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A massa e o indivíduo de Elias Canetti

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Por Javier Aranda Luna Os vivos que se conhecem bem sempre há algo que censurar. Os mortos, entretanto, agradecem que não proíbam a recordação. Elias Canetti Todos os homens lutam em algum momento contra a morte. Poucos convertem essa luta em militância e resistência. Elias Canetti foi um deles. Seus romances, obras de teatro, ensaios e aforismos facilmente revelam isso. Enquanto exista a morte, nada belo será belo e nada bom, bom, escreveu certa vez. Se a forma mais elementar que adquire essa luta é a simples sobrevivência, os dias de Canetti foram um preciso exemplo: esteve com sua mãe e seus irmãos por vários países em busca de melhores oportunidades para desenvolver-se e para fugir do antissemitismo da Alemanha nazista. Poliglota desde tenra idade, adotou, o alemão para escrever sua obra. Para ele, essa língua foi “a língua de meu espírito porque sou judeu e desejo conservar em mim, como judeu, o que resta de um país devastado”. De acordo com a...

Boletim Letras 360º #179

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Depois de longa espera, leitores de Philip Roth no Brasil  começam a re ceber os livros que ainda faltam ser traduzidos por aqui. O primeiro dos últimos está disponível. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Eis a  cópia das notí cias que divulgamos durante esta semana em nossa página no Fa c ebook e no Twitter @Letrasinverso. Boas leituras! Segunda-feira, 18/07 >>> Brasil: Os afetos da filha de João Cabral de Melo Neto um a um se revelam em antologias dedicadas a revisitação da obra do pai Desde sempre Inez Cabral tem estado à frente da obra do pai e desde há alguns dedicada à criação de antologias com retalhos temáticos da obra do poeta. Foi assim com a edição de O rio , com poemas cuja evocação são os rios; e é agora com poemas que registram o olhar de João Cabral de Melo Neto sobre os diversos lugares onde morou e pelos quais tinha predileção na antologia A literatura como turismo . Sabe-se que o brasileiro ao longo de seus quase cinquen...

O primeiro amor de Jack Kerouac

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A primeira vez que a viu, em pé, entre a multidão, ao escritor, então pouco mais que um adolescente que gostava de copiar a pose dos grandes lobos do mar dos filmes de Charles Bickford, lhe pareceu “sozinha, insatisfeita, fechada, desagradavelmente diferente”. Meio relutante, os amigos aproximaram os dois e fizeram com que desfilassem pelo salão do baile. Quando voltam, Jacky, Jacky Dulouz, que é, em outras situações, Zagg, Zaggy Dulouz, já estava perdidamente apaixonado pela garota. Ela é Maggie Cassidy, “doce, morena, suculenta como um pêssego – estranha para os sentidos como um grande sonho triste”. Ela tem 17 anos, ele, 16. Ela é um pouco neurótica, mesquinha, demasiadamente cuidadosa; ele é, ainda, “um bobo”, o rapaz das redações e da equipe de atletismo, o nerd que só havia dançado uma vez com uma garota. Ela é Mary Carney, ele é Jack Kerouac. O ano é 1939. Faltam cerca de duas décadas para que se publique On the road e ele ocupe o centro do terremoto Beat. Escri...

A incorreção política do sublime Dahl

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Por Eugenio Monjeau  Li estas linhas pela primeira vez quando tinha sete ou oito anos: “Isto não é um conto de fadas.  Fala sobre BRUXAS DE VERDADE. As BRUXAS DE VERDADE vestem roupa normal e têm um aspecto muito parecido com o das mulheres normais. Vivem em casas normais e fazem TRABALHOS NORMAIS. Uma BRUXA DE VERDADE passa o tempo todo tramando planos para desfazer-se das crianças de seu lugar. Sua paixão é eliminá-las, uma por uma. É a única coisa em que pensa durante todo o dia. No que se refere aos meninos, uma BRUXA DE VERDADE é sem dúvida a mais perigosa de todas as criaturas que vivem na terra. O que faz dela ser duplamente perigosa é o fato de que não parece perigosa. Até poderia ser – e isto te fará dar um salto – tua encantadora professora, a que te está lendo estas palavras neste mesmo momento”. Nos vinte e dois e vinte e três anos que passaram, nenhum início de nenhum livro me deve haver cativado tanto como este. Agora, relendo-o, vem em minha ...

Léxico familiar, Natalia Ginzburg

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Em Léxico familiar , sua obra mais admirável, lida até a saciedade em vários idiomas desde sua aparição, reúnem-se as razões da narrativa entendida como catarse e as pequenas virtudes do narrador de raça que não necessita de alardes técnicos ou labirínticas intrigas para ganhar o leitor que ela converte parágrafo a parágrafo em seu companheiro de viagem, em seu amigo invisível. A vasta cultura de Natalia Levi, por outro lado – nascida do entorno familiar, da convivência com seu companheiro Leone Ginzburg, incansável antifascista, e com Cesare Pavese e seus amigos da editora Einaudi, onde trabalhou tantos anos – não a conduziu à retórica trash , mas ao esmero de querer narrar acariciando os detalhes e fazendo de seu entorno cotidiano e de seu universo emocional um lugar que o leitor, sem saber muito bem como, toma para si, como seu. Presa com infinitas leituras de Proust, heranças de sua mãe, que lhe deram o tom intimista e os mecanismos da memória afetiva, G...

Péter Esterházy, riso e melancolia

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“Há, na minha memória, pelo menos três escritores sorridentes, e entre eles está Péter Esterházy, o húngaro que sorria. Os outros são Jorge Luis Borges, que sorria e fazia sorrir, e Juan Carlos Onetti, que sorria por dentro. Mas, no caso do primeiro, o riso era muito especial: ria (e sorria) de sua sombra, que vinha de uma árvore plenamente aristocrática e da marca principal de seu país no século XX, o stalinismo e seu comunismo intrínseco, conforme descreve em Pequena pornografia húngara (tradução livre)”, diz Juan Cruz. (Entre o trio dos sorrisos é válido constatar que o húngaro tinha predileção por Borges, sobre quem disse gostar pela maneira como “trata da incerteza da realidade”; “É como se ele tivesse vindo da lua”, disse) O escritor foi descoberto pelo mundo muito tardiamente. Com a publicação de Harmonia caelestis . Aqui era o autor maduro, capaz de afrontar e confrontar o passado, tratar o século XVII, como se fosse hoje, enquanto em Pequena pornografi...