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As devoradoras palavras de Roberto Menezes

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Por Alfredo Monte «.… é pegar pesado? Acho que não, sem sombra de dúvida, não...» 1 Fiquei tentado a enganar meu leitor, enfatizando o lado “história de vingança”, com toques macabros à Stephen King, de Palavras que devoram lágrimas, romance que faz parte da coleção digital Latitudes (e-galaxia). Não seria uma mentira nem algo descabido. Roberto Menezes não tem medo de incorporar o universo de King ou outras referências da indústria cultural  («ops, fiz de novo, como diria a britney»); no entanto, estaremos mais próximos da radicalidade e do efeito avassalador do texto do autor pernambucano (mas de vivência predominantemente paraibana, salvo engano) se o pensarmos na linhagem de um Paixão segundo G. H. (1964), de Clarice Lispector, ou de alguns filmes bergmanianos (como Através de  um espelho , 1961), no sentido de que derruba as escoras, que escava as fundações, que põe a nu os tapumes que cercam nossa condição humana. A própria narradora...

O sol é para todos, de Harper Lee

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Harper Lee no set  de filmagens de O sol é para todos , em 1961. “Quando tinha quase treze anos, meu irmão Jem sofreu uma fratura grave no cotovelo. [...] Continuo achando que tudo começou com os Ewell, mas Jem, que era quatro anos mais velho que eu, dizia que as coisas começaram bem antes. Ele dizia que começaram no verão em que conhecemos Dill e ele nos deu a ideia de fazer Boo Radley sair de casa. [...] Depois de obter  o diploma, meu pai voltou para Maycomb e começou a exercer a profissão. [...] Seus dois primeiros clientes foram as duas últimas pessoas condenadas à forca no condado de Maycomb. Atticus tinha insistido para que eles aceitassem a generosidade do Estado, que permitiria que continuassem vivos caso se declarassem culpados de homicídio. [...] Maycomb era uma cidade antiga, mas quando a conheci, era antiga e decadente. Quando chovia, as ruas viravam um lamaçal vermelho; o mato crescia nas calçadas e o tribunal parecia afundar no meio da praça. D...

Czesław Miłosz

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Czesław Miłosz nasceu em 1911 na região de Szetejnie, quando o país ainda pertencia ao Império Russo. Essa parte da geografia europeia passou por largas intervenções; essa região onde Miłosz nasceu, por exemplo, na época território da Lituânia, era uma parte da Polônia – esta que esteve dividida não só com o Império Russo, mas com a Prússia, a Áustria e até deixou de existir como Estado no fim do século XVIII e só veio ressurgir em 1919 com uma parte considerável dos antigos territórios. Ao final da Segunda Guerra Mundial as fronteiras da Polônia são deslocadas para o oeste, ficando esses importantes centros culturais poloneses sob domínio da União Soviética. Foi em Vilna, outra região polonesa, que Miłosz viveu sua juventude; interessou-se desde então pela poesia e, durante sua formação em Direito, foi um dos protagonistas do círculo Zagary que reunia poetas e leitores do gênero. O grupo vanguardista que ficou conhecido como os catastrofistas foi responsável por impulsioná-lo ...

Boletim Letras 360º #125

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Harper Lee nos anos 1950 em Monroeville. A escritora é centro das atenções do mundo inteiro pela chegada de Go Set a Watchmann . Mais detalhes ao longo deste boletim. O centro de todas as atenções dos leitores está para o universo de língua inglesa que recebe no próximo dia 14 a edição de um romance de Harper Lee até então autora de uma única obra, O sol é para todos (no Brasil, reeditado pela José Olympio). Neste boletim, aproveitamos, no instante quando lembramos o primeiro capítulo disponibilizado pelos jornais da Inglaterra e dos Estados Unidos algumas matérias que temos publicado aqui no blog. E o restante das notícias que circularam em mais uma semana no Facebook. Boas leituras! Segunda-feira, 06/07 >>> Brasil: Marcelino Freire repaginado e com textos inéditos em nova edição de Amar é crime O livro foi publicado em 2011 em pequena tiragem pelo coletivo artístico Edith, do qual Marcelino é um dos criadores e ganha reedição pelo Grupo Editorial Reco...

Desnorteio, de Paula Fábrio

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Por Pedro Fernandes Se este texto merecesse um título deveria se chamar, talvez, “Paula Fábrio, um narrador em trânsito”. Não recebe porque não esta uma reflexão sobre a escritora, nem concebo uma prática de a escritora se imiscuir entre aquilo que narra, muito embora, admita certa inclinação memorialística logo na primeira página de Desnorteio , seu primeiro romance. Mas, é a ideia de trânsito tornada experiência e por isso tomo nota depois da leitura e cismo que este deveria ser um texto com este título. Narrar tem se tornado sempre mais experimentar-se (digo isso enquanto penso na experiência mais radical com que tive contato nas minhas leituras recentes – o português António Lobo Antunes). Agora, quem sou para dizer quando os escritores notaram sobre a possibilidade da manipulação corriqueira tal como fazem contemporaneamente com a narrativa. Alguma parte da crítica atesta que as coisas começaram com as vanguardas. Desde os surrealistas, dizem estes, nunca mais nar...

O grande Hotel Budapeste, de Wes Anderson

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Por Ignacio Vidal-Foch Última sequência do filme, que, como outros deste diretor, se move num terreno narrativo especial, um terreno de alegria saltitante com um fundo melancólico, rótulos que nos chega pela informação de que é inspirada na obra de Stefan Zweig, autor que no Brasil e nos Estados Unidos foi trazido a uma nova vida editorial (aqui através do projeto de reedição de alguns livros pela Editora Zahar), uma nova apresentação aos leitores, e que Anderson descobriu com grande interesse há seis anos. Zweig, com “Z” de Zenda, Zembla, Zentropa, Zubrowka e demais lugares de fantasia – ruas medievais, igrejas barrocas e palácios rococó, lentas ferrovias, rios caudalosos, igrejas perfurando com sua aguda ponta de lança a pança do céu enublado, um imperador ancião e com costeletas, hierarquia, tédio, rotina, convenções, cerimônias e militares com quepes e uniforme de cores vivas – que sempre estão situados em algum lugar remoto, quase inacessível, do império danubiano e con...