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Agnon, o homem de três sombras

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Por Amós Oz Por vezes, depois de termos nos despedido de tio Yossef e tia Tzipora, se ainda não era muito tarde, visitávamos, por vinte minutos ou meia hora, o vizinho da frente. Entrávamos furtivos na casa de Agnon, sem nada dizer a tio Yossef e tia Tzipora, para não deixá-los tristes. Às vezes, à saída da sinagoga, o sr. Agnon nos encontrava a caminho do ponto de ônibus da linha 7. Agnon então puxava meu pai pelo braço e ameaçava ― se recusar a ir à casa de Agnon e iluminá-la com a beleza da radiosa esposa, entristecida ficará a casa pela ausência da radiosa esposa. E assim Agnon conseguia um leve sorriso dos lábios de minha mãe, e meu pai concordava, dizendo: “Mas só por alguns minutos, desculpe-nos, senhor Agnon, não ficaremos por muito tempo. Temos de chegar ainda hoje a Kerem Avraham, o menino está cansado e deve acordar amanhã cedo para a escola”. “O menino não está nem um pouco cansado”, eu dizia. E o sr. Agnon: “Ouça bem, meu caro doutor: dos lábios ...

Dossiê James Joyce: um guia para entender Ulysses

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capa da 1ª edição de Ulysses Ulysses tem lá suas dificuldades, claro. Isso significa que o leitor que não estiver preparado para enfrentá-las corre o risco de se decepcionar. É preciso conhecer o caminho a se trilhar, sob pena de se perder. A sinopse a seguir abre uma picada na densa floresta literária de Joyce. Conduz o leitor, capítulo a capítulo, à essência do enredo e das técnicas narrativas. Joyce é parcimonioso na indicação de pistas. A única referência que serve mais ou menos de guia é o título do livro: o nome latinizado do herói da Odisséia , de Homero. A leitura de Homero seria enriquecedora, embora não obrigatória, porque os paralelos com a epopéia grega servem sobretudo de base estrutural, funcionam como metáfora profunda – estabelecida com ironia, humor e seriedade – do heróico no homem comum na era moderna. A idéia de um guia não era estranha ao próprio Joyce. Reconhecendo a complexidade do livro, ele elaborou um diagrama explicativo “para uso doméstico”...

Fotograma feito de sertanices

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Quatro 1: espelhos do sertão  Já acena este agosto – o principia De suas tragédias ou de suas alegrias Muito do seu de narrativa Em curtos capítulos Componho-o em versos Que juntos o chamo de poema Com um feixe de poemas que Intimamente conversam comigo Toda vez que os leio ou releio Tento pintar em quadros espelhados O que há anos inspirado em matéria de memória Chamo de sertanices. Quadro 2: invenção do sertão Muitos dos episódios que se desdobram Se revelam, enovelam, empoetizam-se Na pureza e no lirismo da paisagem sertaneja Afinal são sertanices. Porque o sertão em seu enlevo encantatório Define-se em poesia por si mesmo – Com o seu destino, seus homens, Suas raízes, suas lembranças. Quadro 3: sertanices O sertão que me vêm à memória Perambula do mais amplo horizonte imaginável Perpassa por figuras algures E emerge pela rachadura das palavras Desfraldadas em closes enigmáticos Que juntas chamo de sertanices. Um arquétipo coloss...

Acossado, de Jean-Luc Godard

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Com improvisação e referências que misturam o pop e o erudito, cineasta injetou oxigênio no modo de filmar Na metade da década de 1950, um grupo de atrevidos cinéfilos franceses, apaixonados por Hollywood e cheios de idéias na cabeça desenvolveu a chamada Teoria do Autor. Nas páginas da revista Cahiers du Cinèma , os então críticos Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette, Claude Chabrol e Eric Rohmer endeusavam diretores hollywoodianos e europeus, nas obras dos quais identificavam uma assinatura e formatos narrativos que traziam modernidade à linguagem do cinema. Um dos modelos era o neo-realismo de Roberto Rosselini, que filmava nas ruas, com fracos recursos de produção e sem seguir um roteiro à risca. Por meio desse exercício de admiração e de capacidade analítica, nasceu um dos movimentos mais cultuados e influentes da Europa, a Nouvelle Vague (Nova Onda), um exemplo de renovação na linguagem cinematográfica. Desse conjunto de grandes nomes, o de Godard tornou-se...

Dossiê James Joyce: peças para um retrato do artista (III)

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Enquanto prosseguia a seriação do livro Um retrato... o escritor começa a escrever o romance Ulysses . Por esta época, 1914, foram muitos os reveses  ―  basta lembrar que então eclodia a Primeira Guerra Mundial. E é por causa da guerra que Joyce sai de Trieste (apesar de pretender continuar por lá) e vai para Zurique  ―  Suíça  ― , onde fica até 1919. Depois de quatro rejeições pelas editoras do seu livro Um retrato... Joyce o tem publicado pela conhecida editora Harriet Shaw Weaver, a mesma responsável pelo The Egoist . Com o fim da guerra, em outubro de 1919, Joyce volta para Trieste, agora território italiano em sua boa parte. Mas, ao encontrar a cidade como um caos, o escritor volta novamente para Paris, onde residiria por longos vinte anos. Adquirindo uma certa estabilidade, Ulysses nasce nesse momento, em 1921, depois de trabalhar nele desde seus vinte oito anos de idade, quando ainda escrevia o conjunto de contos de Dublinenses . Originalment...

Maria Madalena Antunes

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Madalena Antuntes, 1940. Foto: arquivo Lúcia Helena Pereira Maria Madelena Antunes de Oliveira nasceu no dia 25 de maio de 1880, no engenho Oiteiro, município de Ceará Mirim; filha do coronel José Antunes de Oliveira e Joana Soares de Oliveira. Posteriormente, ao se casar com Olympio Varela Pereira, passou a assinar Maria Madalena Antunes Pereira, tornando-se, a partir de 1958, mais conhecida como a Sinhá - Moça do Oiteiro. Para os que conheceram a escritora, falam de uma Madalena Antunes criança alegre, virtuosa, cheia de amor pela família, pelos irmãos Juvenal Antunes de Oliveira, que foi poeta, Etelvina Antunes de Lemos, também poeta e Ezequiel Antunes de Oliveira. Senhorinha ou Sinhá de engenho, Madalena parece não ter levado a alcunha muito ao pé da letra; relatos dizem ter sido ele afetiva e carinhosa para com as filhas de escravos; citem-se Tonha e Patica, "crias da casa do coronel", com as quais apegou-se, em correspondida afeição, além, da fidelida...