Sara Mesa: ciúmes, cães e a montanha que os observa
Por Aloma Rodríguez

Nat, a protagonista de Um amor,
deixou sua vida urbana para trás e se mudou para uma pequena cidade, La Escapa,
porque viver é mais barato. A casa é suja, tem uma torneira vazando, mosquitos
e é pequena. O caseiro, como esperado, é grosseiro, e a mulher guarda um pouco
de medo dele. Ainda assim, Nat tenta se concentrar em seu novo trabalho como
tradutora de literatura e encontrar o que quer que tenha sido sua missão com a
escolha realizada pela nova vida: uma espécie de reencontro consigo mesma. Este
romance de Sara Mesa (Madri, 1976), como o anterior, Cara de pan, explora
preconceitos e brinca com as expectativas que gera no leitor a história em
construção pela narrativa.
Nat é uma estranha no povoado para
o qual se muda, presidido pela onipresente montanha El Glauco. Ela luta com as
palavras de sua tradução, uma peça de uma escritora que mudou sua língua
materna para o francês (Ágota Kristof?). A tradução serve como um pretexto
deliberadamente desperdiçado para falar sobre a importância da precisão nas
palavras ao nomear as coisas. Mas essa questão aparece muito rapidamente,
porque a protagonista abandona a tradução, ou pelo menos a deixa de lado.
Ao mesmo tempo, a nova moradora de
La Escapa trabalha duro para limpar a casa e os terrenos ao redor, vai ao
mercado e às vezes ao bar do Gordo, mas somente quando o faz na companhia de
Píter, seu vizinho, que é conhecido na cidade como o hippie. Adota um
cachorro, Sieso, do caseiro, com quem seu relacionamento se torna cada vez mais
tenso.
O que começa como um relato de um
novo começo no mundo rural se transforma em uma atmosfera cada vez mais
perturbadora, na qual parece que algo ruim está prestes a acontecer. Essa sensação
aumenta quando Nat descobre as palavras que alguém pintou em uma casa
abandonada. Píter conta que ali moravam dois irmãos, que manteriam uma relação
incestuosa, e que a casa foi saqueada pelos moradores do povoado.
Poderia ser o vizinho, tão gentil,
servil, condescendente e dedicado a ponto de causar desconforto. Ou o caseiro
brusco que a intimida e escondeu dela alguns defeitos da casa. Ou o Gordo. Ou
Joaquín, o velho cuja esposa exige cuidados constantes. Ou o alemão, que não é
alemão, mas não importa porque na aldeia é o alemão. Ou o cigano. Ou outro
vizinho, que vem nos fins de semana com a esposa e os dois filhos e dá festas
para comemorar a chegada do outono.
O romance tenta criar uma
atmosfera inóspita em relação a Nat, mas talvez isso seja apenas fruto da
imaginação dela. A história é contada da sua perspectiva, a de uma mulher que
vê o mundo com suspeita e um certo grau de desconfiança, que tende a ser
desconfiada e se sentir ameaçada. Por exemplo, em seu emprego anterior, ela
cometeu um erro, que foi perdoada, mas acreditava que isso a deixaria
permanentemente vulnerável e foi embora.
Uma tempestade de verão revela
mais do que apenas goteiras na nova morada: várias telhas estão quebradas e o
reparo não é coisa fácil. É esse incidente que marcará uma virada na estadia dessa
mulher no povoado: o alemão pode consertar o telhado, ele sabe como fazer, mas
ela não sabe se pode permitir. Ele lhe oferece uma troca peculiar com capricho
e quase assepticamente.
O livro possui três partes, e a central
apresenta a história de amor mencionada no título. Antes e depois, Nat está
sozinha, tentando se encontrar sem saber o que precisa fazer para tanto. Em Um
amor vagueia muitos fantasmas: do passado que sempre retornam, com maior ou
menor acerto narrativo; ou interiores, como os ciúmes, que são tratados com
precisão.
Há violência, tragédia, repúdio e um
convite, como em Cara de pan, para abandonar preconceitos e prestar
atenção às coisas antes de julgá-las. Há também um desejo de apontar os vícios
da tribo, o que reforça seu senso de pertencimento ao apontar inimigos comuns
fora dela. Tudo isso é parte da narrativa, e também podemos imaginar o desejo
de entender como funciona uma mente movida pela paranoia.
Este é um romance complexo e
difícil de definir: em alguns momentos a atmosfera recorda Dogville, de
Lars von Trier; a presença dos cães latindo todas as noites leva o leitor ao Desonra,
de Coetzee e, quando aparenta ingressar num plano selvagem, lembra o thriller
Elle, de Paul Verhoeven. Pode-se encontrar paralelos também com os dois
livros de Annie Ernaux, Paixão simples e A ocupação (o primeiro é
uma história de desejo; o segundo, de ciúme). Possui ainda elementos que o
tornam cinematográfico pela força das imagens: a paisagem, a descrição dos
espaços ou a tensão palpável.
Há também uma reflexão ou
questionamento subjacente sobre o papel que o poder desempenha nos
relacionamentos e no desejo. A questão que resta depois de concluir o livro é
se, mesmo sem ver as costuras, o resultado não é demasiadamente cerebral. Essa
sensação é provocada pelo fato de que talvez algumas coisas aconteçam muito
abruptamente e isso nem sempre funciona. Mas talvez na realidade a estrutura do
romance seja um reflexo do que a protagonista descobre ao final, no topo de El
Glauco: “Entende que não se chega ao alvo apontando, mas com descuido, através
de oscilações e rodeios, quase por acaso. Vê claramente que tudo levava a esse
momento. Inclusive o que parecia não levar a parte alguma.”¹
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Um amor
Sara Mesa
Silvia Massimini Felix (Trad.)
Autêntica Contemporânea, 2023
Nota da tradução
1 A passagem do romance é da tradução de Silvia Massimini Felix (Autêntica Contemporânea, 2023). O restante do texto é tradução livre de “Sara Mesa: celos, perros y el monte que los mira”, publicado aqui, em Letras Libres.
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