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A arte de piratear o Ulysses

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Por Eduardo Huchín Sosa James Joyce. Foto: Man Ray.   Como sabemos (porque os suplementos culturais não se cansaram de nos lembrar), no dia 2 de fevereiro de 1922, James Joyce recebeu seus dois primeiros exemplares de Ulysses . A edição parisiense de Shakespeare & Company havia superado todo tipo de dificuldade, entre elas as acusações de obscenidade que haviam sido dirigidas contra alguns capítulos publicados pela The Little Review e que impediam sua comercialização nos Estados Unidos. Em The Most Dangerous Book , Kevin Birmingham assina uma investigação exaustiva não apenas sobre Joyce e seus editores, mas sobre os advogados, censores, juízes, contrabandistas e mecenas que participaram de um longo esforço de quase duas décadas para trazer Ulysses da clandestinidade para o cânone.   Começou também naquele 2 de fevereiro uma história pouco divulgada: a da pirataria do livro nos Estados Unidos. Uma das razões pelas quais Joyce aceitou a edição de Shakespeare & Company...

De como James Joyce escreveu Ulysses e Sylvia Beach o publicou

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Por Nuria Azancot James Joyce. Foto: Gisèle Freund Conta a lenda que uma noite de junho de 1904, um jovem James Joyce vagava pelas ruas de Dublin quando lhe ocorreu paquerar uma garota sem perceber que a jovem não estava sozinha, mas acompanhada de um soldado. Depois de receber um bom soco que o fez cair, um judeu, famoso em toda a cidade pelas infidelidades de sua esposa, veio em seu socorro. E também se diz que depois de um tempo ele pensou em transformar esse episódio humilhante e burlesco num dos contos de Dublinenses , embora tenha acabado por ser o princípio de Ulysses .   James Joyce, o gênio zombeteiro que dinamitou o romance, nasceu em Rathgar, um subúrbio de classe média de Dublin, em 2 de fevereiro de 1882, numa família católica. Seu pai, John Stanislaus, encarnava o melhor e o pior do irlandês por excelência: bom contador de histórias, bebedor descontraído e completamente irresponsável, era pai de dez filhos, dos quais James era o mais velho. Depois de estudar em seleta...

O centenário de Ulysses

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Por Andreu Jaume James Joyce. Foto: Berenice Abbott O próprio James Joyce disse em mais de uma ocasião que havia escrito seu trabalho para manter os especialistas entretidos por trezentos anos. Agora que Ulysses , publicado pela primeira vez em 1922, tem um século, podemos confirmar que esta profecia continua a se realizar, ainda que residualmente, na indústria dos estudos acadêmicos, mas ao mesmo tempo devemos reconhecer que a misteriosa aura que acompanha o romance desde seu surgimento acabou prejudicando sua posteridade, transformando-o em uma obra que todos conhecem e poucos leem. Por outro lado, ninguém ignora que neste aniversário daquele annus mirabilis da literatura europeia, o que até pouco tempo chamávamos de “cânone ocidental” tem sofrido um descrédito que seria inimaginável para a geração de Joyce, T.S. Eliot ou Ezra Pound . O modernism constituiu uma repulsiva estética muito virulenta, mas, longe de contestar o cânone, preocupou-se sobretudo em esticar a tradição, sa...

A épica do naufrágio no Ulysses de James Joyce

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Por Stefano Cazzanelli Escrito entre 1914 e 1921 e publicado em 1922, Ulysses , de Joyce, é um dos livros mais difíceis já escritos. Não é um romance – embora Joyce insistisse em chamá-lo de romance – nem mesmo um ensaio; não é uma épica ou jornalismo. É tudo isso e sua superação: uma confluência de estilos, um bulício de personagens, sensações, lugares sem pés ou cabeça, em que tudo flui; um turbilhão onde se perder: a Caríbdis que Homero lançou contra Ulisses, Joyce lança para nós sem piedade. As personagens principais, Bloom e Stephen, são anti-heróis, derrotados; vítimas do mundo moderno em que os grandes ideais não têm direito à cidadania e em que apenas triunfa o decadente cotidiano. Paul Bourget, psicólogo e crítico literário contemporâneo de Joyce – muito influente nas teses de Nietzsche sobre o niilismo – definiu como decadente a literatura em que a parte predomina sobre o todo, a página sobre o livro. Flaubert, Stendhal ou Baudelaire foram exemplos desse espírit...

“Finnegans wake” para multijogador

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Por Justo Navarro Se pesquisarmos na internet film noir ou cinema policial talvez acabemos por encontrar com o último romance de James Joyce, Finnegans wake , que apareceu nas livrarias, fez agora oito décadas, em maio de 1939, quase na mesma ocasião quando se publicava O sono eterno , de Raymond Chandler. Não seria devido essa coincidência, nem pelas supostas aventuras detetivescas do taberneiro Earwicker, protagonista do romance, que fez algo num parque de Dublin e acabou ante um tribunal: se pesquisando Finnegan chegou ao cinema policial é porque o inventor em 1946 do conceito film noir , Nino Frank, colaborou com James Joyce na tradução para o italiano de “Anna Livia Plurabelle”, episódio final da primeira parte do romance irlandês. Nunca terminei de ler Finnegans wake , romance escrito num idioma inventado a partir do inglês. O problema é que sempre começo a ler de novo a vida do taberneiro Earwicker e sua companheira, Anna Livia; seus gêmeos Shem e Shau...

Cinco razões (talvez algumas mais) para desfrutar do “Ulysses”, de James Joyce

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Por José Manuel Benítez Ariza Richard Hamilton, "The Transmogrifications of Bloom" (1984-1985) Não parece mal que se trate os clássicos literários como facilidade e naturalidade: possivelmente uma das causas da aversão de amplas camadas da população pela literatura, ou certo tipo de literatura, seja sua abusiva consideração como território exclusivo de professores e acadêmicos e de suas sérias elucubrações. Mais sensato é considerar que os livros que preservam um prestígio inquestionável como clássicos se devem ao fato de continuarem falando com os leitores de hoje com a mesma pertinência e poder persuasivo com os quais conquistaram a estima das gerações passadas. E essa desejada aproximação deve traduzir-se, sem dúvida, na possibilidade de questioná-los, de aceitar algumas coisas e mesmo recusar outras, ou ainda de tentar uma aproximação a eles à margem das interpretações mais ou menos canônicas que o tempo tratou de deitar por sobre eles. Não se inclui...

Nem Joyce sabia para onde ia seu Ulysses

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Por Kiko Amat “Há muitas razões pelas quais a gente acredita que existem livros que ‘devem’ se ler”, afirma Mikita Brockman em Contra a leitura , “mas suspeito que (...) podem se resumir em insegurança intelectual, esnobismo, alguns preconceitos de classe, egoísmo e uma espécie de folclore supersticioso enraizado na tradição”. Já veem que o conceito de “prazer” está ausente da lista. O desejo voraz de ler um clássico “obrigatório” é tão raro como um desejo por escarola em pleno munchies . Alguém recorre aos clássicos canônicos por culpa e compromisso, sem esperança de diversão, igual à missa do galo. É um paradoxo. Ninguém sonharia em ouvir música pop para evitar passar bem o tempo (exceto os mais perversos, certamente).  A arte, por norma geral, não serve a esse fim. E, sem dúvidas, aqui está  Ulysses , o segundo romance de James Joyce. Um livro que só pode ser lido sofrendo. E deixem-me dizer, amigos meus, que (invertendo a máxima churchilliana ) nunca ta...