenteia com uma deliciosa simetria, pois ao passo que Jacob parece escapar das páginas, aqui ela também está livre para escrever sobre uma infinidade de outros personagens fascinantes, que surgem em cinco linhas para nunca mais voltar. Esta obra é um marco modernista, determinando a fama e maturidade da autora. A tradução é de Lya Luft.
 
4. Este romance, um dos mais famosos da autora, narra um dia na vida da inesquecível Clarissa Dalloway, acompanhando suas preparações para uma festa que promoverá naquela noite. Ambientado na Inglaterra pós-Primeira Guerra Mundial, o romance é infinito deslocamento. Virginia tece, aqui, sofisticadas estratégias narrativas; a sintaxe fragmentada e as constantes interrupções enfatizam a instabilidade do texto, e a multiplicidade de perspectivas indica a conexão entre as várias consciências. A narrativa tem várias idas e vindas, unindo presente e passado, a vida interior e a exterior, o público e o privado, a prosa e a poesia, sempre buscando traduzir o fluxo de consciência das personagens, característica tão consagrada de Woolf. A nova tradução para A Sra. Dalloway é de José Rubens Siqueira.
 
5. Os leitores podem se interessar também por uma caixa que reúne esses quatro primeiros romances de Virginia Woolf. A coleção apresenta ainda rico suplemento de leitura assinado pela Dra. Maria Aparecida de Oliveira, professora especialista em Virginia Woolf, e um trabalho incrível do artista plástico Bruno Novelli na composição das capas e do pôster.

Uma mostra da poesia de Patrizia Cavalli.

Este pequeno livro, o primeiro de tantos publicados pela poeta italiana Patrizia Cavalli, é de 1974. Anos 70, portanto, e de dentro dessa década, marcadamente ideológica na Itália, surge uma poesia feita de outras urgências. Mais do que históricas — embora também o sejam — essas urgências são fruto da necessidade de dar forma a pensamentos que parecem passar voando, ainda que se saiba que existam porque se dão ali e agora no poema. Quase-filosofia ou quase-poesia, simulando, disfarçando a matéria literária ou o conceito pela escolha precisa daquilo que é mais vivo na língua. Uma poesia veloz que parece canto, falada e falável, que se constrói numa musicalidade verbal elaborada, mesmo quando soa como muito simples. Feita de palavras que vêm da rua, de uma cidade, de uma casa com seus amores e tristezas: o barulho dos dedos que correm pelo corrimão; o tempo da ansiedade ao subir os degraus para chegar à casa onde alguém nos espera. A poesia aflora com a concisão do aforismo — “Para descansar / penteio os cabelos / quem fez fez / e quem não fez fará.” Cavalli ainda dedica o livro para Elsa, a conhecida romancista e poeta Elsa Morante. Assim se insinuaria, nas entrelinhas deste livro, o embate entre o mundo menor, da pequena história onde circula a poesia-reflexão da Cavalli, e o mundo da História, onde, ao invés, se instalaria a poesia da Morante. Os versos que abrem a coletânea, e que dão nome ao livro, trazem uma pergunta: meus poemas não mudarão o mundo? Com humor e ironia, desvenda-se a falsa questão: dificilmente quem leu essa poesia se sentirá, ao final da leitura, o mesmo de antes. (Maria Betânia Amoroso) Com tradução de Cláudia T. Alves, Meus poemas não mudarão o mundo, de Patrizia Cavalli, tem posfácio de Patricia Peterle e é publicado pelas Edições Jabuticaba.
 
Clássico de literatura estadunidense e mundial, A casa da alegria retrata, através da história de Lily, a subjetividade feminina, o empoderamento e da própria construção do que é ser mulher no início do século XX.
 
