Gertrude Stein em Paris

Por Luiz Edmundo Alves


G. Stein posa ao lado do quadro Retrato de Gertrudes Stein, de Pablo Picasso.



Boa parte da história da arte moderna, especialmente pintura e literatura, passa pela Paris do início do século. O ano base seria 1903, quando a escritora americana Gertrude Stein chega a Paris. Miss Stein se achava genial, como geniais eram alguns dos amigos que faria: Pablo Picasso, Matisse, Braque, Derain, Juan Gris, Apollinaire, Francis Picábia, Ezra Pound e Joyce, isso apenas pra citar alguns. Mas Miss Stein era realmente genial e escreveu Autobiografia de Alice B. Toklas, livro fundamental da vanguarda dos anos 10, 20 e 30. Com estilo muito próprio, a narrativa conta como jovens artistas e escritores vindos das mais diversas partes do mundo se encontram em Paris e detonam novos caminhos para a arte. Picasso vinha da Catalunha, Joyce da Irlanda, ela própria vinha da América, Nijinski era russo, havia vários franceses, como Cocteau, Apollinaire, Matisse. É bom lembrar que, apesar do nome, o livro foi escrito por Miss Stein, tendo como porta-voz Alice B. Toklas, sua companheira durante vinte e cinco anos. Compondo um interessante painel das três primeiras décadas deste século: "Gertrude Stein e o irmão visitavam frequentemente os Matisse que constantemente retribuíam as visitas. De vez em quando Madame Matisse convidava-os para almoçar, o que acontecia principalmente quando recebia alguma lebre de presente. Lebre estufada feita por Madame Matisse à moda de Perpignan era algo fora do comum. Tinha também vinho de primeira, um pouco pesado, mas excelente". Durante esse tempo Miss Stein e sua companheira Alice viveram no número 27, rue de Fleurus. Este endereço se tornaria lendário e um importante ponto de encontro desses "gênios".

Gertrude Stein seria a primeira a pendurar em sua parede pinturas de Juan Gris, Matisse e Picasso. Mais tarde romperia com muitos deles, inclusive com Picasso, por quem manteve grande afeição. Antes porém, posaria noventa e três vezes para que o artista catalão desse por finalizado o seu retrato: "Mas em nada se parece comigo, Pablo", disse ela. "Mas certamente vai parecer, Gertrude, certamente...", respondeu o pintor. O rompimento dos dois se daria apenas em 1927, por ocasião da morte de Juan Gris. Gertrude acusou Picasso de não ter estimado Gris o bastante, ele retrucou e os dois tiveram um belo e histórico bate-boca.

Como disse antes Miss Stein se achava genial e adorava fazer provocações. A palavra GÊNIO exercia mesmo uma influência considerável em sua vida. Afinal era uma escritora de estilo bastante peculiar e engenhoso, a inventora da escrita automática. Assim os intelectuais de seu tempo perguntavam se ela era mesmo gênio ou não passava de uma impostora. Ela dava o troco: "Ser gênio exige um tempo medonho, indo de um lugar a outro sem nada fazer", ou então: "um gênio é um gênio, mesmo quando nada faz".

Com a primeira guerra Miss Stein e Alice viveram sua aventura alistando-se no F.A.F.F, um Fundo de proteção aos americanos que então viviam na Europa, dando folga a seus embates artísticos e literários, a aventura é narrada na Autobiografia. Após a guerra a vida voltou ao normal mas tudo já estava transformado para sempre, inclusive e principalmente Paris. Não tanto a fachada e a arquitetura da cidade, mas as pessoas e o ritmo da vida. Apollinaire morrera poucos dias antes do armistício, logo ele, que fazia as coisas acontecerem, era poeta, crítico, empresário do cubismo, enfim um expoente da Belle Époque e um embaixador da vanguarda. Mas a cidade continuava tão linda como antes e agora se enchia de turistas americanos, havia bons hotéis, sobravam bom vinho, pães, patés e carvão. No livro de memórias Paris é uma Festa, Ernest Hemingway conta que alguns bares acendiam braseiros em sua portas, mantendo-os quentes e alegres.

Para os americanos recém-chegados havia um ponto que também se tornaria histórico: a livraria Shakespeare and Company, de Sylvia Beach, que alugava livros em língua inglesa e servia de referência para o recebimento de cartas. Lá Gertrude Stein conheceu Sherewood Anderson e Ezra Poud. Adorou o primeiro, principalmente por seus belos olhos italianados, mas ficou em dúvida com relação a Pound, talvez porque Pound falasse ainda mais que ela. Bem, Gertrude e Alice também mudaram muito e já não tinham a mesma tolerância para com o velhos amigos. Novos amigos vieram bater às suas portas: pintores, escritores e músicos. Entre os aspirantes a escritores estava Hemingway. Jovem e ambicioso, logo se tornaria um bom amigo: "Minha mulher e eu já nos havíamos apresentados a Miss Stein, e tanto ela como a amiga com quem vivia tinham sido muito cordiais e amistosas conosco; ficamos apaixonados pelo estúdio e seus quadros maravilhosos. Era como uma das melhores salas do mais belo museu, com a vantagem de haver uma enorme lareira que nos proporcionava calor e conforto e elas nos ofereceram boas coisas pra comer, além de chá e licores de destilação natural, feitos de ameixas purpurina, ameixas amarelas e amoras silvestres, eram bebidas alcoólicas fragrantes, incolores guardadas em garrafas de cristal lapidado e servidas em cálices".

Hemingway lia e comentava os escritos de Gertrude que por sua vez fazia o mesmo com severidade infinitamente maior. Não demorou muito o escritor começou a ficar tão ou mais famoso que a mestre e isso pareceu não agradar a Gertrude .Os dois romperam definitivamente.

Outro dos jovens artistas que foram a Paris buscar reconhecimento e sucesso era Virgil Thonsom. Em 1921 ele chegou a Paris como membro do Coral Havard Glee Club, apaixonou-se pela cidade e foi ficando. Também teve em Miss Stein sua estrela guia. Foi Thomson quem melhor verbalizou o sentimento dos jovens músicos de seu tempo: "Todos tiveram professores de música alemães ou formados por professores alemães. E estava na hora de sair desta." Thomson agora estudava e vivenciava a música na Paris de Ravel, de Satie, Debussy e Stravinsk. Gertrude não se ligava muito em música, mas Alice amava ballet e um dia as duas foram assistir a uma apresentação de A Sagração da Primavera de Stravinski, tanto pelo escândalo que causou como pela obra em si. A récita, a segunda, recebeu vaias e aplausos na mesma proporção, o que tornou inaudível a música. Alice saiu exultante, maravilhada com o cenário, ao contrário de Miss Stein que parecia terrivelmente entediada, perguntando-se onde estava a música.

"Uma rosa é uma rosa é uma rosa" tornou-se um dos versos mais famosos da literatura e foi escrito por Gertrude, que nunca se destacou como poeta, mas sim por sua enorme capacidade de polemizar e por seus livros de prosa: Três Vidas, tradução de José Paulo Paes e Breno Silveira e Autobiografia de Todo Mundo, tradução de Julio Castañon Guimarães e José Contrim Filho, ambos da Editora Nova Fronteira. Sua obra mais conhecida é Autobiografia de Alice B. Toklas, publicada no Brasil pela L&PM, com tradução de Milton Persson. Gertrude Stein nasceu em 1874 em Alleghany, na Pensilvânia e morreu em 1946 em Paris. Pra quem gosta do assunto sugiro Paris é uma festa, de Ernest Hemingway e Os anos loucos, de Willian Wiser, além dos livros de la Stein, claro...


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