Os melhores de 2017: poesia


Poesia completa, de Gilka Machado.
A poeta foi sempre apresentada como uma das únicas mulheres representantes do Simbolismo no Brasil e pioneira da poesia erótica. Mas, há muito sua obra estava fora de circulação no país. Quer dizer, alguns de seus livros apresentados por aqui, como Carne e alma, Meu rosto, Sublimação e Mulher nua (desses apenas o último foi editado com este título pela poeta) batia recorde de preços entre os livreiros e sebistas. Uma antologia que trazia extensa parte de sua obra, Poesias completas também há muito estava fora de catálogo. A edição organizada por Jamyle Rkain, com prefácio de Maria Lúcia Dal Farra, copia os seis livros de Gilka de Machado e preenche uma grande lacuna. Uma redescoberta que poderíamos chamar de trabalho editorial do ano no que se refere à poesia brasileira.

— Contratempo, de Pedro Mexia.
Este é um dos vários poetas de grande importância para a língua portuguesa na contemporaneidade. O livro editado no Brasil traz apresentação do poeta Eucanaã Ferraz que compreende a poesia de Mexia como um texto que “transita quase sem espanto, desassombrada, por entre ruínas, lúcida e melancólica. Os versos fazem-se, sobretudo, com o diapasão da simplicidade. Os mistérios surgem então como resquícios, restos que emergem da lembrança, testemunhos silenciosos e confusos: casas, automóveis, livros, espingardas, fotografias, animais, canções. Eis uma escrita voltada para as coisas materiais — acumuladas no lixo ou num ferro velho —, mas que no seu apego à matéria e ao corpo não se recusa ao estranhamento, à surpresa, à dúvida”. O livro em questão reúne poemas escolhidos por Mexia de outros sete títulos seus.

Não é o silêncio quem passa, de Bruno Prado.
Publicado dentro e fora do Brasil em várias revistas e antologias e sete anos depois de publicar seu primeiro livro, Fraturas, o poeta agora exercita-se em trabalhar a linguagem e manipular a palavra em poesia até formar uma antologia. Na quase uma centena de poemas reunidos neste livro se revela a busca do autor em explorar os limites entre o discurso e o vazio. “O que se experimenta nessa faúlha de falhas nada mais é do que uma pronúncia vazia – de um transeunte disperso, absorto, a relatar senão um instante de imagens”, observa Bruno Prado Lopes no texto de abertura do livro.

O martelo, de Adelaide Ivánova.
Este é o terceiro de livro da poeta. Foi publicado primeiro em Portugal e este ano no Brasil numa edição com trabalho editorial interativo: uma fina camada de tinta vermelha que cobre a capa suja suavemente as mãos de quem o encosta. Dividido em duas partes, o livro se destaca da atual poesia brasileira ao assumir uma voz verdadeiramente feroz e não temer tratar assuntos cortantes. Nas palavras de Carol Almeida, autora do posfácio: “É chegada a hora de soltar o verbo e o gozo de dizer o que precisa ser dito do jeito que precisa ser dito, ou de como estupro é estupro, trepada é trepada e literatura é sentir na pele o peso das palavras”.

Potnia, de Leonardo Chioda.
Ao mesmo tempo que introduz novas inflexões na lírica contemporânea brasileira, entrelaçando-a a uma tradição ocidental (aliás, é este um dos trabalhos mais ardilosos em que uma variada produção literária se filia, num movimento contínuo de universalização do literário patente desde quando as criações literárias se centravam apenas no exercício de cópia do clássico), os poemas nos levam ao tempo do ato poético enquanto pulsão, força sublime. Essa característica poética se deixa ouvir desde alguns dos poemas de Tempestardes, o livro de estreia do poeta já dotado de algumas ambições aqui colocadas em prática e, portanto, demonstrativas de que estamos ante um afeito em conformar uma trajetória para nós interessante de acompanhar de muito perto. Leia mais aqui.

A criança em ruínas, de José Luís Peixoto.
A obra publicada no Brasil neste ano é de 2001, um ano depois dos romances Morreste-me e Nenhum olhar; este último rendeu ao escritor o Prêmio José Saramago. A antologia traz textos do início da carreira de Peixoto e que ficaram guardados na gaveta por longo tempo, e outros feitos quando já pensava em organizar um volume de poesias. Tendo como temática principal a nostalgia da “criança em ruínas”, a obra reúne vários poemas de diferentes fases da vida do autor. A melancolia, os cenários de dor, os problemas existenciais e as inquietações estão presentes na maioria dos textos. O mundo poético surge aqui definido como sendo aquele em que o poeta é o “imigrante dentro de uma estrela, de um parágrafo”.