O romance A casa da alegria é ambientado na Nova York do início do século XX, revelando a alta sociedade norte-americana e seus hábitos, desejos, segredos e ostentações. Em meio a essa realidade, encontra-se Lily Bart, uma jovem linda e bem-educada que se vê desamparada financeiramente após a morte de seus pais. Ela é, então, acolhida pela tia, a única parente que se dispõe a ajudá-la, e passa a fazer o possível para se manter entre os grandes figurões da sociedade, embora suas condições não permitam que mantenha seus luxos. Lily Bart, com sua personalidade afiada e um talento especial para ler as pessoas, vai se mantendo entre os ricos como uma espécie de bibelô, sendo convidada para festas, eventos, temporadas no campo e até viagens. Seu objetivo é, conforme sua criação lhe ensinou, encontrar um marido que possa arcar com seus luxos, e assim levar uma vida confortável, porém sem abdicar de sua felicidade. No entanto, sua idade já é considerada avançada para o casamento e suas condições de vida não passam despercebidas pelo seu grupo de amigos. O romance representa as diversas restrições impostas às mulheres na sociedade, desde econômicas até morais. A protagonista Lily, em diversos momentos, se depara com a impossibilidade de ser tratada como igual pelos homens, em especial na área de negócios, e vê sua reputação arruinada por cometer atitudes simples como passear ou viajar sozinha na companhia de um homem. A casa da alegria apresenta as artimanhas que os homens podem construir, baseados na sua posição de poder, além das complexas relações de amizades por parte das mulheres, que, por vezes fragilizadas pela estrutura social de competição, podem cair na armadilha de tornassem inimigas. Edith Wharton apresenta nesta sua obra-prima um pouco de sua vivência pessoal em meio à alta sociedade nova-iorquina e ilumina diversas críticas sociais, como o papel imposto à mulher na sociedade, a educação das mulheres voltada apenas para os objetivos matrimoniais e a desigualdade no tratamento entre os dois sexos. Lily Bart é uma protagonista forte e inesquecível, para ser amada e odiada, mas, acima de tudo, compreendida. A tradução de Julia Romeu é publicada pela José Olympio.
 
O novo romance de Edney Silvestre.
 
No fim do século XIX, em uma cidade à beira da mata e rodeada por fazendas de café, a adolescente Emiliana Vivacqua, filha de imigrantes sardos, desperta para a sensualidade ao conhecer o lavrador e criador de porcos Felício Theodoro, descendente de africanos, índios Puris e europeus, um homem casado e pai de três flhos. Em Amores improváveis, o jornalista e escritor Edney Silvestre, conta a história de quatro irmãs e seus amores. A obra tem como pano de fundo a travessia do Atlântico por imigrantes vindos para substituir a mão de obra escravizada, o golpe militar da Proclamação da República em 1889, o florescer de São Paulo como metrópole de diversidade étnica no início do século XX, a construção da Madeira-Mamoré na Amazônia, os primeiros sinais da liberação feminina — e uma trágica consequência para quem ousou desafiar as convenções. O livro é publicado pela editora Globo.
 
Biografia de João Gilberto Noll.

João aos pedaços foi escrito a partir de entrevistas para um projeto que João Gilberto Noll e Flávio Ilha desenvolviam juntos. O material se transformou em biografia após a morte do escritor em 2017. Ilha é leitor de Noll desde seu primeiro livro, O cego e a dançarina, de 1980, mas só foi conhecê-lo pessoalmente em 2016, ao cursar uma de suas oficinas literárias realizadas na Livraria Baleia. Nesta ocasião, os dois iniciaram um processo juntos: Flávio propôs a produção de um documentário sobre sua história literária, que seria feito a partir das tradicionais caminhadas do escritor no centro da cidade de Porto Alegre, e também de leituras de trechos de seus livros por pessoas convidadas. “Noll inclusive já havia selecionado alguns trechos para ler, estava empolgado, mas morreu antes de conseguirmos dar início ao projeto. Como não seria possível fazer o trabalho sem ele, decidi transformar em uma biografia. Comecei aos poucos, tateando, procurando pessoas. Só engrenou mesmo em 2019”, afirma Flávio Ilha. João Gilberto Noll era um sujeito reservado e um tanto avesso à vida social. O lançamento da coletânea Roda de fogo (1970) em São Paulo, marcou sua estreia em livro. No final deste mesmo ano, Noll teve de deixar a capital paulista, para onde havia se transferido, devido a seu envolvimento com a organização de Carlos Lamarca. Embora não fosse membro e nem defendesse a luta armada, Noll colaborava com a VPR dando apoio logístico a militantes clandestinos. Rastros do verão (1986) foi o único livro do escritor lançado por uma editora do Rio Grande do Sul — a L&PM. Noll sempre viveu modestamente devido à sua opção incondicional pela escrita. Publicou treze livros e recebeu inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio Jabuti em cinco ocasiões: em 1981, 1994, 1997, 2004 e 2005. Seu romance Harmada está incluído na lista dos 100 livros essenciais brasileiros em qualquer gênero e em todas as épocas da Revista Bravo. A biografia é publicada pela editora Diadorim.
 
Primeira obra do poeta italiano Eugenio de Signoribus traduzida no Brasil.
 
