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Giuseppe Ungaretti. Foto: Emilio Ronchini |
Em momentos de desânimo, quase
sempre presentes, quando acreditamos que ninguém se interessa por nossas
obras,
nós, aspirantes a poetas, consolamo-nos com a ideia de que as tiragens escassas
e mal distribuídas, que nos condenarão para sempre ao ostracismo, não são uma novidade
destes tempos. Um bom exemplo disso é a edição de
Il porto sepolto [O
porto enterrado] (1916), reimpressa em 1923 com uma introdução de Benito
Mussolini e a semente de
A alegria (1931), de Giuseppe Ungaretti (1888-1970).
No outono de 1912, Ungaretti
deixou o Egito em direção a Paris, onde estudou com Henri Bergson e entrou em
contato com os maiores representantes dos movimentos artísticos de vanguarda (Guillaume
Apollinaire, Pablo Picasso, Giorgio de Chirico, Amadeo Modigliani, entre outros).
Por ocasião da Exposição Futurista na Galeria Bernheim Jeune, conheceu vários
intelectuais italianos proeminentes, como Giovanni Papini, Mario Soffici e Aldo
Palazzeschi, que o convidaram a colaborar na revista
Lacerba. Em
fevereiro de 1915, poucos meses após se mudar para Milão devido à eclosão da
Primeira Guerra Mundial, sai nesse periódico seus dois primeiros poemas.
Imediatamente depois, a Itália entrou na guerra e Ungaretti foi convocado.
Designado para Monte San Michele,
no Carso, como soldado raso do 19º Regimento de Infantaria, no final de
dezembro de 1915, em seu primeiro dia nas trincheiras, o poeta em formação e
soldado pacifista iniciou a escrita de
O porto enterrado. As
experiências de um ano inteiro, praticamente sem se deslocar de um lugar, são
capturadas nesses breves textos, quase como notas urgentes: a fraternidade
entre os homens, a morte, a natureza, a precariedade da existência e o anseio
pela vida — em suma, os diferentes lados da batalha.
O resultado foi um diário
anárquico escrito em cartões, envelopes, margens de jornais velhos ou espaços
em branco em cartas recebidas, e guardado na mochila obrigatória. A julgar pelo
testemunho do autor, não sabemos até que ponto era sincero, a sua escrita
respondia a um mero exame de consciência, uma maneira de se buscar e se
encontrar, sem o menor desejo de divulgação. No entanto, o acaso ou a
necessidade, fica ao gosto do freguês, tinham seus próprios planos.
Um dia, durante uma licença, enquanto
passeava pelas ruas de Santa Maria della Versa, na província de Pavia, um jovem
tenente se aproximou dele, e ele não pôde deixar de lhe confiar, explicando seu
alívio, seu bálsamo solitário, em meio aos estragos do conflito. Um recruta
estranho que tropeça em um estranho intendente. Amante da poesia e poeta,
Ettore Serra — esse era o nome de seu interlocutor — lera Ungaretti em
Lacerba
e talvez melhor em
La Voce. Aguçado pela curiosidade, Serra decidiu
pegar sua mochila, organizou os pedaços de papel e, pouco depois, ao cruzarem o
Monte San Michele, trouxe-lhe as provas de um caderno para a devida correção.
Assim, um ano após seu alistamento
e também do prelúdio de sua composição, em dezembro de 1916, Ungaretti tinha em
mãos
O porto enterrado, oitenta exemplares numerados impressos em Udine,
evidentemente esgotados e pagos por seu inesperado mecenas.
Consequentemente, até chegar à
famosa
A alegria, o livro teria várias temporadas, nas quais se
expandiria sucessivamente e até mudaria de título: daqueles oitenta exemplares
distribuídos em meio às hostilidades — é preciso dizer que as circunstâncias
não eram as mais favoráveis
—, o universo de Ungaretti se abriu lentamente at
é realizar, com plena certeza, o que ele acreditava ser a maior
ambi
ção de qualquer poeta: deixar uma bela
biografia.
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