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A casa de barcos, de Jon Fosse

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Por Sérgio Linard Jon Fosse. Foto: Ole Berg-Rusten Receber um Nobel certamente é sonho de muitos que se propõem a escrever e a trabalhar com literatura. O prêmio, além do reconhecimento em vida, garante um considerável recurso financeiro para os vencedores e, claro, aumenta exponencialmente a venda de seus textos. Mas o selo de um prêmio desta monta, ainda que não pareça, infelizmente, não faz significar que o leitor terá em mãos um texto de qualidade. Sabemos, por exemplo, que muitos autores só chegam ao grande público mundial após o recebimento dessa outorga; outros, cujas obras são excepcionais, morreram sem nem mesmo terem sido lidos por aqueles que escolhem os vencedores. Entre as justiças e as injustiças que conduzem qualquer processo de seleção, há boas e há más descobertas. Jon Fosse, felizmente, é um caso do primeiro tipo.   Após o anúncio de sua vitória por suas “peças e prosas inovadoras que dão voz ao indizível”, não tardou para que muitos fossem os críticos que — sem ...

Kafka e o cinema

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Por José Agustín Mahieu Anthony Perkins como Josef K. em  O processo , de Orson Welles Examinando a filmografia dedicada a Franz Kafka, o que chama a atenção, mais do que a sua escassez, é o distanciamento concreto que a maior parte das obras estabelece da complexa urdidura criada pelo autor. Não se trata de uma infidelidade aos originais: em geral estas obras têm respeitado, talvez demasiadamente, os aspectos externos do mundo de Kafka. E já se sabe que no cinema inspirado na literatura nada engana mais do que a fidelidade formal. Acontece que o único cineasta suficientemente brilhante (e/ ou vaidoso) para ousar dar a sua própria interpretação de uma história do escritor tcheco foi Orson Welles em O processo : discutível, sem dúvida, mas nunca superficial.   Em primeiro lugar, parece óbvio que a persistente relutância do cinema ante a possibilidade de “adaptar” Kafka se deve em grande parte às suas dificuldades formais; não tanto pelos seus “roteiros”, quase sempre de uma eng...

Os perigos do Imperador: um romance do Segundo Reinado, de Ruy Castro

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Por Henrique Ruy S. Santos Ruy Castro. Foto: André Dias Nobre O procedimento não é novo: um narrador inicia a obra relatando as condições fortuitas e acidentais por meio das quais veio a ter contato com os manuscritos ou os documentos que deram origem ao caso que será contado. O Romantismo, aqui e alhures, foi profícuo nesse tipo de artifício. Basta lembrar do nosso José de Alencar d’ A guerra dos mascates (e outros romances), do também lusófono Almeida Garrett e mesmo do Goethe do Werther , todos românticos cuja consciência literária e histórica os fazia entender que os meandros da escrita também podiam ser uma aventura que valia a pena ser contada.   De certo modo, é tomado por essa consciência histórico-literária que Ruy Castro inicia seu Os perigos do imperador com um prólogo dedicado a narrar “como esta história aconteceu — ou quase”. O prólogo menciona a hoje quase esquecida viagem de D. Pedro II aos Estados Unidos em 1876, viagem esta de que “nada de muito importante [...]...

Lia, de Caetano Galindo

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Por Gabriella Kelmer Caetano Galindo. Foto: Leticia Moreira   Existe algo curioso nas estreias literárias. Fui recentemente atraída por elas em resenhas anteriores, com O dia dos prodígios , de Lídia Jorge, e Memória de elefante , de António Lobo Antunes. Nas duas obras, em que estão registrados os primeiros movimentos de autores fundamentais à produção contemporânea portuguesa, demarcam-se proclividades estilísticas e temáticas que serviram às produções seguintes. Pessoalmente, a essencialidade da dicção da autora ainda reside para mim em Vilamaninhos, cuja nítida decrepitude entristecida não me foi sombreada por obras posteriores; de outro modo, o romance do autor antecipa em alguns aspectos a cúspide que, considero, é atingida em romances seguintes.   Faço essas considerações não para opor as duas estreias, aliás excepcionais, cada uma a seu modo, mas para balizar as diferentes maneiras pelas quais uma primeira publicação pavimenta alternativas, preocupações e recursos que,...

Boletim Letras 360º #590

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DO EDITOR   Olá, leitores! Foi em alguma edição passada que comentei acerca do andamento de uma longa reforma começada desde a travessia para o aniversário de dezessete anos do Letras . Parte dela já é visível: o visual repaginado e a reorganização de parte do conteúdo.   Um exemplo da reorganização é a presença de uma seção dedicada ao ensaio. Publicamos este gênero desde sempre, mas os textos ficavam escondidos sob rótulo de outra coluna, a intitulada Intervalo e que há muito serve para abrigar conteúdos distintos daqueles que constituem o carro-chefe da página: as resenhas.   Outro exemplo: a seção cinema, com entradas semanais sempre às quartas-feiras, agora se chama Cinema e tv , por razões e motivos precisos, uma vez acompanharmos a viragem dos modos de acesso à sétima arte ou ainda o aparecimento de outros produtos visuais de interesse aos olhos da arte, como a série.   A outra parte da longa reforma ainda durará um bom tempo. Trata-se de passar em revista po...