Esta coletânea bilíngue contém a tradução de Nessun luogo è elementare, livro publicado primeiro na França, em 2017, e somente em 2020 na Itália, do qual retoma o título com uma variação, que enfatiza o corpo, e não mais o lugar. Os corpos são os protagonistas das prosas poéticas dedicadas à “exposição dos corpos” e dos textos finais, “Dos poços exteriores”, um catálogo das formas de martírio do mundo contemporâneo. O livro apresenta uma fisionomia diferente do resto da produção de De Signoribus, que costuma alternar poesia versificada e os que definiu “versos, não-versos e quaseprosas”, mas oferece aqui, prevalentemente, prosas poéticas, muitas das quais (as que correspondem à última seção), compostas nos primeiros meses de 2020. Além dessa produção mais recente de prosas e da tradução de Nessun luogo è elementare, com poucas variações, este volume inclui também o belíssimo “Limiares genoveses”, seção de Veglie genovesi [Vigílias genovesas] (2013). O livro é publicado pela editora 7 Letras.
 
Antologia com tema inédito no Brasil; eis o novo projeto da editora Bandeirola.
 
De uma consulta à biblioteca pessoal, o escritor Braulio Tavares selecionou os autores dos contos pioneiros da literatura detetivesca. Crimes impossíveis reúne contos da primeira fase, desde os mestres isolados do século XIX até a década de 1930, considerada a Era de Ouro desse tipo de narrativa. Trata-se de uma coleção de textos que demonstram o desenvolvimento de um dos conceitos mais curiosos do conto e do romance policial — o crime impossível ou de “quarto fechado”. Aqui estão autores em sua extensa maioria desconhecidos entre nós como Edgar Wallace, R. Austin Freeman, L. Frank Baum, Melville Davisson Post, Jacques Futrelle e Sheridan Le Fanu; e outros nem tanto — Maurice Leblanc, Arthur Conan Doyle, Edgar Allan Poe e G. K. Chesterton. O livro pode ser adquirido a partir do apoio ao financiamento coletivo disponível aqui.
 
REEDIÇÕES
 
Pilar da literatura arturiana. 

“Aquele que retirar esta espada desta pedra e desta bigorna será o legítimo rei de toda a Inglaterra.” Em uma narrativa poeticamente construída, que atravessa o nascimento, a ascensão e a morte do lendário Rei Arthur, Sir Thomas Malory tece uma das histórias mais conhecidas da língua inglesa. Publicada pela primeira vez em 1485, esta lenda tem sido contada e recontada ao longo dos séculos, sendo o principal pilar da literatura arturiana e despertando muita curiosidade. Nesta edição belamente ilustrada pelo famoso artista inglês Aubrey Beardsley, ganham vida as batalhas épicas, os romances proibidos e a trama completa dos nobres cavaleiros da Távola Redonda. Composto por dois volumes e com prefácio de William Caxton, primeiro editor da obra, ainda no século XV, os dois volumes reunidos numa caixa contam com a brilhante tradução de Maria Helena Rouanet.
 
Nova edição da História da literatura ocidental.
 
Considerada a melhor obra do gênero, a História da literatura ocidental de Otto Maria Carpeaux apresenta uma narrativa do desenvolvimento da literatura desde as suas origens greco-latinas até à modernidade. Escorado nos grandes críticos e historiadores, Carpeaux apresenta ao leitor não só os maiores escritores da literatura ocidental, como também as suas respectivas épocas, delineando o drama íntimo e histórico das ideias que corriam como que por baixo de suas manifestações literárias. É um livro essencial para todos os estudiosos e amantes de literatura, e para todo aquele que deseja compreender e apreciar ainda mais a cultura e a literatura do Ocidente. O livro é publicado pela editora Sétimo Selo.
 
Nova edição de um rico livro contos de José Eduardo Agualusa no Brasil.
 
