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Relendo "O sorriso do lagarto" 25 anos depois: homenagem a João Ubaldo Ribeiro (1941-2014)

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Por Alfredo Monte Há 25 anos, João Ubaldo Ribeiro lançava O sorriso do lagarto , e parecia-me naquele momento — juízo que prevaleceu durante certa fase (ratificado com o aparecimento de O feitiço da Ilha do Pavão , de 1997 e A casa dos budas ditosos , de 1999) — a indicação clara de que o outrora grande prosador baiano estava pendendo para o comercial, no sentido de aclimatar fórmulas do Best-seller internacional standard , numa mistura de triângulo amoroso com elementos de ficção científica e suspense (não faltavam nem cenas clichês como a da conversa entre o herói e o cientista-vilão, quando este explica seus planos para o adversário que tentava desvendá-los). De fato, as vendas foram expressivas e houve até uma adaptação televisiva, onde todos os elementos folhetinescos eram realçados até a caricatura. A prevenção talvez fosse fruto do impacto da leitura de alguns de seus primeiros títulos: Sargento Getúlio  (publicado quando ele tinha apenas 30 anos, em 197...

Dia do mar, de Sophia de Mello Breyner Andresen

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Por Pedro Belo Clara Sobre Sophia já tudo terá sido dito. Se não tudo, pelo menos quase. Mesmo que as múltiplas considerações de notáveis amigos, familiares ou meros admiradores da célebre autora não sejam suficientes, a obra falará por si – como seria de esperar. Nas palavras de José Agostinho Baptista, a própria definição de tudo, sonho e real, ou a simples manifestação léxica erigida em verso só aos poetas cabe em direito: «eles que digam tudo, quase tudo, eles que nos cerquem, que nos toquem». E Sophia sem dúvida que pertence a essa ínclita estirpe de poetas que ainda nos cercam e nos tocam com a mais suave subtileza de uma palavra depurada ou de um poema amanhecido. Encerramos o mês que, como se sabe, marcou uma década desde o desaparecimento físico de Sophia com a sugestão de mais um livro de índole poética. No caso, Dia do Mar , um dos seus primeiros trabalhos, editado em 1947. A bem da verdade, a sugestão é meramente simbólica, já que em alguém tão versado em div...

Ernest Hemingway não era inimigo de John Dos Passos

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Antes de se  “ estranharem ”  na Europa. Ernest Hemingway e John Dos Passos. Flórida, 1928. Foto: Biblioteca JFK. Detalhe / Reprodução Há sempre uma polêmica que ronda o mundo literário com o nome de  inimizade . Recentemente, depois da morte de Gabriel García Márquez, por exemplo, veio a lume a briga entre o escritor e Vargas Llosa num passado que, para o escritor mexicano, deverá ir consigo para a sepultura. Entre Ernest Hemingway e John Dos Passos também houve esse impasse de personalidades. Os dois são os principais nomes da chamada Geração Perdida na literatura estadunidense. Dentre as várias publicações sobre o caso, há até um livro editado no Brasil pela Difel, de Stephen Koch – O ponto de ruptura: Hemingway, John Dos Passos e o assassinato de José Robles . A polêmica é tamanha que chegou a ser um dos temas no Primeiro Congresso Internacional sobre Hemingway, realizado em junho de 1984 e, agora, volta a ser pauta entre os pesquisadores e toma nova forma c...

Boletim Letras 360º #74

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João Ubaldo Ribeiro. Foto: Priscila Azul Outra semana assim não se faz. Que a vida é além de tudo um acúmulo de perdas, tudo bem. Mas, duas dessa natureza e num curto espaço de tempo, é muita dor: falamos da ausência física de Nadine Gordimer e de João Ubaldo Ribeiro, dois mestres da ficção.  Enfim, é este um boletim de luto e a lembrança dos dois estará por cada canto desses recortes da semana. No Facebook do Letras, iniciamos algumas novidades nessa semana. Para que tudo lá não vire um eterno marasmo, temos buscado inventar coisas. Dar movimento à página é uma necessidade ainda porque a política grosseira do Facebook em não colocar tudo o que publicamos aos olhos dos que nos seguem é ferrenha. Entre essas ideias, uma delas é a criação de enquetes: algumas perguntinhas curiosas porque queremos conversar com os leitores. Ao final deste boletim, deixamos o link para acesso a ideia. Uma enquete nova será aberta a cada domingo. Segunda-feira, 14/07 ESTAMOS SEM ...

Tempestardes, de Leonardo Chioda

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Por Pedro Fernandes Leonardo Chioda. Foto: Giane Portal confesso que sou tarde mas entendo lá vem alva a noite de estrelas baixas, próximas do teu ventre tatuado O que sugere um título como Tempestardes ? Ou os versos de “Magna luna (romance no Caffè Florian)” colocados à abertura deste texto? Primeiramente de não estamos diante de uma chuva passageira de palavras cujo fim deságua em nada. O engendrar de signos já nascido no termo que acolhe esse conjunto de poemas e a transmutação do eu poético em natureza e força temporal sugere que o leitor tem por adiante não mais um título de poesia para fazer volume na estante, mas um relicário doce, complexo e inventivo, três qualidades muito caras à poesia ou ao estado poético que não estão acessíveis de maneira gratuita no universo da criação. São qualidades que exigem sensibilidade, outra forma de inserir-se no mundo – ainda mais complexa se pensarmos que habitamos e somos habitados por um desencanto prof...

Florbela, de Vicente Alves do Ó

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Três casamentos, abortos, amantes, um amor incestuoso pelo irmão que morre tragicamente num acidente de avião, rejeição da crítica pela sua escrita, uma personagem perdidamente entre os fluxos da vida, dada ao arrebatamento em tudo que faz, uma suicida. Um perfil assim, tão simples, mas sublinhado por situações tão complexas, é já matéria suficiente ao exercício criativo em produzir qualquer texto sobre a vida da poeta portuguesa Florbela Espanca. Diante dessas situações, há muitas possibilidades de produção. Fiquemos, no entanto, com duas delas: transformar isso num melodrama típico ou trabalhar o drama até aproximá-lo do trágico. Nem precisa dizer que os dois extremos são um tanto perigosos. E não ter o domínio da objetividade, corre o risco de quem por aí se aventurar dar com os burros n’água. Isto é, transformar uma biografia que muito tem a dizer em qualquer coisa para agradar emoções ou exacerbá-las. A questão se complica ainda mais quando lembramos está diante de...