Gertrude Stein e Alice B. Toklas

Por Telma Amaral Gonçalves 



Gertrude e Alice nasceram e foram educadas nos Estados Unidos. O par se conheceu em Paris no ano de 1907 e passou a viver junto dois anos depois, em 1909 somando trinta e sete anos de relacionamento.

Gertrude era filha caçula de empresários judeus e havia perdido a mãe para o câncer aos catorze anos e o pai aos dezessete. Nascida no Pensilvânia, morou na Áustria e depois na França com o irmão mais velho, onde se estabeleceu definitivamente. Foi na França que começou a tentar seriamente a carreira literária e a se interessar e adquirir obras de arte moderna o que se tornou uma paixão cultivada longamente. E foi também nesse país que adquiriu notoriedade como escritora.

Alice B. Toklas, como sempre aparece nas referências a seu nome, suas ou de outros, nasceu em São Francisco, Califórnia, no seio de uma família também judia de classe média. De modo semelhante à Stein, perdeu sua mãe para o câncer aos vinte anos. Em viagem por Paris conhece Gertrude e se junta a ela e ao grupo de artistas expatriados com os quais esta mantinha estreita relação à exemplo Picasso, Matisse, Hemingway e tantos outros. 

Aliás, em algumas crônicas escritas por Hemingway e reunidas depois na conhecida coletânea que repete sua frase famosa sobre a cidade luz – “Paris é uma festa” – este autor apresenta uma rico painel de sua relação com Alice e Gertrude, bem como do estilo de vida e da personalidade das duas e da importância e repercussão do movimentado “salão” da casa da escritora onde todos da chamada “geração perdida” eram recebidos.

Alice ficou fascinada com Gertrude, com sua aparência, com sua voz, com seu porte altivo. Como ela mesma disse em A autobiografia de Alice B. Toklas: “as duas coisas dela que mais me impressionaram foram o broche de coral que usava e a voz”.

Ela permanece na França e passa a morar com Gertrude assumindo a posição de secretária, amante, de administradora da casa e, de certo modo, da vida da escritora, pois é ela quem cuida de tudo que diz respeito não só ao cotidiano do par, mas também, gerencia a vida profissional de Gertrude. 

Cercadas por um círculo invejável de amigos que se tornariam ilustres, elas desfrutavam constantemente da presença destes em casa, mas até disso Alice cuidava e tratava de despachar aqueles que considerava indignos do salão de Stein. Esta, por seu turno, habituada a ser cuidada e a deixar que os outros realizassem por ela as mínimas tarefas, cuidava apenas de sua produção literária o que não lhe exigia muito esforço, pois seu ritmo de trabalho era lento - ela apenas escrevia e Alice datilografava e traduzia se fosse o caso; além disso, Stein considerava-se um gênio e afirmava que "ser gênio leva muito tempo, você tem que ficar sentada por muito tempo, sem fazer nada, absolutamente nada", preceito que ela seguia à risca.

Assim, mesmo se colocando fora dos refletores e à sombra de Stein, Alice desempenhava um papel central na vida de ambas e, em especial, na carreira literária de Gertrude que ela acompanhava com extremado zelo, mesmo depois que esta se foi. A consagração total de Stein se deu com a publicação em 1933 de uma obra em que, ainda que a autoria fosse daquela que se tornara uma celebridade em sua época, o tema versava sobre Alice, a outra que sempre se manteve obscurecida pelo brilho de Stein que era quem se destacava na vida pública dada a sua condição de escritora. 

Por outro lado, A autobiografia de Alice B. Toklas é uma obra que dá visibilidade à Alice, mas sempre sob a pena de escritora de Stein, reproduzindo, desse modo, literariamente o que foi a vida de ambas. Aliás, também fielmente traduzida no livro, este escrito por Toklas que, a partir de um tema expresso no título, trata das memórias de suas vidas e da própria vida na França ocupada pelos alemães – O livro de cozinha de Alice B. Toklas.

Foram quase quarenta anos de um convivência intensa, que atravessa inclusive, como referido acima, a França ocupada pelos alemães, de um vida partilhada em que Alice e Gertrude estiveram sempre juntas. Vítima de um câncer, doença que mais uma vez interfere na vida das duas, Gertrude sucumbe aos sessenta e oito anos, deixando Alice desolada. 

Ainda assim, ela continua a exercer seu papel de administradora da obra de sua parceira. Sua velhice foi difícil e em meio à pobreza, pois ainda que em testamento Gertrude tenha deixado parte de sua coleção de arte moderna para ela, o usufruto destes bens só poderia ser em vida e por ocasião de sua morte ficaria na posse do sobrinho de Gertrude, o que impossibilitava sua comercialização principalmente diante do olhar atento dos herdeiros. Assim, Alice sofreu inúmeras privações e teve que contar com a ajuda de alguns poucos amigos.

Para a posteridade permaneceu Gertrude e sua obra, para os conhecedores da vida destas duas mulheres, ficou registrada uma singular história de amor.

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* Este texto foi publicado inicialmente nos anais do XVII Encontro Nacional da Rede Feminista e Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero e reproduzido com breves ajustes neste blog com aval da autora.

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