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O segredo de Javier Marías

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Por Federico Guzmán Rubio Javier Marías. Foto: Chema Conesa   Javier Marías (1951-2022) foi um romancista com um só tema, um só estilo e um só tempo. É muito. Seu caso é excepcional, considerando que a maioria dos romancistas deambula por tramas desconexas sem conseguir focalizar claramente um assunto, pratica uma escrita eficiente que nega a própria noção de estilo e não consegue apreender — seja para confrontá-lo ou para se deixar dominar — o seu tempo. Outra questão é que o tema é interessante, o estilo é de bom gosto e a relação com o presente é conflituosa. Claro, é aqui que entra em jogo o hospedeiro indesejado da crítica literária contemporânea: a subjetividade. Mas a escrita de Marías é tão pessoal que requer uma abordagem dessa natureza, já que para abordá-la não basta o punhado de categorias supostamente objetivas que servem para analisar qualquer romance bem conseguido. A obra de Marías obriga a nos posicionarmos e tomarmos partido, o que constitui um ato de dedicação à ...

Literatura e ativismo: as novas gerações

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Por Gisela Kozak Rovero Jacob Lawrence.   A poeta Amanda Gorman recitou seu poema “The Hill We Climb” no ato oficial do início da presidência de Joe Biden, apresentação que internacionalizou seu nome. Em várias entrevistas, Gorman insistiu no caráter não apenas político, mas abertamente ativista de sua escrita em favor da identidade afro-americana; confessa que no passado acreditava que a poesia era assunto para velhos e brancos, uma afirmação curiosa porque a língua inglesa produziu poetas extraordinárias e durante a curta vida dessa jovem uma enorme atenção foi dada às escritoras. Pouco importa: a iconoclastia literária não cessa.   Identificando-se como uma mulher negra estadunidense de origem modesta que se rebela contra os seus antigos, Gorman, em vez de se separar do passado, junta-se a ele inextricavelmente. Com sua firme defesa da identidade afro-americana e sua boutade em relação à branquitude masculina idosa, esta escritora participa dos ritos de passagem que marcam ...

Dentes, de Domenico Starnone

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Por Sérgio Linard Domenico Starnone. Foto: Leonardo Cendamo .   Ao lado da misteriosa Elena Ferrante, Domenico Starnone é um nome da literatura italiana contemporânea que merece nossa atenção. Não é, porém, somente a nacionalidade que aproxima estes escritores, pois ao passo que aquela parece ter como foco de sua obra a exploração das figuras desempenhadas pelas mulheres na sociedade, esse — em um simétrico contraponto — foca nas figuras masculinas, convidadas a encararem seus próprios erros para que percebam o quão frágeis e fingidas são as bases que sustentam a própria ideia de masculinidade. Não seria de grande espanto a notícia de que estes escritores mantêm contato entre si. Mas tais biografismos não são nosso foco; voltemos.   Starnone, nas obras por aqui publicadas, parece fundar seus personagens em uma risível situação de constrangimento constante que rega as páginas com o que popularmente chamamos de vergonha alheia e/ou de riso melancólico, sentimentos gerados exata...

Cervantes ou da sabedoria¹

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Por Ramón Xirau ² Dom Quixote. Ilustração de Júlio Pomar.   Quando, poucos dias antes de sua morte, Cervantes dedica Los trabajos de Persiles y Sigismunda a don Pedro Fernández de Castro, escreve: “Ontem me deram a Extrema-unção, e hoje escrevo esta. O tempo é curto, a ânsia cresce, as esperanças minguam, e com tudo isso, levo a vida a partir do desejo que tenho de viver, e [não] gostaria de pôr-lhe fim até beijar os pés de vossa Excelência [...]. Mas se está decretado que tenho de perdê-la, cumpra-se a vontade dos céus, e ao menos saiba vossa Excelência deste meu desejo.” No prólogo ao Persiles , Cervantes conta, com humor melancólico e anuência resignada, como ia cavalgando lentamente em seu rocim “passolargo”. Encontra-se com um estudante que, ao reconhecê-lo, enche-o de elogios. Responde Cervantes: “Este é um erro que cometeram muitos aficionados ignorantes. Eu, senhor, sou Cervantes, mas não o júbilo das musas, nem nenhuma das demais patetices que disseste. Vossa mercê recobr...

Boletim Letras 360º #509

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, abrimos as inscrições para o clube de apoios ao Letras no mês de dezembro. Disponibilizamos quatro livros e queremos sortear quatro leitores. Para saber como se inscrever para os sorteios, visite aqui .   2. Reiteramos, por fim, que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste Boletim garante a você desconto e ajuda ao blog sem pagar nada mais por isso .   3. Um abraço e bom final de semana com boas leituras! Albert Camus. Foto: Keystone-France.   LANÇAMENTOS Livro investiga A prosa do Transiberiano e a pequena Jehanne de France , de Blaise Cendrars e Sonia Delaunay .   Um livro que ao ser desdobrado revela uma longa página com poesia e campos coloridos. É essa a proposta do trabalho de Blaise Cedrars e Sonia Delaunay em A prosa do Transiberiano e a pequena Jehanne da França (La prose du Transsibérien et de la Petite Jehanne de France). Lançado em 1913, é considerado um livro-objeto emblemá...