O título deste livro não poderia ser mais feliz. São vinte contos que levam o leitor a levitar no mundo mágico de José Eduardo Agualusa, onde ficção e realidade se con-fundem. Histórias que o autor separa em três partes: Angola, Brasil e Outros Lugares de Errância. Com a perspicácia e a sutileza que caracterizam a obra do escritor angolano, os contos descrevem situações inusitadas ou absurdas. A matéria-prima é tanto a guerra em Angola, quanto as influências portuguesas e africanas no Brasil, além da paixão por livros e escritores. A coletânea, selecionada pelo próprio Agualusa para esta edição brasileira, reúne contos originalmente publicados em diversas revistas e jornais portugueses e angolanos, além de incluir três inéditos em livro. Esta nova edição ganhou ainda um lindo prefácio de Eucanaã Ferraz. Diz Eucanaã: “Neste Manual prático de levitação — assim como em seus outros livros — Agualusa reafirma com emoção, humour, leveza, ironia, intensidade, que todos somos invenção. E que, por isso, é possível escrevermos nossas vidas — contos breves, no fim das contas — de modo livre e libertador. Vale a pena fazer o exercício. A levitação é uma prática”. O livro é publicado pela Gryphus Editora.
 
EVENTOS
 
Antônio Roseno, do mundo para o Rio Grande do Norte.
 
No dia 25 de maio de 2021, às 20h, o Professor Geraldo Porto, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), atendendo convite da Sociedade Amigos da Pinacoteca, interage com o segmento das artes plásticas e vivências não convencionais, por meio do Facebook e do YouTube, falando sobre Antônio Roseno de Lima, fotógrafo e artista plástico nascido na cidade de Alexandria / Rio Grande do Norte, em 1926, e falecido em São Paulo em 1998. “Roseno foi objeto de estudo no mestrado de Geraldo, que, desde então, acompanhou a trajetória do artista. Através da relação que se estabeleceu entre Roseno, sua esposa Soledade e ele, muitas obras foram adquiridas. Foi ele o primeiro comprador da arte de Roseno. E, depois da sua morte, tomou ao seu encargo colocar nos espaços de preservação da Arte Bruta o nosso artista” — sublinha a Professora e Gestora de Cultura no RN, Isaura Rosado. Por ele, a obra de Roseno encontra-se na Collection de L’Art Brut de Lausanne, na Suíça, no Museu Haus Cajeth, em Heidelberg, na Alemanha, e uma grande coleção das suas melhores fotografias no Centro de Memória da Unicamp. O evento é parte da abertura da programação do Festival Cores do Interior que homenageia na edição deste ano Antônio Roseno. “A Sociedade Amigos da Pinacoteca adquiriu um trabalho para que Roseno integre-se às artes plásticas potiguares na Pinacoteca de Mossoró, cumprindo um dever de justiça com o conterrâneo. Roseno, que além de pintar, escrevia nas suas obras, insistia mais das vezes que queria ser um passarinho para conhecer o mundo! Pelas mãos do professor Geraldo parte desse sonho está se realizando, a sua Arte Bruta encanta olhares estrangeiros”, acrescenta Isaura Rosado.  No dia 22 de junho, às 20h acontece o lançamento da exposição virtual e a entrega da obra adquirida; e, a 30 de setembro, a abertura do Salão As Cores do Interior, com curadoria de Dione Caldas.
 
OBITUÁRIO
 
Morreu Francisco Brines.
 
Francisco Brines nasceu a 22 de janeiro de 1932. Nome de destaque na chamada Geração de 50, compôs uma obra que se destaca como continuadora da tradição poética forjada por nomes como Luis Cernuda e Constantino Kaváfis. Cursou Direito nas universidades de Deusto, Valencia e Salamanca; Filosofia e Letras em Madri. Foi professor de literatura espanhola nas universidades de Cambridge e Oxford. Sua estreia como poeta foi com o livro Las brasas, em 1959, premiado com o Adonais e reconhecido seu melhor trabalho; depois deste vieram títulos como Palabras en la oscuridad (1966), Insistencias en Luzbel (1977) e A última costa (1995) — este último traduzido em Portugal. Em 2001, foi eleito para a Real Academia Espanhola. Dos vários prêmios importantes recebidos estão o Prêmio Rainha Sofía de Poesia Ibero-americana em 2010 e o Prêmio Cervantes, em 2020. Francisco Brines morreu no dia 20 de maio de 2021.

DICAS DE LEITURA
 
Alguns estrangeiros pouco conhecidos entre nós e com obras recentemente colocadas outra vez em circulação, ou mesmo esgotadas e ainda encontradas por valores acessíveis. Esse mote veio a partir da post sobre o escritor Prêmio Nobel Henryk Sienkiewicz. E é possível que sirva para dois ou mais instantes nestas dicas. O primeiro deles é este e não inclui, por enquanto, a obra do escritor polonês.
 
