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Bambino a Roma, de Chico Buarque

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Por Pedro Fernandes   O romance de Chico Buarque publicado no ano de celebração do seu octogésimo aniversário é um retorno ao tipo memorialístico iniciado com O irmão alemão , livro no qual recontou os bastidores de descoberta e procura de Sergio Günther, o filho nascido do enlace amoroso de Sérgio Buarque de Holanda com Anne Ernst. Em Bambino a Roma é outra a busca do escritor, por um certo menino que existiu durante os dois anos em que o pai se mudou com a família para ser professor de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma.   O interesse por uma pequena fração da infância é uma peculiaridade dessas memórias ficcionalizadas, afinal, o mais comum entre os escritores que se propuseram cumprir esse itinerário é o desenvolvimento do amplo painel da primeira fase da nossa existência, atendendo o desejo, sempre idílico, que se forma em certa passagem da vida. E essa escolha de Chico Buarque é, como qualquer uma, motivo para algumas questões. Perguntamo-nos por que, especifi...

Essa gente: uma análise da crise moral da elite carioca

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Por João Arthur Macieira   Figura mais do que conhecida do meio artístico brasileiro, Chico Buarque também criou seu espaço no campo literário, principalmente depois da publicação de Estorvo (1991). Isso porque sua literatura, tal qual sua música, pode combinar, através de uma polifonia que não se imiscuiu de pular do masculino ao feminino, da “alta cultura” à cultura popular, dos apartamentos do Alto Leblon às favelas, rodas de samba e mundo do crime que habitam o Rio de Janeiro. Se em Estorvo , como bem observou Roberto Schwarz, era possível perceber uma espécie de degradação moral daquilo que se pode chamar de “povo brasileiro” — isto é, os personagens que emergem naquela narrativa que representam as camadas pobres da população já eram marcados por um comportamento que seria chamado por Laval e Dardot de produção da fábrica de sujeitos neoliberais — em Essa gente (2019) foi a vez das elites cariocas, em especial aquelas em decadência financeira (o que engloba, possivelmente, t...

Todo (o) sentimento em todo (o) tempo: um pequeno itinerário para uma breve crítica poética

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Por Marcelo Moraes Caetano Ferenc Pintér.   Todo o sentimento (Bastos e Buarque, 2012) Preciso não dormir Até se consumar O tempo da gente. Preciso conduzir Um tempo de te amar, Te amando devagar e urgentemente. Pretendo descobrir No último momento Um tempo que refaz o que desfez, Que recolhe todo sentimento E bota no corpo uma outra vez. Prometo te querer Até o amor cair Doente, doente... Prefiro, então, partir A tempo de poder A gente se desvencilhar da gente. Depois de te perder, Te encontro, com certeza, Talvez num tempo da delicadeza, Onde não diremos nada; Nada aconteceu. Apenas seguirei Como encantado ao lado teu. Depois de te perder, Te encontro, com certeza, Talvez num tempo da delicadeza, Onde não diremos nada; Nada aconteceu. Apenas seguirei Como encantado ao lado teu. A poesia “Todo o sentimento”, escrita por Chico Buarque e Cristóvão Bastos, será encarada, nesta crítica, pela perspectiva imanente (cf. Todorov, 2009) do texto. Com isso, qu...

Anos de chumbo e outros contos, de Chico Buarque

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Por Pedro Fernandes Desde o primeiro conto publicado nesta antologia é notável o espírito provocador que Chico Buarque tem empunhado desde Essa gente , uma caricatura assombrosa do Brasil mais recente. Não que esse interesse estivesse fora do seu horizonte criativo na prosa ficcional anterior; há certa lucidez para olhar nossa história com mirada descarnada, apontando o nosso pior desde sempre. Mas é com o romance de 2019 que melhor vemos a força desse interesse, ao ponto de se confundir o homem que conhecemos, suas convicções, e o fazer disso um campo de debate sobre os nossos vícios, doenças e fracassos. O medo que sempre acompanha o leitor mais interessado no literário é do deslize capaz de maximizar o político mitigando o estético. É sempre cedo para se fazer quaisquer projeções sobre uma obra em curso, mas com o que tem saído da pena do escritor, sosseguemos: com a elegância que lhe peculiar, o escritor distingue bem os dois limites mas não os sobrepõe. Se acontecer isso, também n...

Essa gente, de Chico Buarque

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Por Pedro Fernandes Os termos utilizados por Chico Buarque para intitular seu romance parecem tomados de um popular no interior da renovação dos embates de classe no Brasil de entre meados para o fim da segunda década do século XXI. Dos ricos, muito se ouviu / ouve ante a presença dos menos abastadas em territórios só (ou recorrentemente) designados a eles, sentenças que se introduziam / introduzem pela expressão: essa gente precisa aprender o caminho para onde nunca deviam ter saído; essa gente não quer trabalhar mas viver às custas dos que realmente trabalham para manter esse país; essa gente é mesmo mal-educada; etc. Do outro lado, como terrivelmente tem sido nos usos do vocabulário de opressão no atual contexto, os termos foram reintegrados como a resposta possível contra o discurso não de um todo hegemônico das elites: essa gente precisa aprender que nosso lugar é qualquer lugar; essa gente é um bando de aproveitadores das benesses sem fundos de um Estado prot...