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A garota da agulha, de Magnus von Horn

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Por Adriana Bellamy   De vez em quando, durante as temporadas de premiações e medições quantitativas de audiência, é possível encontrar alguns filmes que, embora façam parte das listas anuais, não são tão proeminentes no cenário geral de recepção. Gostaria de tratar do mais recente longa-metragem de Magnus von Horn, A garota da agulha (2024), o filme verdadeiramente interessante.   Assim como em outras ocasiões de sua filmografia — por exemplo, Sweat (2020), muito antes de Substância (2024), de Coralie Fargeat, radiografa o mundo do fitness e o fenômeno aterrorizante dos influencers , ou The Here After (2015), um retrato afiado da violência juvenil e do assassinato dentro de uma comunidade —, este diretor retorna nesta nova produção à exploração dos labirintos da mente criminosa fora de qualquer fórmula de suspense psicológico.   Ambientado em Copenhague alguns anos após a Primeira Guerra Mundial, A garota da agulha conta a história de Karoline (Vic Carmen Sonne),...

Raça, identidade, e sobretudo, Amor, em Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

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Por Vinícius de Silva e Souza   Ifemelu, uma mulher comum, entra em um cabelereiro para trançar seus cabelos, em Princeton, Estados Unidos. Assim inicia-se uma jornada quase épica e profundamente moderna por 520 páginas, na edição comum da Companhia das Letras, onde Chimamanda Ngozi Adichie nos conduz com bastante idas e vindas pelos anos de formação da protagonista.   Sempre gosto de começar os anos lendo algum calhamaço (algo com mais de trezentas páginas), pensando que a folga do mês de janeiro me dará o fôlego necessário para devorar os longos romances que o restante do ano não me permite consumir. E em 2025, o escolhido foi o Best-Seller da escritora nigeriana, na minha prateleira aguardando sua vez de ser lido desde 2021. O romance foi traduzido no Brasil sete anos antes.   Logo entendi o porquê dessa obra ser aceita universalmente. Sua linguagem quase cinematográfica, sem muitos floreios, seduz, como um encantador de serpente; mesmo o leitor mais desavisado, quand...

Onde acaba o narrador

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Por Pedro Sorela Mario Vargas Llosa. Foto: David Levenson Talvez o ensaísta e professor sejam o lado menos conhecido dos Vargas Llosa que convivem com o romancista. Algo inevitável, dada a maior popularidade do romance, embora um tanto injusto pois A orgia perpétua: Flaubert e Madame Bovary é a melhor explicação que conheço da contribuição decisiva de Flaubert para a literatura. E sua História de um deicídio , tese de doutorado sobre Cem Anos de Solidão de seu então amigo e vizinho em Barcelona, ​​ Gabriel Garc í a M á rquez, continua sendo uma refer ê ncia indispensável nos estudos sobre o escritor colombiano, e foi um dos primeiros nesse gênero. Mario Vargas Llosa também escreveu um ensaio sobre Tirant, o Branco e uma generosa coleção de artigos dedicados a outras obras literárias, de prólogos para obras clássicas e contemporâneas reunida em A verdade das mentiras , livro no qual ele desenvolve sua teoria de que a ficção é necessária para entender a verdade humana.   Varg...

Boletim Letras 360º #631

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Manuela Porto. Foto: Arquivo Mário Dionísio.   LANÇAMENTOS   Resgate da Pontoedita recoloca em órbita a obra ficcional de uma escritora ignorada até mesmo no seu país de origem .   Manuela Porto nasceu em Lisboa em abril de 1908 e foi precursora em seu país na divulgação da obra de várias outras escritoras traduzidas por ela: Anne Brontë, Elizabeth Gaskell, Katherine Mansfield, Louisa May Alcott, Virginia Woolf foram algumas dessas figuras. Além de tradutora, ela também escreveu, principalmente crítica teatral, outra seara igualmente inóspita em seu tempo. Sua vida foi breve: suicidou-se aos 42 anos com uma overdose de barbitúricos. Em 1952, um grupo de amigos publicou o que até agora é a única obra de Manuela Porto —  Doze histórias sem sentido . Este material é reaproveitado na edição brasileira intitulada Histórias familiares e outras histórias. Editado com o capricho já reconhecido da Ponto Edita, o livro é acrescentado de um conjunto de nanocontos da atriz...

Quatro contos de Émile Zola

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Por Raquel Jimeno Revilla Émile Zola. Arquivo Bettmann (Detalhe/ Reprodução)   É provável que, quando muitos de nós somos questionados sobre Émile Zola, só possamos mencionar seu papel como fundador do naturalismo e sua prolífica produção romanesca, a maior parte centrada na hipotética linhagem dos Rougon-Macquart que sintetiza a vida na França durante o Segundo Império. O que muitos de nós desconhecemos é que Zola também cultivou o conto com o mesmo nível de maestria de seus romances.   Entre os anos de 1875 e 1880, o escritor francês colaborou com a revista russa Véstnik Evropy (Mensageiro da Europa); eram com o objetivo de mostrar da forma mais detalhada e didática possível os personagens e cenários que caracterizavam a sociedade francesa da época. Mas, é exatamente a partir desse período que o estilo dos contos de Zola também conheceria uma clara evolução, marcando um distanciamento qualitativo em relação aos contos anteriores e impregnando-se do estilo naturalista defen...

O navio da morte, de B. Traven

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Por Pedro Fernandes   Liberdade, sim, mas ela tem que ser carimbada. Liberdade de ir e vir em todo mundo, sim, mas apenas com a autorização do guarda noturno.   — Em O navio da morte , de B. Traven A história das fronteiras é a história da longa disputa que estabelecemos desde quando potencializamos a noção de propriedade. No início do século passado o aparelho burocrático que sustenta o que hoje conhecemos como Estado estava em pleno funcionamento com o uso de mecanismos de controle capazes de determinar desde a ideia de cidadão aos seus trânsitos dentro e fora das fronteiras do seu lugar nacional. Todo esse aparelhamento serviu de interesse à literatura e a obra de Franz Kafka é reconhecida como sua viga-mestra.   Também outros escritores se mantiveram seduzidos pelo trabalho de explorar o absurdismo de situações propiciadas apenas pela usabilidade da burocracia que, sim, é necessária ao ordenamento, mas se tornou aparato de continuar servindo ao tipo social dominante; ...