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O túnel, de Ernesto Sabato

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Por Bruno Botto   O escritor argentino Ernesto Sabato criou uma trama simples para a sua novela O túnel . Um pintor errático se apaixona por Maria, uma mulher comprometida. O desejo de ficar junto dela acende as piores paranoias dentro de sua cabeça e essa narrativa funda um dos mais densos dos romances psicológicos produzidos na América Latina. A história se desenrola a partir do momento em que o pintor decide revelar os motivos que o levaram a matar sua obsessão, iniciando uma autoinvestigação.   O autor desse romance enveredou por vários outros gêneros e entre os reconhecimentos recebidos está o Prêmio Cervantes em 1984. Ainda em 1948, no começo de sua carreira, escreve a pequena novela O túnel , inspirado por O estrangeiro de Albert Camus, autor que mais tarde renderia elogios para o livro aquando da distribuição europeia. Ambos os romances publicados com seis anos de diferença carregam aproximações que formariam um legado para os adeptos de existencialismo na literatur...

Hermann Broch: o esteta absoluto

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Por Abel Posse   Hermann Broch ainda é bem desconhecido fora do âmbito da literatura germânica. Não tem a fama que merece, mas sua prosa se estabelece na lenta progressão das avaliações sinceras e figura como um dos autores das maiores obras do século XX, ao lado de James Joyce e Marcel Proust.   Quando Thomas Mann leu A morte de Virgílio , não hesitou em declarar que se tratava “do mais importante poema em prosa escrito na língua alemã”. Estranha honestidade de um escritor comprometido com a narrativa tradicional. Para Aldous Huxley, Broch foi a maior revelação e comoção. O escritor britânico, observador de costumes e de seu tempo, surpreendeu-se com o surgimento desse talento capaz de abolir as fronteiras tradicionais do romance e passar da prosa ao drama e ao poema, como momentos necessários e nunca antagônicos da realidade de nossas vidas. Para Hannah Arendt, Broch seria a romancista que mais conseguiu ir mais longe na reflexão sobre a enfermidade social de seu século. ...

Boletim Letras 360º #544

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William Carlos Williams. Foto: Arquivo Hulton LANÇAMENTOS Pela primeira vez no Brasil, Paterson , de William Carlos Williams. Livro sai pelo Clube de Poemas e em seguida fica disponível para os demais leitores .   Depois de uma vida inteira dedicada a inventar um idioma radical em que predominam a justeza e a beleza, William Carlos Williams decide escrever Paterson , sua obra-prima, história, ao mesmo tempo, de um homem, de uma cidade, de um país e de uma cultura com todas suas tensões e contradições. Monumento poético da literatura norte-americana do século XX, Paterson é um longo poema que combina verso, prosa, arquivo, corte, montagem e um lirismo de objetividade cativante. Nele, a poesia do alto modernismo em língua inglesa encontra um registro que a tudo deseja abarcar. Paterson foi escrito ao longo dos anos de 1940 e 1950 e sua versão integral só foi publicada postumamente, em 1963. Desde então, o poema tem feito a cabeça de várias gerações e artistas, entre eles, Jim Jarmu...

Trair Franz Kafka, o escritor que se adiantou ao seu tempo

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Por Sofía Viramontes Franz Kafka e o irmão mais novo do amigo Max Brod, Otto, no Castel Toblino, perto de Trento, na Itália.   Franz Kafka queria que suas obras fossem queimadas quando ele morresse. Mas ele foi traído por seu melhor amigo, Max Brod, que lhe deu uma fama póstuma não solicitada com a publicação de suas 3.850 páginas manuscritas que estavam guardadas em seu escritório.   O escritor tcheco, nascido em Praga em 3 de julho de 1883, era um obsessivo absoluto, um perfeccionista irremediável, neurótico, compulsivo, torturado por seu passado, inseguro e grandioso. Seus achaques e tormentos lhe permitiram construir um movimento literário e algumas das leituras mais importantes da história.   Kafka tinha um grupo de amigos íntimos — entre eles Brod, o traidor —, e discutia com eles os seus textos, mas não tinha confiança para publicá-los. Podia terminar uma narrativa numa noite, como fez com O veredito (1913), escrito das dez da noite às sete da manhã, mas sofria d...

Contos inéditos de Proust

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Por Christopher Domínguez Michael   Há obras depositadas em baús que, mais que fundo duplo, parecem não o ter, como as de Roberto Bolaño, Fernando Pessoa e, em menor escala, Marcel Proust. Passam-se os anos e as décadas enquanto coisas novas continuam a aparecer. Algumas são verdadeiras surpresas, outras rascunhos cuja preservação se deve ao imperdoável descuido de seus autores, que teriam morrido de novo ao ver esboços enganosos dados à publicidade, e outras ainda vêm simplesmente para enriquecer a paixão filológica de indexadores, estudiosos e arquivistas. A esta última parte pertencem a graça dos contos de Proust resgatados por Luc Fraisse — Le Mystérieux Correspondant et autres nouvelles inédites (Editions de Fallois, Paris, 2019) —, que farão deliciar, inclusive eu, todos aqueles para quem a origem, a essência e o resultado de À procura do tempo perdido é uma das maravilhas do mundo.   É natural que o que Fraisse compilou vale pouco em si mesmo. São exercícios para aqu...

Cecilia

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Por José Larraza Em A rosa púrpura do Cairo (Woody Allen, 1985), Cecilia (Mia Farrow) se refugia diariamente no cinema para escapar de um marido violento e de uma vida odiosa durante os anos da grande depressão americana. Escolhe sonhar e consegue graças ao cinema. O mundo real tem sido um berçário para Cecilias — não necessariamente tão infelizes quanto a personagem — cuja vida não se explica sem uma sala de cinema. Muitas ainda continuam aqui; ninguém iguais a elas reconhece a tristeza destes tempos e a força balsâmica do cinema. Assim foi uma grande parte de sua vida. É que os filmes de hoje não são o que eram, o cinema de antes era outra coisa, não há artistas como aqueles... Muitos de nós crescemos com a mesma cantilena repetida por mães, tias, avós — domina o gênero feminino — e outras Cecilias em potencial cujo maior entretenimento sempre foi devorar filmes; de adolescentes nas lotadas sessões dominicais, jovenzinhas nas exibições paroquiais, equilibradas nos galinheiros, secre...