Destaques em projetos editoriais de 2017



– Macunaíma, de Mário de Andrade
Depois que a obra do escritor modernista passou a domínio público várias casas editoriais decidiram publicar uma edição diferenciada de seu livro principal. Há livros para todos os bolsos e gostos – e isso inclui as tiragens sofisticadas. Em 2016, a Ateliê Editorial já havia organizado uma tiragem pequena com uma edição especial (integrou esta mesma lista naquele ano); e, agora, a Ubu editora, casa que tem se destacado por excelentes publicações, investiu num livro do tipo. Assim, o romance de 1928 teve o texto estabelecido por Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo e apresentado numa tiragem limitada com monotipias de Luiz Zerbini que se utilizam da vegetação tropical na sua composição – uma relação com o caráter exuberante do texto de Mário. Da sobrecapa às imagens internas – 33 no total. A obra recupera ainda um glossário fixado por Diléa Zanotto Manfio feito para edição crítica de 1988, posfácio de Lúcia Sá e prefácios inéditos do próprio Mário de Andrade. Veja vídeo de apresentação aqui

– Novos mafuás. Crônicas de Lima Barreto e algumas outras coisas feitas por algumas pessoas, de Lima Barreto, Daniela Avelar, Henrique Martins et al
Durante a Festa Literária Internacional de Paraty 2017, que homenageava a obra e o escritor Lima Barreto, a editora Lote 42 integrou um projeto de residência gráfica na Casa do Papel com participação de Daniela Avelar, Henrique Martins, João Montanaro e Vânia Medeiros. A meta recriar Mafuás, livro de Lima Barreto. Orientados por Gustavo Piqueira, o livro foi organizado da concepção ao tratamento final nos dias do evento. Outros textos, desenhos, fotografias e vários outros materiais recompõem a cartografia da crônica de Lima Barreto.

– Contos holandeses (1839-1939), Daniel Dago (Org.)
Há vários elementos que respondem por inserir esta antologia numa lista como esta. E o principal deles é o fato de ser a primeira da literatura holandesa e do gênero editada no Brasil e na América Latina. Apaixonado por livros e um divulgador atento das edições novas na sua página no Facebook e, claro, grande leitor e tradutor da literatura holandesa, Daniel Dago compôs uma seleção de alto nível e grande fôlego que reúne um século de prosa breve da Holanda. De 1839 a 1939, a antologia reúne os principais representantes do cânone holandês: Hildebrand, Multatuli, Jacobus van Looy, Arnold Aletrino, Herman Heijermans, Jacob Isarël de Haan, Carry van Bruggen, Louis Couperus, Marcellus Emants, Theo Thijessen, Jan Jacob Slauerhoff, Edgar du Perron, Aart van der Leeuw e Hendrik Marsman. Sem dúvidas, uma das melhores e mais brilhantes antologias editadas no país neste ano e desde sempre.



– Guerra e paz, de Liev Tolstói
É o maior romance da literatura russa. A edição antiga, editada pela extinta Cosac Naify, foi produzida com o mimo e o zelo da reconhecida casa editorial pela qualidade gráfica de suas publicações. A caixa em acrílico com os livros em capa de veludo tornou-se de imediato, com o fim da editora, numa raridade de luxo vendida a quase R$2mil reais. Tamanho sucesso e tamanha edição não poderia ganhar um projeto editorial de menor tratamento. A Companhia das Letras, então, recriou o projeto editorial em dois volumes capa dura acondicionados numa caixa de papelão. À tradução de Rubens Figueiredo foi acrescentado o posfácio de Isaiah Berlin.

– Humus, de Raul Brandão
Este romance alcançou, em 2017, cem anos de sua primeira edição. Há muito fora de circulação no Brasil; a edição anterior a esta, para se ter uma ideia, data de 1921. A editora Carambaia corrigiu essa lacuna. Chamou o Mayumi Okuyama para a composição de um projeto gráfico inovador para um livro igualmente inovador. E o artista inspirado nas manchas e porosidades das casas da vila compôs uma edição que reproduz desenhos de Maria Laet que acentuam as referências geológicas e orgânicas do texto de Raul Brandão. O livro inclui ainda prefácio de Leonardo Gandolfi.



