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O romance que perdi

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Por Alejandro Zambra Jamais pensei que Bonsai fosse um livro “filmável”. A primeira proposta me surpreendeu, não sabia o que responder, então disse que não. Também disse que não para Cristián Jiménez uns meses mais tarde, mas também lhe pedi que me deixasse ver seu trabalho. E sucedeu que Ilusiones ópticas [Ilusões de ótica], seu primeiro filme, me deixou comovido como há muito não ficava. Fui cativado por seu olhar, por sua busca, que me pareceu diversa da minha, mas também, em outro plano, muito próxima, muito familiar. Confiei instintivamente em Cristián e decidi que, não importa o que acontecesse, em caso algum eu seria o típico escritor ressentido com a adaptação do seu romance. Pelo mesmo motivo, pensei que se não gostasse do filme ficaria em silêncio. Tinha, porém, um bom pressentimento. Pensava, sobretudo, na cena final de Ilusiones ópticas , com a maravilhosa Paola Lattus e Iván Álvarez de Araya frente a frente. Não o contarei aqui, mas para mim é um dos finais mais arris...

As planícies, de Gerald Murnane

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Por Gabriella Kelmer   Há uma região na Austrália que recebe o nome de planícies centrais. Seu clima é árido ou semiárido — dado que busquei tão logo chegou às minhas mãos o romance As planícies , de Gerald Murnane — e embora não seja tão fundamental ao argumento central do romance quanto se sugeriria o título da obra, a região é transmutada do país real. Não é da experiência territorial de que fala o autor, ou, antes, sendo também uma consequência do contato com uma paisagem incalculavelmente extensa e estéril, o romance traduz, a partir de motivos filosóficos, metafísicos e artísticos, a jornada de imersão de um estrangeiro na vida singularíssima do chamado “homem das planícies”.   Traduzida por Caetano W. Galindo e publicada no Brasil pela primeira vez apenas em 2024, embora tenha sido lançada originalmente em 1982, a obra, de uma linguagem reflexiva e academicista que articula simultaneamente um lirismo contido, é curiosíssima. Estabelece, na perspectiva de um cineasta com...

Casa Rorty XXXV: ante a titânica modernidade

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Por Manuel Arias Maldonado   O Brutalista , filme de Brady Corbet que relata a peripécia de um arquiteto judeu de origem húngara que sobrevive ao Holocausto e tenta continuar sua carreira profissional nos Estados Unidos do pós-guerra, chegou aos cinemas de todo o mundo quando Donald Trump foi novamente empossado como presidente. Como veremos a seguir, um dos temas do filme é a natureza do projeto sociopolítico estadunidense ou, se preferir, a pergunta pela “alma da América”. Mas já é coincidência que uma das ordens executivas assinadas imediatamente pelo ex-magnata imobiliário — nomeada Promoting Beautiful Federal Civic Architecture — disponha que os edifícios federais de nova construção terão que se ajustar ao padrão estético da arquitetura clássica: se László Tóth, nome do protagonista do filme, levantasse a cabeça!   Sabemos o que Trump entende por classicismo se prestarmos atenção ao precedente criado por ele mesmo com uma ordem assinada no final de seu primeiro mandato; a...

Uma feira de covardias: sobre Suíte francesa, de Irène Némirovsky

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Por Benjamín Barajas Iréne Némirovsky. Foto: DPA / Picture Alliance / Imec Archives Um dos episódios mais marcantes da Segunda Guerra Mundial foi a derrota da França pelo exército alemão, numa campanha de seis semanas que culminou com a queda de Paris em 14 de junho de 1940, a assinatura do armistício e o estabelecimento de um governo colaboracionista do regime nazista, liderado pelo marechal Philippe Pétain.   É claro que os detalhes desse episódio vergonhoso para as armas francesas foram minimizados no contexto de uma aliança multinacional que recuperou os territórios invadidos e infligiu uma enorme derrota às forças do Führer e seus aliados italianos e japoneses. No entanto, as deportações de judeus franceses para os campos de extermínio do Terceiro Reich abriram feridas profundas que ainda alimentam memórias dolorosas de um período particularmente sangrento na história. Uma delas corresponde à vida e obra da escritora Irène Némirovsky, que viveu na França e foi extraditada por ...

Beatriz Sarlo: a permanente juventude

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Por Alejandro Virue Beatriz Sarlo. Foto: Nestor Garcia   Beatriz Sarlo morreu no dia 17 de dezembro, em Buenos Aires. Partiu sem ver publicada a sua autobiografia, No entender . O título pode soar como falsa humildade de alguém com opiniões fortes sobre quase tudo, mas reflete bem sua maneira de escrever e pensar, guiada por uma curiosidade genuína e inesgotável.   Ela nasceu em 1942 na mesma cidade onde morreu e viveu toda a sua vida. Embora tenha passado longos períodos em diferentes cidades ao redor do mundo, sempre disse que não conseguia ficar muito tempo longe de Buenos Aires. Nesta cidade, fez o ensino primário e secundário em uma escola inglesa em Belgrano; estudou Literatura na Universidade de Buenos Aires (UBA); fez suas primeiras incursões no mundo editorial, na Editora Universitária de Buenos Aires (Eudeba), e na gestão cultural, no Instituto Di Tella. Nesta cidade, foi responsável por revistas culturais fundamentais para a formação intelectual de várias gerações; ...

Boletim Letras 360º #624

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DO EDITOR   Olá, leitores! Continuamos até o dia 16 de fevereiro a aceitar inscrições para novos colunistas interessados em publicar seus textos com o Letras durante o ano. Na edição anterior deste boletim, explicamos como propor uma candidatura. Veja aqui .   Qualquer outra dúvida, podem encaminhar através do nosso e-mail blogletras@yahoo.com.br ou dos serviços de mensagem disponibilizados em alguma das nossas redes sociais. Aguardamos os seus escritos. Kenzaburo Oe. Foto: Jeremie Souteyrat   LANÇAMENTOS   Nos 90 anos de Kenzaburo Oe, a editora Estação Liberdade publica o segundo livro de uma trilogia autoficcional do escritor japonês.   Os mistérios do vale e da floresta; histórias, lendas e mitos contados pelos habitantes do vilarejo ao longo de gerações; uma incessante busca pela conexão entre este mundo e o outro — e um elemento que conecta todos: a memória. Em O menino da triste figura , o escritor Kogito Choko, alter ego de Kenzaburo Oe e também protag...