Dossiê James Joyce: peças para um retrato do artista (III)






Enquanto prosseguia a seriação do livro Um retrato... o escritor começa a escrever o romance Ulysses. Por esta época, 1914, foram muitos os reveses  basta lembrar que então eclodia a Primeira Guerra Mundial. E é por causa da guerra que Joyce sai de Trieste (apesar de pretender continuar por lá) e vai para Zurique  Suíça , onde fica até 1919. Depois de quatro rejeições pelas editoras do seu livro Um retrato... Joyce o tem publicado pela conhecida editora Harriet Shaw Weaver, a mesma responsável pelo The Egoist.

Com o fim da guerra, em outubro de 1919, Joyce volta para Trieste, agora território italiano em sua boa parte. Mas, ao encontrar a cidade como um caos, o escritor volta novamente para Paris, onde residiria por longos vinte anos. Adquirindo uma certa estabilidade, Ulysses nasce nesse momento, em 1921, depois de trabalhar nele desde seus vinte oito anos de idade, quando ainda escrevia o conjunto de contos de Dublinenses.

Originalmente teria o romance 22 capítulos, mas ao longo de seus sete anos de criação passou o texto por muitas transformações. Também foi publicado sob forma de fascículos (catorze ao todo), também a pedido do amigo Ezra Pound. Essa publicação data de 1918 e 1919, pela The little review (revista da terra natal do poeta) e pela The egoist (revista inglesa); nesta última em apenas algumas partes. O romance, ao final, em quase nada mais corresponde a estes originais, visto que aparece mais expandido, com segmentos em sua estrutura totalmente modificados e detalhes estilísticos eliminados e/ou acrescentados.

James Joyce e Sylvia Beach, sua editora, na Livraria Shakespeare and Company, 1922.


O romance segue a trilha do personagem Stephen Dedalus de Um retrato do artista quando jovem. Agora a personagem está de volta a Dublin, vindo de Paris, remoendo a culpa por se negar a rezar pela alma da mãe agonizante. A personagem, no entanto, encontra-se num segundo plano porque quem marca o trajeto da narrativa em primeiro plano é o Leopold Bloom. E será por através de Bloom que Dublin se nos apresenta.

O romance joyciano em questão adquire uma sólida estrutura homérica, a começar pelo título que reitera o herói grego da Odisseia. O que marcará esse romance, no entanto, não será grandes feitos de grandes personagens, mas o cotidiano mais simples e a odisseia do novo herói é ensaiada no constante monólogo interior.
***

"O fato de Stephen entregar a chave da torre Martello a Buck Mulling tem um paralelo no fato de Leopold Bloom estar sem a chave da porta de número 7 da rua Eccles. Bloom consegue entrar e voltar para o lar, em que Molly o espera. Stephen, depois de recusar o convite para ficar, não tem um lugar aonde ir. O encontro entre o pai e o filho espirituais se deu, a separação é física. Mas não há 'resolução'. Carecemos da síntese, que pode, talvez, ser encontrada no monólogo afirmativo de Molly Bloom. Joyce parece nos dizer 'bem-vinda ó vida!', saudando a literatura em evolução, inextricavelmente na realidade mutável. Stephen e Bloom urinam, passa uma estrela cadente. Ulisses é também um cíclico tecer e destecer."

(José Antônio Arantes In: Revista Entrelivros, n. 2, p. 37)

Acerca dessa cena dos dois a urinar, muitas outras cenas como as que Joyce fala abertamente do defecar e masturbar do Bloom, é algo que choca aos leitores desavisados da época; é realista demais a ponto de se classificar como ofensivo. Tanto que em 1920, o correio estadunidense confisca quatro edições da publicação, sendo o episódio Nausícaa motivo de processo contra a publicação pela Sociedade de Combate ao Vício de Nova York. Na Inglaterra, a obra só seria aceita para publicação em 1936, graças à ação de intelectuais e escritores influentes como o poeta T. S. Eliot junto ao Ministério do Interior britânico.

James Joyce e Clovis Monnier, pai de Adrienne Monnier, quem o traduziu para o francês.


Em 1923, com o destino de Ulysses ainda resumido a uma incógnita, Joyce inicia um novo romance, Finnegans Wake, sendo este concluído apenas em 1939. Desde quando publicado este foi classificado como um romance dos mais ilegíveis da literatura universal.

"Mais radical do que Ulysses, irredutível a um mero resumo, pode ser visto com uma versão do romance anterior, um sonho de uma noite apresentado por uma linguagem apropriadamente onírica, distorcida em limites até então inéditos."
(idem)

O texto se apresenta novamente intercalado por um linguagem enciclopédica e retrata uma família irlandesa.

Por aqui dá-se início a último período da vida do escritor, este um dos mais infelizes para a família. Joyce começou a ficar cego por causa da catarata, doença que levaria o escritor a submeter-se nove cirurgias. Além disso, a filha Lucia apresentava os primeiros sinais de demência.

Preocupados com a família Joyce e Nora voltam a Londres, em 1931, a fim de se casarem e resolver as questões legais em relação a herança dos filhos. É em dezembro desse ano que o pai morre. Meses depois, eclode a Segunda Guerra Mundial. Em 10 de janeiro de 1940, Joyce é submetido a uma cirurgia para tratar-se de uma úlcera. Três dias depois vem a óbito antes de completar os 59 anos.

O último livro chega a ser publicado em 1939, mas o próprio amigo Pound o renega. Começa, então desprezo a obra do escritor.

Ligações a esta post:
Acesse a primeira parte do Dossiê James Joyce, aqui.
E a segunda parte, aqui.
Ou leia todo o dossiê aqui.

* As informações, bem como as notas ou citações desse texto são todas de Jose Antônio Arantes coletadas na Revista Entrelivros, n. 2, p. 28-39. As partes I e II deste Dossiê também. José Antonio Arantes é tradutor. Entre os livros que traduziu estão Histórias e poemas para crianças extremamente inteligentes de Harold Bloom; Giacomo Joyce de James Joyce entre outros.

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