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Por que ler os clássicos: os livros de Italo Calvino (Parte 2)

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Em Por que ler os clássicos Italo Calvino deixa claro a importância da leitura de determinadas obras não apenas porque a leitura é algo fundamental na formação do indivíduo para o mundo e para a vida, mas porque estão nos livros as grandes descobertas que fizeram a humanidade alcançar o posto que alcançou. O seu trabalho, nas indicações de obras não se restringe a critérios teóricos sobre a marcação dos territórios literários, mas se guia pelo que de inovação determinado título terá produzido se não no ano em que foi publicado, porque nem sempre estivemos conscientes daquilo que um outro pensou por nós em determinada ocasião, mas no que isso irá desencadear anos mais tarde.   Ao dizer isso, tocamos numa outra condição definida por ele numa das respostas para a pergunta que nomeia o ensaio de abertura do livro (e também o título do livro): a releitura é condição necessária para que essas descobertas, muitas vezes escondidas sob diversas camadas de poeira, passem a te...

PCN’s e ensino de Leitura

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Por Pedro Fernandes Diante de tantas discussões que perpassam acerca do ensino de Língua Portuguesa uma delas é o tocante ao ensino de leitura. O objeto desse artigo é estabelecer algumas concepções e encaminhamentos em torno dessa questão. Sobre a leitura, concordo com o pensamento teórico de Kato, uma das estudiosas da questão quando a autora aponta duas grandes posições e as relaciona com dois tipos básicos de processamento de informação: um deles o processamento “bottom up” ou ascendente, centrado na visão estruturalista da linguagem que entende o texto como sendo único portador de sentidos, de modo que o leitor não é concebido como sujeito ativo, cabendo a ele apenas a função de descobridor do significado do texto. Para essa concepção o sentido estaria preso às palavras e às frases, numa dependência direta da forma, tendo em vista que a concepção estruturalista vê a leitura como um processo instantâneo de decodificação de letras e sons e a associação destes com o significado, ...

No Pantanal com J. G. Rosa

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Por Manoel de Barros Andamos para ver a roça de mandioca. Tatu estraga muito as roças por aqui. Há muito tatu, Manoel?  Eles fazem buraco por baixo do pau-a-pique, varam pra dentro da roça, revolvem tudo e comem as raízes. Remédio contra tatu é formicida. Fura-se um ovo, bota formicida dentro e esquece ele largado no solo da roça. Rolinha passa por cima e nem liga. Mas o tatu espuga, vem e bebe o ovo. Sente a fisgada da morte num átimo e sai de cabeça baixa, de trote para o cerrado, pensando na morte... Homem é igual, quando descobre sua precariedade, abaixa a cabeça. Já sabe que carrega sua morte dentro, seu formicida. Essa é nossa condição  - Rosa me disse. Falou: eu escondo de mim a morte, Manoel . Disfarço ela. Lembra o livro do nosso Alvaro Moreira? A vida é de cabeça baixa? Deveria de não ser - ele disse.  Chegamos perto da metafísica. E voltamos. Havia araras. Havia o caramujo perto de uma árvore. Ele disse:  Habemos lesma, Manoel. Eu disse: caramujo é q...

A angústia das inadaptações

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Por Carlos Adriano Cena de A hora e vez de Augusto Matraga . O filme de Roberto Santos foi vencedor do Festival de Brasília em 1966. Se viver já o é, filmar Guimarães Rosa também é muito perigoso. No meio do redemoinho de imagens e sons, reside o diabo das adaptações literárias que buscam verter em cinema as complexas veredas do sertão de palavras de Rosa(s). Pensando o ofício do artista, escreveu o autor mineiro: "o incontentamento é o seu clima". Parece ser a mesma condição e sina do árido exercício da transposição, acidentada topologia de deslocamento que atravessa livro e filme, cartografia-enigma. Nonada: ponto de indagação e inflexão para quem decidir ousar pela aventura, âncora de angústia das inadaptações. Ambiciosa ou modesta, seja a tarefa, sempre resta o desafio, incômodo, e inquieto. "O poeta não cita: canta", reza Guimarães Rosa. O mais costumeiro entrave na travessia é a irredutibilidade da linguagem ("Quando escrevo, repito...

Desenredos em Guimarães Rosa

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Por Cleusa Rios P. Passos “ A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. ” ( Grande Sertão: Veredas ) Dentre os processos compositivos de João Guimarães Rosa, destaca-se o modo lúdico e laborioso de  “ contar desmanchando ” , despertando no leitor ressonâncias sutis de causos e estórias, já narrados ao longo de sua obra ou da tradição literária. Paralelamente, o ato de desenredar  se faz um de seus traços profícuos, ao lado da mistura  de temas, tempos, processos lingüísticos e formas literárias, já assinalada pela crítica. Título de renomado texto de Tutaméia , Terceiras Estórias  (1967), o desenredo  tanto ganha o papel interno de mudança das relações do casal-protagonista (Jó Joaquim e Livíria / Rivília / Irvília) quando opera a reelaboração de elementos bíblicos (Adão / Eva, Jó) e ficcionais ( Odisséia ). Reiteram-se aí a inserção de suas narrativas na estória e tradição literárias, bem como a presença de um trabalho d...

Guimarães Rosa: o sertão está em toda parte

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Guimarães Rosa e uma das travessias que o levaria a compor Grande Sertão: Veredas “Eu passei dois anos num túnel, um subterrâneo, só escrevendo, só escrevendo eternamente. Foi uma experiência transpsíquica, eu me sentia um espírito sem corpo, desencarnado ― só lucidez e angústia. ” (fragmento de carta de Guimarães Rosa ao amigo Silveirinha) * “ Acordei último. Alteado só se podia nadar no sol. Aí, quase que não se passavam mais os bandos de pássaros. Mesmo perfiz: que o dia ia dever ser bonito, firme. Chegou o Cavalcânti, vindo do Cererê-Velho, com recado: nenhuma novidades. Para o Cererê-Velho recambiei aviso: nenhumas novidades minhas também. O que positivo era, e do que os meus vigiadores do rededor davam confirmação. Antes, mesmo, por mais, que eu quisesse ficar prevenido, o dia era de paz. ” ( Grande Sertão: Veredas ) O terceiro livro de Guimarães Rosa, uma narrativa épica que se estende por 760 páginas, focaliza numa nova dimensão o ambiente e a gente...