– A hora da estrela, de Clarice Lispector
Neste ano, a obra da escritora brasileira alcançou, finalmente, outro patamar na apresentação gráfica; acusada de sempre ser tratada com certo desleixo pela casa editorial que detém os direitos de publicação de Clarice, outro projeto gráfico, de traço minimalista atribui outra visão para uma obra que merece sempre dos criadores do livro um tratamento diferenciado. Influência disso o sucesso da edição em capa dura que reúne todos os contos da escritora que foi organizada pelo biógrafo Benjamin Moser. No ano dos 40 anos de publicação do romance mais conhecido de Clarice Lispector, a Editora Rocco construiu um trabalho belíssimo de reapresentação da novela: em capa dura, com sobrecapa em papel vegetal, a edição compila uma série de textos de figuras importantes que comentam a obra – um deles inédito: Nadia Gotlib, Eduardo Portella, Clarisse Fukelman, Colm Tóibín, Hélène Cixous e Florencia Garramuño. O livro reproduz ainda partes dos manuscritos para composição de A hora da estrela. Leia mais sobre aqui. Veja vídeo de apresentação aqui.

– Com o mar por meio. Uma amizade em cartas, de Paloma Jorge Amado e Ricardo Viel (Orgs.)
Ao abrir pela primeira vez o extenso baú de cartas de Jorge Amado, os administradores do patrimônio do escritor notaram a possibilidade de organizar uma edição com as cartas trocadas entre ele e o amigo José Saramago; a Fundação José Saramago, por sua vez, aceitou a ideia. Ao juntar os dois espólios em comum saiu esta edição que é um registro de uma amizade grandiosa e rica. A editora responsável pela obra dos dois escritores no Brasil editou o material num tratamento gráfico diferenciado: capa em papelão supremo, falsa, com costura aparente, verso tintado, impressão em azul e reprodução de fac-símiles, datiloscritos e fotografias do arquivo pessoal de José Saramago e Jorge Amado. Leia mais sobre aquiVeja vídeo de apresentação aqui.

– Caça ao Esnarque, de Lewis Carroll
Este poema há muito estava fora de catálogo no Brasil. Publicado originalmente em 1876, este pequeno livro é um épico do nonsense. Trata-se de um longo poema escritor pelo autor de Alice no país das maravilhas com algumas das mesmas personagens do poema Jabberwocky citado em Alice através do espelho. Dez personagens viajam em busca de um ser imaginário, o Esnarque, entre elas, um Castor, um Banqueiro e um Padeiro. A tradução que levou dez anos é de Alexandre Barbosa de Souza e Eduardo Brigagão; o projeto gráfico de Ana Caruso inclui ilustrações da artista plástica polonesa Gosia Bartosik.

– Poesia completa, de Cecília Meireles
A edição reunindo toda a poesia Cecília foi publicada por ocasião do centenário da poeta brasileira; o que marcava então era a apresentação pela primeira vez, depois de 1919, do livro de estreia da então adolescente Cecília e poemas nunca antes reunidos em livro. A obra fora organizada por Antonio Carlos Secchin. Neste ano, o projeto que foi uma das melhores surpresas para os amantes do livro, ganhou outra versão – desta vez organizado por André Seffrin. Editada pela Global Editora, os dois volumes é um ponto final noutro longo projeto conduzido por esta mesma casa desde 2012 que reeditou toda a obra de Cecília em edições autônomas. À edição foram acrescidos um texto de apresentação de Alberto da Costa e Silva e um caderno iconográfico com fotografias do arquivo pessoal da poeta, manuscritos e registro das capas das primeiras edições de seus livros.

– Borges babilônico, de Jorge Schwartz (Org.)
Este é um projeto colossal; demorou quase duas décadas para ser realizado. Coordenado por Jorge Schwartz e Maria Carolina de Araújo, dezenas de especialistas brasileiros e estrangeiros produziram mais de mil verbetes, compondo uma espécie de enciclopédia que ajuda ao leitor a decifrar nomes, referências, temas e citações que aparecem nos textos de Jorge Luis Borges. A obra reúne, dessa maneira, textos de nomes como Ricardo Piglia, Beatriz Sarlo, Davi Arrigucci Jr., entre outros.