Ensaios para a queda, de Fernanda Fatureto.
A poesia de Fernanda Fatureto propõe, ao menos, três dilemas: um, a travessia pela linguagem, o outro, a ruptura de uma condição que culturalmente e historicamente ainda influi na escrita, e, a possibilidade de subversão do mesmo lugar a que todos estão condenados.  Das várias simbologias recorrentes para o termo queda este título encerra a da finitude. Há um traço frio que colore todas as vezes em que o termo aparece na obra. Leia mais aqui.

O que se cala não nos cura, de Casé Lontra Marques.
Este é um extenso poema que transita entre a prosa e a poesia revestindo-se de uma sorte diversa de maneiras de estruturação. Uma só voz capaz de nos levar à vertigem pela complexidade de imagens por ela engendradas. Aí transfiguram por uma lente que perscruta todo seu entorno – dentro e fora do corpo, do seu e do amor – paisagens diversas sempre entremeadas pela reflexão de corte filosófico e como se interessado em dizer uma narrativa, muito embora, é apenas uma voz solitária a modelar elucubrações. Esta é uma obra que coloca o poeta entre os nomes da atualidade sobre o qual é necessário pousar alguma atenção.

Escarificação: ensimesma, de Cesar Kiraly.
O poeta já havia aparecido na cena literária brasileira com o livro Variações: sobre um tema de Anselm Kiefer, livro no qual a poesia buscava em diálogo com o discurso e as vozes da filosofia uma interpretação poética das coisas unindo nesse trabalho o aspecto visual das artes plásticas. Depois veio Fuga sobre o branco [ ]; e, neste mesmo ano o livro aqui indicado. Neste trabalho, é perceptível a mesma unidade de seu projeto criativo, embora se note uma desenvoltura na combinação, por vezes leve e proposital, de palavras que mantém algum contato sonoro. A voz poética ensaia, por fragmentos, uma lapidação de perfis que nunca se concluem e que à maneira de uma pintura apenas se acumulam para formam um universo em nascimento.

Na pureza do sacrilégio, de Carlos Cardoso.
Este é o terceiro livro do poeta. Vem referenciado por vozes importantes da criação literária brasileira contemporânea, mas nem devia porque é um livro cuja riqueza poética transparece do primeiro ao último poema, integralmente marcado pelo contraditório, assumido desde o título, e que aí se apresenta como uma poesia em contínuo estágio de tensão. Marcado pela brevidade, cada poema deste livro propicia no leitor momentos únicos que combinados favorecem uma apreensão do existente enquanto estrutura caleidoscópica que o é: “A memória é uma porta de escape, // fenda por onde o amor foge quando / o amor bate”, diz um dos poemas que ilustram perfeitamente as observações aqui apresentadas.  

Por que calar nossos amores? Poesia homoerótica latina, Raimundo Carvalho, Guilherme Gontijo Flores, Márcio Meireles Gouvêa Júnior et al (Orgs.)
Esta antologia poderia muito bem figurar entre os projetos editoriais de 2017 porque o trabalho é impecável. O livro chega ao Brasil em boa hora. Quando uma variedade de debates retrógrados que anseiam instaurar a obstrução das liberdades do corpo, eis uma coleção de poemas, mais antigos que quaisquer discursos redutores, a atestar no quanto a regressão dos nossos valores não encontra precedentes na gênese de nossa história. Cada poeta é apresentado pelos organizadores, ampliando as fronteiras da que se compreende por antologia e perfazendo uma espécie de enciclopédia da poesia homoerótica clássica – além de textos diversos de apoio.

Câmera lenta, de Marília García.
Este é o quinto livro da poeta carioca. Fruto de nove anos de escrita, o livro reúne poemas marcados pelo ensaísmo e pela oralidade. No primeiro caso, percebe-se certa continuidade da poesia reflexiva que já se encontrava em seu último livro, Um teste de resistores – algo que se nota na última parte do livro, em que os poemas se dedicam a uma profunda análise sobre as hélices do avião e sobre a vontade de decifração. O poema, aqui, é o lugar para experimentar, exercitar o pensamento “ao vivo” e testar procedimentos novos, sempre em aberto. A oralidade de sua poesia pode ser percebida, por exemplo, em textos que foram originalmente pensados para serem falados como “Tem país na paisagem”, que apresenta, em diferentes versões, uma fala da poeta no Congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada de 2016. Para Italo Moriconi, que assina a orelha, trata-se de uma “poética desbravadora, sofisticada, antenada”.

Refusões (poesia 2017-1982), de Marcelo Tápia.
Este único volume reúne a vasta produção poética de Tápia, além de inéditos. Perambulando com elegância e dionisíaca eloquência pelas trivialidades e perplexidades da vida, suas sensações e consequências, e assumindo formas as mais várias, do coloquialismo cotidiano às experimentações visuais e tipográficas, tem-se aqui um corpus lírico que descreve um completo trânsito pela senda poética da modernidade. Pensando o agrupamento de sua obra como resposta gráfica e incorporando um projeto que incorpora o campo da significação poética, Refusões segue “um eixo conceitual, uma quase-narrativa que se refaz em cada caso, por movimentos de ondeio à procura de um rumo (e de um princípio)”.