1. O processo Maurizius, de Jakob Wassermann. Este senhor alemão é considerado por muitos um dos mais importantes nomes da literatura no seu país. Dele, quase nada foi traduzido por aqui; do levantamento junto aos livreiros encontramos apenas este romance publicado anteriormente pela Abril Cultural com tradução de dois mestres da nossa literatura também meio esquecidos, Octavio de Farias e Adonias Filho. Recentemente a editora Sétimo Selo reeditou este trabalho aceito como um dos mais importantes romances no âmbito da chamada ficção psicológica; Wassermann chegou a ser designado por isso como um Dostoiévski do século XX. Aqui, acompanhamos Etzel Andergast, um rapaz de dezesseis anos, filho do procurador-geral, que descobre as atas de um processo polêmico e central para a carreira do pai sem saber que isso mudaria para sempre sua própria vida. Trata-se de um romance que se oferece como uma profunda reflexão sobre a justiça, o livre-arbítrio e a incessante busca pela verdade. O livro é a primeira parte de uma trilogia constituída por Etzel Andergast e A terceira existência de Joseph Kerhoven.
 
2. A saga de Gösta Berling, de Selma Lagerlöf. Ela foi a primeira mulher a receber o mais importante galardão no meio literário — foi em 1909 que a escritora sueca recebeu o Prêmio Nobel. Apesar de mais traduzida por aqui que Jakob Wassermann — existem De saga em saga, A viagem maravilhosa de Nils Holgersson e O anel do general, este já resenhado aqui — sua obra ainda é quase totalmente desconhecida entre nós. O romance aqui recomendado acrescenta uma novidade aos leitores brasileiros tantos anos depois — as traduções referidas são já antigas. A saga é o primeiro livro de Lagerlöf; seu protagonista é um pastor destituído depois de alguns vexames causados pelo alcoolismo — homem excessivamente bonito, capaz de provocar paixões arrebatadoras, torna-se mendigo e depois cavalheiro da casa senhorial de Ekeby graças à compaixão da mulher mais poderosa de Värmland. A tradução de Guilherme da Silva Braga foi publicada recentemente pela editora Carambaia.
 
3. Os Thibault, de Roger Martin du Gard. Parece que dos dois escritores citados nesta breve lista, este é o junto com Selma Lagerlöf os melhores colocados. Encontramos com alguma facilidade nos sebos títulos como Confidência africana, Velha França e O drama de Jean Barois. Martin du Gard ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1937, mas apesar de algum interesse a certa altura entre os leitores brasileiros, também figura nas listas dos semidesconhecidos. A saga aqui recomendada se destaca como sua obra-prima. Em cinco volumes acompanhamos os impasses morais e políticos de uma família francesa, católica e burguesa no estopim da Primeira Guerra Mundial em 1914. A narrativa acompanha as duas primeiras décadas do século XX a partir do retrato dos dois filhos do velho Thibault: Jacques, um revoltado espiritual, e Antoine, um médico prático e enérgico. A tradução de Casimiro Fernandes está publicada pela editora Globo.
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
1. Por falar sobre obras estrangeiras em pouca circulação no Brasil, vale citar a ausência até agora de uma edição com a poesia de Francisco Brines — ainda que uma breve antologia. Das traduções que circulam em Portugal, o blog da Revista 7faces, trouxe três poemas do poeta espanhol — acessível aqui
 
2. No dia 21 de maio passou a data de nascimento, de Olga Savary, poeta que morreu também neste mês em 2020. Recordamos este excerto do documentário O amor natural (dirigido por Heddy Honigmann) em que Olga lê o poema “Era manhã de setembro”, de Carlos Drummond de Andrade. 

3. Por esses dias Bebeto Abrantes divulgou no seu canal online este vídeo com imagens de João Cabral de Melo Neto capturadas pela sua companheira Stella Maria e depoimento da filha do poeta, Inez Cabral.

BAÚ DE LETRAS
 
1. Toda última quinta-feira do mês, o blog publica um texto de Pedro Fernandes para o projeto de leitura sobre clássicos da literatura brasileira. No total, dessa primeira sequência de publicações, serão doze entradas. Mas, muito antes disso, já publicávamos (e publicamos à parte) posts do tipo; como este, sobre O seminarista, romance de Bernardo Guimarães escrito também em clave romântica, uma glosa de Paul et Virginie, de Bernardin de Saint-Pierre.

2. Neste 23 de maio de 2021 passam-se os 130 anos do nascimento de Pär Lagerkvist. O escritor sueco foi ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1951; escreveu poesia, teatro, romances e contos. Leia aqui um breve perfil sobre o escritor.

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