– A órbita de King Kong, de José Luiz Passos
A história desta novela é a do macaco Ham, o primeiro hominídeo a fazer um voo espacial bem-sucedido. A narrativa acompanha em 15 capítulos a jornada histórica do simpático king kong, desde sua captura no Camarões, três anos antes de sua missão junto ao programa espacial estadunidense. A edição com tiragem limitada teve os textos do miolo compostos em linotipo e tipos móveis, na Oficina Quelônio, e impressos em tinta azul sobre papel especial. Integralmente ilustrada pela figurinista Raquel Barreto; originalmente feitas em colagem e depois impressas em papel vegetal. Toda a produção do livro é artesanal: o trabalho de Raquel, por exemplo, deixa se observar desde a cinta que compõe a capa original e cada um dos livros foi costurado à mão por Sílvia Nastari, diretora de arte da Editora Quelônio e autora do projeto gráfico da edição. Veja vídeo de apresentação aqui.

– Os diários de Sylvia Plath
De todos os livros publicados no Brasil neste ano é muito provável que este fosse um dos mais esperados pelos leitores por sua reedição; não apenas porque os preços entre os sebistas e livreiros beiravam à estratosfera, mas porque Sylvia Plath tem arrebatado uma geração de admiradores e interessados na sua obra. Autora de uma obra breve e que em grande parte já publicada do Brasil e com reedições constantes nos últimos anos, a impressão é sempre a falta e a necessidade de novidades de sua bibliografia. Os apelos serviram. E o selo da Globo Livros, Biblioteca Azul, no finalzinho do ano, atendeu com a reedição da obra. Escritos entre 1950 e 1962, o tomo reúne tudo o que veio a lume tão logo Ted Hughes autorizou a publicação. São oito cadernos e anotações diversas esparsas. Os relatos de seus anos como universitária, no Smtih College, o envolvimento e casamento com Ted, os anos como professora na Nova Inglaterra e outra diversidade de situações da vida estão reunidos. A edição copia datiloscritos, desenhos e um caderno de fotografias de Sylvia Plath.



– Novelas trágicas, de Marquês de Sade
É a primeira vez que estes textos ganham versão no Brasil e se marcam por uma singularidade: diferentemente de outras narrativas do escritor francês estas estão destituídas do sexo explícito. Foram escritas entre 1787 e 1788 enquanto estava preso na Bastilha e onde também escreveu obras como 120 dias de Sodoma. O projeto de narrar histórias “contidas nas regras do pudor e da decência” rendeu dezenas de novelas, das quais apenas onze foram publicadas só em 1799 com o título de Crimes do amor: novelas heroicas e trágicas. Cinco desses textos compõem o volume Novelas trágicas editado pela Carambaia. A autora do projeto gráfico irretocável é Luciana Fachhini; z edição traz ilustrações de Zansky que remetem às atitudes dissimuladas das personagens. Inclui-se ainda posfácio do tradutor André Luiz Barros.

– Contos reunidos, de Fiódor Dostoiévski
Muito do escritor russo já foi traduzido no Brasil, sobretudo depois da consolidação do que poderíamos chamar de uma escola de tradutores interessados em trazer do original para o nosso português a obra não apenas de Dostoiévski mas também a de outros russos. Um marco do interesse pela obra de um dos maiores nomes ao lado de Liev Tolstói é esta antologia que reúne 28 contos de Dostoiévski, do primeiro ao último ano de sua trajetória como escritor, incluindo alguns textos inéditos no Brasil. O volume traz ainda uma apresentação de Fátima Bianchi que analisa a importância das narrativas curtas na obra do escritor russo e versões alternativas para “O ladrão honrado” e “A mulher de outro e o marido debaixo da cama”.

A hora da lâmina, de Paulo Leminski.
O livro reúne os últimos textos publicados em vida pelo poeta; são pequenos ensaios aparecidos na Folha de Londrina em 1989; poucos dias depois do último deles, Leminski morreu em Curitiba. Esta antologia tem apresentação de Felipe Melhado e ilustrações originais criadas por João Ruas. A tiragem é pequena: de apenas trezentos exemplares, numerados, compostos e impressos com tipos móveis. Os ensaios de Paulo Leminski funcionam como um elogio do conflito, da potência máxima da ação.

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