Poesia completa, de Alberto da Cunha Melo
Este é um livro há muito ansiado, o livro de um poeta que constitui a nascente da Geração 65 de poetas pernambucanos. Experimentador radical do estilo literário, sem se esquecer da tradição que o sustentou, recuperou a métrica do octossílabo branco, nos poemas da primeira fase, e é responsável pela criação inovadora da “retranca” (onze versos distribuídos em estrofes seguidas de um quarteto, um dístico, um terceto e, finalmente, um novo dístico). O solo que da matéria poética de Cunha Melo não é somente o das suas queridas cidades de Jaboatão, Olinda e Recife, mas o do Brasil como uma nação a ser descoberta. Para ele, a poesia é o veículo perfeito para uma travessia rumo ao imprevisível, dentro de um país que ainda precisa ser decifrado. A oportunidade está dada nesta edição de mais seis centenas de páginas que cobre toda a produção poética de Alberto Cunha Melo.

Dádiva, de Diva Cunha.
Segundo se conta o título deste livro é produto de um trocadilho de sílabas entre o nome da poeta e a palavra vida – este seu trabalho, que é o sexto livro de poemas de Diva Cunha levou oito anos de laboração. Nos dizeres de Márcio de Lima Dantas, a poesia e a poética de Diva “se afirmam pela boda entre o domínio dos procedimentos poéticos, sobretudo quando do corte preciso do verso para gerar um ritmo; cadência que ressuma uma polida melancolia, tanto quando discorre acerca de um erotismo ostensivamente feminino ou quando se volta sobre a dimensão material ou o próprio código de que fala: o discurso poético. Ambas portadoras de um mesmo significante: a carne viva da palavra”.

Esta vida, de Raymond  Carver.
Este é um escritor já reconhecido como um dos grandes mestres da arte do conto no século XX. Mas, é autor também de ua obra poética que se equipara, em fôlego e intensidade, a sua obra de ficcionista.  Admirador de William Carlos Williams e com um pé na tradição confessional de Robert Lowell e Sylvia Plath, a poesia de Carver é riquíssima em termos de observação da realidade. E é pela primeira vez que esta face do escritor é apresentada no Brasil. Esta vida reúne em edição bilíngue cinquenta poemas do autor, selecionados e traduzidos por Cide Piquet com base em seus principais livros de poesia: Fogos (1983), Onde a água se junta a outra água (1985), Ultramar (1986) e Um novo caminho para a queda d'água, publicado postumamente em 1989.

­— Meu coração está no bolso, de Frank O’Hara. 
É a primeira vez que poemas do poeta estadunidense aparecem numa antologia dedicada apenas à sua obra. Traduzidos por Beatriz Bastos e Paulo Henriques Britto, a edição copia 25 poemas do nome que fez parte, nos anos 1950 e 60, da New York School of Poetry. Conforme a sinopse que descreve a obra no catálogo da LunaParque Edições “Os versos de O’hara conduzem o leitor por um universo urbano e veloz, que dialoga com as vanguardas literárias e com outras artes, como cinema e artes plásticas. Aliás, por estar bem próximo de pintores como Jackson Pollock e Willem de Kooning, é como se o poeta tomasse emprestado deles a destreza da ‘action painting’ – técnica usada no expressionismo abstrato – para compor uma obra cheia de vida e alvoroço”.

Nona manhã, de Carl Jóhan Jensen.
A grande missão dos que semeia livros é tornar visível os bons trabalhos que sempre estão fadados ao desconhecimento. Assim, se não fosse a atitude da Editora Moinhos em firmar parcerias para trazer este livro ao Brasil, por exemplo, pouco são os daqui que saberiam da poesia de Jensen. O livro é ainda o primeiro do idioma feroês traduzido por aqui. A sua poesia é de uma linguagem ricamente trabalhada, envolta em manipulações que remontam aos exercícios clássicos de retórica, e, dessa maneira, derruba uma das limitações impostas entre esta arte do bem falar e a arte da poiesis.

– O equivocrata, de Raul Fiker
Este é o único livro do escritor e foi curiosamente reeditado no mesmo ano de sua morte. Na edição publicada em 2017 foi acrescentado um texto que não estava na edição original de 1976 pela Massao Ohno; de acordo com o próprio “O sedutor” não sai então por uma simples distração na montagem do livro. Na nova edição se reproduzem os textos do autor publicados no primeiro número da revista do movimento surrealista A Phala (1967), um prefácio escrito por Cláudio Willer e ilustrações da artista plástica Maninha Cavalcante.


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>>> Os melhores de 2017: cinema 

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