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A glória literária graças aos demônios familiares

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William Butler Yeats e sua mulher. Imagem El País Cada escritor tem um grande campo verde no quintal de casa em cujas terras enterrou seus segredos mais escuros e preciosos e que, vez por outra, guaqueros* dão com o brilho da sua existência. A grande literatura geralmente está enraizada em crimes artísticos, está levantada sobre infelicidades próprias e alheias. Um desses guaqueros é Colm Tóibín, escritor irlandês hoje convertido em explorar tesouros alheios. Rastreou já os campos dos demônios titulares de vinte grandes autores e os coloca aos olhos de todos num texto que acaba de ser publicado na Espanha e que pode chegar ao Brasil em breve – Nuevas maneras de matar a tu madre . Quatrocentas e uma páginas com joias secretas de toda índole: incestos, traições, duelos sentimentais e econômicos, invejas, amores frustrados ou vaidades diversas, cujos fulgores podem ser divido em três tipos: poder, reconhecimento e sexualidade. “As obras dos gênios surgem de fontes insólitas”, a...

Poesia completa, volumes I e II, de Miguel Torga

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Por Pedro Belo Clara A obra que hoje aqui apresento, ainda que divida em dois volumes, é uma competentíssima colectânea poética de um dos maiores vultos da literatura portuguesa do século XX. Iniciativa da editora D. Quixote, o projecto apresenta, de forma tão abrangente quanto possível, os principais trabalhos poéticos de Adolfo Correia da Rocha, um médico que no mundo das letras se notabilizou sob a epígrafe de Miguel Torga e que, durante largos anos, foi o editor de seus próprios livros. Além disso, e eis o seu maior motivo de louvor e, consequentemente, de interesse literário, ambos os volumes conseguem fielmente apresentar a todo o curioso leitor as principais temáticas da poesia de Torga, tornando-o assim num excelente instrumento de introdução ao estudo deste autor. Entender Torga é igualmente entender os dramas e as alegrias do homem que viveu, amou e sofreu – entre angústias e paixões, receios e certezas. De uma complexidade simplista, passe a possível contradiç...

Boletim Letras 360º #20

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Como justificamos em nossa página no Facebook, excepcionalmente, o Boletim Letras 360º foi adiado para hoje devido um texto a mais já previsto nas homenagens que rendemos durante esta semana ao escritor Graciliano Ramos. Acontece. Em 2012, ainda não havia esta coluna fixa, mas a homenagem para Carlos Drummond de Andrade cortou a semana de segunda a sábado também. Cremos que isso só é mais útil ainda aos leitores que têm mais novidade ao seu alcance.  Justificativa dada, vamos ver o que foi notícia nesta semana em que todos os olhos estavam voltados para Festa Literária Internacional de Paraty, um dos maiores eventos literários do país; país que, diga-se, avançou e muito na organização desse tipo de evento nos últimos anos. As feiras estão, ao que vimos acompanhando, por todas as principais cidades brasileiras. Utilizando com metáfora o olho (que nasce do olhar sempre desconfiado de Kafka e ganha espaço pela ideia de reolhar o aparelho burocrático da sociedade) nova coleção r...

A resistência suave do algodão em rama: autoria e crítica nos “Relatórios” de Graciliano Ramos

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Por Vera Romariz Fac-símile dos dois relatórios escritos por Graciliano Ramos no período em que foi prefeito em Palmeira dos Índios, interior de Alagoas. Imagem do Blog da Boitempo Editorial. Os dois relatórios do escritor Graciliano Ramos, publicados no livro Viventes das Alagoas (1962), foram produzidos entre 1929 e 1930, traindo um diálogo entre o texto informativo e o literário, com discreto hibridismo de discursos. Emerge dessas poucas páginas o relato de sua vida pública, fugaz mas significativa, com traços esparsos de uma crítica da realidade social que jamais abandonou; e os vetores críticos de seu texto são o humor e uma subjetividade ácida, anti-institucional, incomuns em documento de convenção tão normatizada pelas instituições, cuja tradição cultural o modela. Relatar supõe construir uma “narração ou descrição verbal ou escrita, ordenada e mais ou menos minuciosa do que se viu, ouviu e observou”, segundo o velho dicionário de Aurélio Buarque. Nesse sentido, ...

A prisão de um comunista que provavelmente não militava

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Por Luiz Sávio de Almeida   Graciliano Ramos em foto tirada durante o período em que esteve preso. Arquivo do DOPS. Rio de Janeiro, 1936. É praticamente demonstrado que o Partido Comunista se estruturou em Alagoas a partir de 1928, somando antigos anarquistas de 1919 e novos componentes. É em 1928 que se funda a primeira célula, na rua São José, residência de Américo Sapateiro que, posteriormente, irá pertencer à Ação Integralista. Antes, ocorriam contatos a partir de Recife e Bahia, sendo possível que Américo tenha realizado a coordenação que resultou na célula em sua casa. Após a greve de Jaraguá e dos demais acontecimentos que marcaram a história da esquerda em Alagoas nos finais da segunda década do século passado, o movimento operário, segundo apreciação de um jornal de feição comunista (editado esporadicamente, desde 1927) havia perdido força, especialmente após o controle – aduzimos – policial das reuniões operárias e do pacto entre maltistas e democratas p...

Duas palavras sobre as imagens (ou vice-versa:) duas imagens sobre as palavras

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Por José Carlos Avellar Cena de São Bernardo . Os amigos discutiam a precariedade do Grêmio Literário e Recreativo, queriam abrir uma biblioteca, “a instrução é indispensável, a instrução é uma chave, a senhora não concorda, D. Madalena?”. Paulo não concorda, “biblioteca num lugar como este! Para quê?”. Acha que não se deve confundir “instrução com literatura de papel impresso”. Madalena concorda com ele: “Assisti um dia destes a uma fita no cinema, e creio que aprendi mais do que se visse aquilo escrito. Sem contar que se perde menos tempo”. No quarto de pensão, grudadas na janela, as moças espiam o capítulo da novela na televisão da casa em frente. Num canto, alguém lê um romance e a todo instante fecha o livro. Interrompe a leitura, olha a capa, abre o livro, lê algumas linhas, volta a ver a capa. Gostava de livros com figuras, e aquele só tinha uma figura na capa. O menino ainda não tem nome nem aprendeu a ler, mas ganhou um livro e está encantado com o presente. ...