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A linhagem de Thomas de Quincey

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Por Antonio Muñoz Molina Que o conheças ou não, se  você escrever com expressiva ambição num jornal e se deixa ir por uma cidade no grande rio dos desconhecidos, se você experimenta os mistérios do real e as truculências do imaginário, se você tem a tentação de abandonar-se à ebriedade das sensações da vida e dos paraísos artificiais, alguns mais tóxicos e mais viciantes que outros, você é discípulo de Thomas de Quincey. Inclusive não é imprescindível que a literatura seja tão importante para você: escuta a voz e as letras de Lou Reed naquele disco New York e uma parte do espírito de Thomas de Quincey estará infiltrando-se em você.   Lou Reed pode invocar em suas canções a noite sombria de Saint Mark’s Place nos anos setenta, as ruas então envolvidas na negritude dos desfiladeiros do Soho: mas o pressentimento de excitação e perigo da vida noturna, o flanar de quem busca o proibido ou o impossível ou de quem segue caminhando porque não tem onde cair vivo nem m...

Boletim Letras 360º #195

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Lima Barreto, o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty 2017. Mais detalhes ao longo deste Boletim. A semana que finda deixou-nos marcas sensíveis: a morte de Leonard Cohen, um dos expoentes da música e um dos raros a renovar a estreita relação poesia e música, é o motivo. Nesses casos, o que sempre nos conforta é, sabedores de que homens como ele deixa-nos uma obra, esta permanece à responsabilidade dessas e das próximas gerações. Agora, para trazer uma nota de boa-nova, não esqueceremos de lembrar o leitor de participar de nossa promoção de 10 anos do Letras. Saiba mais  aqui . Segunda-feira, 07/11 >>> Brasil: A poesia de Gilka Machado reeditada Gilka Machado chegou a ser acusada de transformar as mulheres da sociedade em impuras. Uma das pioneiras da poesia erótica no Brasil e feminista que participou da campanha pelo voto feminino no Brasil, voltará às livrarias do país depois de mais de 20 anos fora de catálogo. Uma edição crítica...

Leonard Cohen, o apaziguador sussurro

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Por Fernando Navarro Figura capital da música contemporânea, Cohen demonstrou durante toda sua carreira que não havia mentira em sua obra. Cantava a verdade. E, de maneira mais assombrosa e dolorida possível, o fez pela última vez em You Want It Darker , seu último álbum, publicado há apenas um mês. Um álbum que soava despedida, que, com sua crueza instrumental e sua voz íntima e sombria, ficou esculpido como um barqueiro do Hades, servindo de trânsito até o outro lado da margem infinita. Como cantava na obscura composição que dá título ao trabalho, o músico confessava com seu tom grave que estava “fora de cena”, “velho” e “coxo”. “Estou preparado, meu senhor”, dizia num estribilho que agora já se sabe era premonitório. “Imagino que sou alguém que simplesmente renunciou a mim e a ti”, destacava em Traveling Light . Era uma obra em que planejava a morte do início ao fim. Esta que agora chegou. Nascido em Montreal, Canadá, em 1934, Cohen, que cresceu no meio de uma família...

Tempestades de aço, de Ernst Jünger

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Por Pedro Fernandes Tempestades de aço , de Ernst Jünger, está marcado pelo espírito de seu tempo: aquele que, saído do romantismo, mas ainda preso a ele, acreditou de forma – se irracional aos nossos olhos de hoje – coerente e absoluta na necessidade da guerra para refundação da civilização humana. Que acreditou na ruína como base para uma diversa quantidade de impasses, inclusive espirituais de indivíduo para indivíduo. Se este é um ponto de partida e justifica a maneira louvável como o escritor constrói seus modos de ver o dia-a-dia no front , não deve ser o ponto definitivo para uma compreensão sobre a obra dentro e fora desse contexto. Isto é, o leitor não pode, de maneira alguma, passados tantos anos do conflito de 1914, e cuja expressão, ainda mais danosa, se repetiu poucos anos depois como se numa ressurreição do espírito não expurgado do conflito anterior se deixar levar por essa única perspectiva. O relato do escritor alemão está tomado pela ambivalência – e ...

Canadá, de Richard Ford

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Por Javier Úbeda O romance começa de maneira espetacular e arriscada que nos deixa já boquiabertos desde as primeiras linhas, contando-nos um feito tão chamativo, significativo e melodramático que marcará todas as situações posteriores. “Para começar, vou contar o assalto que meus pais cometeram. Em seguida, os assassinatos que aconteceram mais tarde”. A partir daí, o leitor não fará outra coisa que ir dando nós como possa, um após outro, no ritmo marcado por Ford, quem tão sabiamente o guiará e deixará aqui e ali pequenas antecipações que atuarão como anzóis que antecipam algo desta fascinante história, mas não em sua totalidade, já que a trama, que está perfeitamente urdida, manterá em suspense até o final. O narrador é o já sexagenário Dell, mas no início nos contará sua história com o frescor do adolescente que um dia foi quando sucedeu o assalto produzido por seus pais, sua posterior fuga para refugiar-se no Canadá, atendendo o desejo expresso de sua mãe quem deci...

Albert Camus jornalista

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Provavelmente esta é uma novidade conhecida apenas dos admiradores mais próximos à obra de Albert Camus – porque sabe-se de sua faceta como escritor, ensaísta, romancista e dramaturgo – mas não de jornalista. Mas seu trabalho nesse meio é de extrema valia para compreender algumas nuances de sua obra artística e as posições pessoais do escritor que, se hoje fosse vivo, seria com certeza um militante em nome da liberdade de expressão e crítico ferrenho do atual modelo de se fazer jornalismo – ora atendendo interesses escusos das grandes empresas que o patrocina ora posicionando-se de maneira tendenciosa em favor de determinadas pautas cujos valores repousa apenas no retorno financeiro e nos interesses dos grupos dominantes. Sua trajetória, inclusive, ensina muito sobre a escassa ética aos jornalistas de hoje. “Jornalismo  clandestino  é  honrável  porque  é  uma  prova  de  independência,  porque  envolve um risco...